Quando as “Candocas” Viraram Torcida Organizada
- Paulo Pereira de Araujo

- 17 de dez.
- 3 min de leitura

Campanha da Mulher pela Democracia (?)
Se eu fecho os olhos, coisa que faço com frequência pra não ver besteira, ainda enxergo aquela marcha de 1964 como um estádio lotado antes da bola rolar. E o mais curioso é que quem puxava o coro não eram generais, industriais nem políticos, mas sim as mulheres conservadoras da época, verdadeiras torcedoras uniformizadas da moral, do altar e da ordem.
As candocas da Campanha da Mulher pela Democracia, por exemplo, entraram em campo como se fossem a ala mais fiel de uma torcida organizada, cantando contra o comunismo como se fosse o time rival de maior ódio.
Logo atrás vinham as senhoras da União Cívica Feminina, que já tinham dado uma ajudinha no parlamentarismo que tirou poder do João Goulart (Jango), foi como mudar o regulamento no meio do campeonato pra impedir o time adversário de reagir.
Elas denunciavam comunistas com a mesma alegria com que o torcedor denuncia mão na bola do outro time, mas curiosamente nunca veem a própria trave.
Aí somou-se o Movimento de Arregimentação Feminina, pregando moral e bons costumes com a precisão de um bandeirinha moralista que anula gol por impedimento inexistente, mas ignora carrinho violento do zagueiro do próprio time. E assim se formou a linha de ataque da marcha: três movimentos femininos conservadores, todos vestindo a camisa do conservadorismo, prontos pra dar o toque final rumo ao golpe militar.
A mulher, vista como guardiã do lar, teria papel redentor, como se fosse goleira da moralidade, capaz de evitar que o país tomasse o “gol vermelho” que tanto temiam. Transformaram a figura feminina em símbolo de “revolução pacífica”, como se aquela passeata fosse pelada de domingo. Só que o adversário era real, e o placar tava sendo manipulado no vestiário.
E enquanto a arquibancada feminina fazia barulho, quem tava pagando o ingresso VIP? A elite agrária e a elite industrial. Sociedade Rural, Ciesp, Fiesp… tudo patrocinador do golpe, daqueles que escolhem técnico, juiz e até o horário do jogo. Não foi só a família brasileira que entrou em campo, foi a elite econômica escalando seu time pra dizer ao país que o resultado já tava decidido.
O efeito foi imediato. A marcha virou o grande “vai que é tua!” pro golpe de 1964. Depois, veio até replay: 69 marchas da vitória, todas gritando que o gol irregular tava valendo. A imprensa brasileira, então, entrou como comentarista parcial. Folha, Estadão, Globo chamaram o evento de “espetáculo”, “fabulosa concentração”, “maior movimento cívico”. Pareciam narradores encantados com o gol do próprio time, mesmo sabendo que a jogada começou em impedimento de cinco metros.
Até os incidentes viraram anedota, como o caso dos rapazes presos com caixas de ovo, como se fossem arma química contrarrevolucionária, e depois descobriu-se que trabalhavam pra um supermercado. Polícia, repressão, torcida inflamada… tudo aquilo já cheirava a virada forçada.
O curioso é que nenhum editorial mencionou os pedidos de intervenção militar. A imprensa driblou essa parte como centroavante habilidoso fugindo da marcação. Preferiram pintar aquilo como “o povo” defendendo a democracia, enquanto os microfones pediam, sem rodeios, que os militares assumissem o apito final.
E antes que o jogo terminasse, veio o lance decisivo: a Revolta dos Marinheiros. Dois mil marinheiros do mesmo time resolveram bater boca com o técnico. Jango tentou consertar a escalação, mas aí o estádio inteiro, já manipulado, gritou: “É golpe!”. E o juiz atendeu.
No fundo, aquele 19 de março de 1964 foi a semifinal onde todos fingiram que o jogo era limpo. O golpe militar seria a final, marcada pra dias depois, com placar já combinado. E como digo ao Botox quando ele late pro vizinho: quando o barulho é grande demais e todo mundo repete o mesmo canto, não é espontaneidade, é coreografia política. E das perigosas.
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