Marcha da Família: Como o Ato de 1964 Abriu Caminho para o Golpe Militar
- Paulo Pereira de Araujo

- há 11 horas
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Os Discursos, Símbolos e Estratégias por Trás do Maior Ato Conservador de 1964
Dizer que 19 de março de 1964 foi um clássico em que metade da cidade vestiu a camisa errada não é exagero. São Paulo virou estádio lotado. Quinhentas mil pessoas marcharam da Praça da República à Praça da Sé como torcida depois de vitória apertada, embora o gol contra já tivesse anunciado no telão.
Os cartazes, faixas de organizada sem poesia, eram claros: “Verde e amarelo, sem foice e sem martelo”, “Democracia tudo, comunismo nada”. A torcida veio ensaiada, afinada e convocada, como treino secreto antes de final.
O senador Benedito Mário Calazans subiu ao microfone como técnico inflamado no vestiário, evocando São José como capitão do time conservador e afirmando que “Fidel”, Brizola, Jango e “os comunistas” formavam o outro lado. Apontava pro público como quem ajusta a barreira antes da cobrança. Dizia que ali tava o povo pronto pra defender a democracia do “tiranismo vermelho”.
A cidade ganhou clima de feriado, lojas fecharam cedo, fábricas liberaram operários, delegações de dez estados reforçaram a arquibancada. Cunha Bueno como dirigente, Ademar de Barros distribuindo apoio como ingresso VIP, entidades femininas, industriais e rurais cuidando da coreografia.
Nas ruas, mulheres rezando, religiosos com cara de bandeirinha e militares
tranquilos como quem já conhecia o resultado. Os jornais celebraram o caráter “cívico”, confundindo civismo com pedir que o goleiro adversário chutasse contra o próprio gol.
O objetivo era virar a opinião pública contra as reformas de Jango, tratadas como dribles arriscados demais pelos conservadores. O comunismo virou o atacante fantasma que ninguém viu jogar, mas que todos juravam temer. Deus, liberdade e família formavam o trio ofensivo, com a intervenção militar
aquecendo no banco, pronta pra entrar a qualquer momento e “sanear” o gramado.
A Marcha Virou Sinônimo de Apoio Popular ao Golpe de 1964
Dias depois, o golpe de 1964 entraria de sola. A Marcha da Família ajudou a pavimentar esse gramado, vitória que só pareceu vitória pra quem confunde barulho com consenso. E como digo ao Botox, que não entende ditadura, mas detecta cheiro ruim: quando arquibancada vira tropa, o jogo não fica bonito; fica perigoso. Envelhecer serve pra isso:, a gente aprende a reconhecer jogada ensaiada de longe.
Cyro Albuquerque subiu como camisa 10 improvisando hino de torcida: “bandeira livre”, “respeito às instituições”. Pedia paz, mas seu tom lembrava técnico pedindo calma depois de mandar “chegar junto” no meia adversário.
Auro de Moura Andrade falou como narrador apaixonado pela própria metáfora. Dizia que aquele dia era histórico, que o povo tava ali pra defender a democracia e evitar “os comunistas”. Convidava a confiar cegamente nas Forças Armadas, como torcedor que jura que seu time jamais faz falta dura.
Plínio Salgado, líder integralista, fez discurso digno de zagueiro com travas no joelho do outro. Convocou soldados, marinheiros e aviadores como torcida ultras e perguntou se eram capazes de erguer as armas, quase incitação pra briga no túnel. Falou de subversão, anarquia, Moscou e lares destruídos, tudo embalado em verde-amarelo.
No meio da multidão, Geraldo Goulart comparava tudo à Revolução de 1932, hábito paulista de lembrar final antiga quando o jogo atual empaca. Brizola
virou o camisa 10 adversário, alvo de vaias e lenços agitados. A marcha terminou com missa e com o “Manifesto ao povo do Brasil”, panfleto chamando todos a “virar o placar” contra Jango.
A historiografia não deixa dúvida: a Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi o “vai que é tua!” que autorizou o golpe militar de 1964. Seus defensores insistem no caráter “espontâneo”, como se meio milhão de pessoas surgissem do nada, sem articulação de industriais, senhoras da elite e políticos influentes. No palanque, Leonor Mendes de Barros, Carlos Lacerda e uma fila de nomes que nunca recusariam câmera.
No final, aquilo não foi jogo, nem festa, nem civismo. Foi estratégia política, treino tático pra quando o golpe viesse, ninguém pudesse fingir surpresa. Como digo ao Botox, faro fino pra golpes, quando a vaia sincronizada
aparece, é porque o placar já tava combinado antes do apito inicial. E nada disso, absolutamente nada, cheira a democracia.



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