O Gol Contra de Jango, o Craque Impedido de Jogar no Time da Democracia
- Paulo Pereira de Araujo

- 24 de nov.
- 3 min de leitura
Atualizado: 27 de nov.

O G0l Contra de Jango, o Craque Impedido de Jogar na Democracia
Eu sempre digo que o Brasil tem um talento especial pra marcar gol contra. Às vezes até suspeito que a Senhora Soledá anda apitando nossos jogos desde 1500. E se há um personagem que incorpora esse destino torto, é João Goulart, o Jango. Um sujeito que poderia ter sido o grande armador da democracia, mas acabou expulso de campo antes mesmo de tocar na bola como queria.
Jango nasceu em São Borja em 1919, criado entre gado, cercas e aquela placidez gaúcha que engana: por trás do mate havia um político nato. Getúlio Vargas, sempre atento ao mercado de craques, enxergou nele um futuro camisa 10. Trouxe-o para o PTB e, em 1953, colocou-o no Ministério do Trabalho.
Ali, Jango mostrou que não tinha medo de atacar: propôs dobrar o salário mínimo. Foi como meter um chapéu num zagueiro da elite brasileira, o estádio veio abaixo. Caiu do cargo, mas saiu ovacionado pela arquibancada trabalhista.
Na sequência, em 1956: eleito vice-presidente na chapa de Juscelino Kubitschek, manteve os sindicatos sob sua batuta. Um meia-armador de toque refinado, admirado pelos jogadores da base e odiado pelos cartolas da direita. Até aí, tudo normal no hábito brasileiro de amar e detestar o craque ao mesmo tempo.
Mas o jogo virou de vez em 1961. Jânio Quadros, aquele técnico genial e tresloucado, abandonou o time no intervalo, deixando o Brasil em modo “que diabos tá acontecendo?”. Jango, que tava em missão internacional, deveria assumir — afinal, isso é o básico do regulamento.
A Jogada do Tudo ou Nada: as Reformas de Base
A presidência de João Goulart não foi um amistoso de fim de ano. Foi uma final de Copa do Mundo disputada no campo minado da Guerra Fria. O craque do Trabalhismo assumiu o comando em 1961 com o placar já adverso, após a deserção chocante de Jânio Quadros.
Mas os generais e a UDN - União Democrática Nacional berraram impedimento. Pra liberarem sua entrada, inventaram o parlamentarismo, um esquema tático que tirava dele a camisa 10 e deixava o vestiário nas mãos de um primeiro-ministro. Jango assumiu, mas manietado, o equivalente a entrar em campo sem chuteiras.
O Brasil, no entanto, não aceita facilmente injustiça. O plebiscito de 1963 devolveu-lhe o presidencialismo com placar de goleada. A massa gritou: “Jango, agora é contigo!”. E aí ele entrou no segundo tempo decidido a virar o jogo: Reformas de Base, reforma agrária, controle de remessa de lucros, reforma bancária, passes longos, ousados, ofensivos.
O problema é que tocar na ferida da elite brasileira sempre gera carrinho por trás. A imprensa conservadora pintou Jango como ponta-esquerda soviético, os militares rosnaram na lateral do campo, e os velhos donos do estádio começaram a conspirar com aquela calma de quem sabe que o juiz, cedo ou tarde, sopra o apito a seu favor.
A Ditadura Levantou a Taça
Em março de 1964, Jango percebeu que não ganharia mais no Congresso Nacional, pois ali a marcação era individual, violenta e sistemática. Então tentou outra jogada: o Comício da Central do Brasil. Um Maracanã lotado de esperança. Seu último grito de ataque.
Mas foi aí que os adversários invadiram o campo. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, aquela torcida organizada patrocinada pelos setores mais conservadores, tomou as ruas clamando por “ordem”. O gol da virada tava escancarado — só faltava o chute.
Ele veio em 31 de março de 1964. Tanques nas ruas, generais no comando, Constituição rasgada. Golpe militar. Jango podia ter chamado seus torcedores, mas preferiu evitar um massacre. Deixou o gramado e se exilou no Uruguai.
Não fugiu: recuou pra impedir sangue nas arquibancadas. Num país que adora confundir prudência com covardia, isso custou caro. Nos anos seguintes, tentou reorganizar a democracia pela Frente Ampla, mas a Ditadura Militar tratou de marcar de perto. A vida de exilado foi corroendo o craque.
Em 1976, a Senhora Derradeira foi buscá-lo na Argentina, em circunstâncias que até hoje dividem a mesa-redonda histórica: Operação Condor? Problema cardíaco? Talvez ambos — ou talvez o coração não tenha suportado ser expulso de um jogo que jamais pôde disputar plenamente.
E assim ficou Jango: o camisa 10 que nunca deixaram jogar. O jogador brilhante que entrou em campo, driblou, ameaçou marcar e foi derrubado antes do chute. Um daqueles personagens que, como tantos no Brasil, tiveram talento pra democracia, mas jogaram no estádio errado, diante de árbitros comprados e rivais que nunca quiseram jogo limpo.



.webp)



Comentários