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Filosofia ou religião?

Atualizado: 6 de jul. de 2023

A filosofia surgiu mesmo na Grécia?


Nas postagens anteriores – O que é e para que serve a filosofia?Escolas filosóficas – Parte 1 e Escolas filosóficas – Parte 2 – você deve ter percebido que, na filosofia, o que menos existe é consenso. Por isso, já começo com uma polêmica bastante atual que diz respeito ao surgimento da própria filosofia. Sempre foi um fato consumado de que ela nasceu na Grécia Antiga, mesmo sabendo-se que o pensamento não-ocidental é vasto e bem mais antigo. Então por que não consideram o que se fazia no Oriente e no Egito como filosofia?


Em um sentido amplo, a busca pela sabedoria não é algo exclusivo dos gregos e nem tampouco da civilização Ocidental. Em um sentido restrito, há uma tendência em não reconhecer a filosofia oriental, vista apenas como uma manifestação da razão ocidental que não era feita no Oriente e no Norte da África. Ou seja, o que se fazia fora da Grécia ou do Ocidente era religião e não filosofia.


Jonny Thomson, professor de filosofia em Oxford e autor de vários livros sobre filosofia, é um dos que se coloca abertamente contra isso. Segundo ele, muitas das tradições não europeias não foram consideradas filosofia "adequada" e isso revela uma ignorância dessas tradições. Religião e filosofia sempre se sobrepuseram, independentemente de suas origens.


O eurocentrismo é uma forma de classificar sua própria história e cultura como a “certa” ou a “melhor”. Então, as pessoas costumam ver a filosofia por meio desse mesmo tipo de lente estreita. Cursos de filosofia e livros introdutórios apresentarão predominantemente pensadores europeus e americanos. Pode até haver uma referência a Confúcio ou Avicena (ambos os nomes em versões latinizadas.), mas sua inclusão dissonante serve apenas para mostrar que as filosofias orientais e africanas são inferiores, se é que são filosofia.



Não há nada de novo em chamar a herança ideológica de outra cultura de “primitiva” ou “simplista”. Por milênios, as ideias não chinesas foram consideradas bárbaras dentro da China. Durante séculos, na Índia, pensou-se que toda a filosofia estava contida em seis grandes sistemas, conhecidos como darshana. Mas, desde a Grécia Antiga, e por meio do sistema universitário europeu, a filosofia passou a ser identificada quase exclusivamente como a busca racional ou analítica de respostas, e de preferência verdadeiras. E assim, fanáticos por definições podem dizer, “somente aquilo que pode ser atribuído a Platão é filosofia adequada”.


Supõe-se que isso tenha começado com os gregos, onde o logos (lógica racional) era a melhor, se não a única, forma de debate. Depois disso, a filosofia do século XVII encontrou um novo ídolo em René Descartes, que provou o universo inteiro (assim como Deus) simplesmente usando a razão. Finalmente, essa busca racional foi aperfeiçoada por filósofos como Gottfried Leibniz e Ludwig Wittgenstein, que escreveram sua filosofia em listas matemáticas.


Friedrich Nietzsche, Jean-Paul Sartre e Soren Kierkegaard sempre apareceram um pouco estranhos nessa história. Em algumas instituições modernas, esse tipo de “filosofia continental”, com sua prosa legível e conteúdo emocionalmente envolvente, ainda é visto como um primo embaraçoso. Como esses filósofos também estudaram e conheceram a filosofia “adequada”, eles são vagamente tolerados sob a estreita descrição da filosofia como racional. Ajuda o fato de serem todos brancos e europeus.


Mesmo se aceitarmos essa definição racional-analítica de filosofia (que é extremamente discutível), ela ainda levanta uma questão importante sobre o pensamento “não-ocidental”. Isso ocorre porque qualquer um que insista que as tradições não ocidentais não usam argumentos racionais está apenas dizendo que conhece muito pouco dessas tradições. Os moístas chineses, os budistas Dignaga, os hindus Vyakarana (tradição do estudo da gramática sânscrita e é uma das seis Vedangas ou disciplinas obrigatórias para o estudo dos Vedas)e os islâmicos Al-Farabi e Ibn Sina são todos uma pequena amostra de exemplos lógicos e racionais de “logos”. De fato, em alguns casos, as principais ideias filosóficas são expressas melhor e mais cedo em outras tradições do que em muitas de suas contrapartes europeias.


O problema, historicamente, é que muitas dessas ideias e pensadores também vêm impregnados de certas crenças religiosas. A filósofos que também são monges, imãs e xamãs são negados o título de filósofo porque um delineamento é muitas vezes considerado impossível – o “Oriente” tem fé, e isso não é filosofia!



No entanto, isso também é hipócrita. Quase todos os filósofos europeus (até apenas os últimos séculos) foram quase sempre religiosos. Isso é explicitamente verdade em nomes como São Tomás de Aquino e Bispo Berkeley – ambos figuram fortemente no grande cânone filosófico. Mas também, a religião e Deus desempenham papéis importantes para outros grandes filósofos.


Deus serve para garantir a autenticidade de nossas ideias, de acordo com Descartes, e devemos acreditar em Deus se quisermos ser motivados a agir moralmente, de acordo com Kant. O agora popular Epicteto era profundamente religioso, e a ideia de um universo providencialmente ordenado é essencial para o estoicismo tradicional. Para a maioria dos maiores nomes da filosofia, sua religião ou fé desempenhou papéis importantes e centrais em sua “filosofia”. Que razões, além da tradição e do preconceito, negamos às crenças hindus, budistas ou islâmicas um papel na filosofia?


O problema da autoidentidade


A questão é que, se a filosofia é descrita de forma mais ampla como “fazer perguntas ao Universo” ou algo semelhante, não há uma maneira óbvia de diferenciar entre teologia, filosofia ou mesmo ciências. De fato, quanto mais a filosofia é definida em termos mais amplos de curiosidade e “amor à sabedoria”, menos distinta ela se torna como sua própria disciplina. A filosofia, deixada sem fronteiras e critérios, dissolve-se em subdepartamento.


O fato é que a maioria dos filósofos e escritores ocidentais, incluindo Jonny Thomson, são em sua maioria não educados em tradições filosóficas fora do modelo padrão grego para a Europa e para a América. Mas, a ignorância de uma coisa não é quer dizer que ela não exista. Como acontece com tanto preconceito ou ignorância histórica, o problema é autopropagante. Se é mais fácil ler, aprender e falar sobre os filósofos ocidentais “tradicionais”, torna-se mais fácil escrever, ensinar e criar programas sobre eles.


Mas a internet está tornando essa desculpa muito mais difícil de recorrer legitimamente. A Enciclopédia de Filosofia de Stanford tem sido, por muito tempo, uma referência para filósofos e estudantes de filosofia. Agora é muito mais diversificada e inclusiva em suas entradas. Seja como for que definamos a filosofia, o fato é que o pensamento não-ocidental é tão vasto, tão antigo e tão abrangente que será impossível negar-lhe um lugar na mesa filosófica.


Influências do pensamento oriental no Ocidente


Embora eu não seja um filósofo, não acredito que a filosofia esteja restrita ao Ocidente. Ao ampliar seus horizontes a todos os continentes a filosofia só tem a ganhar com isso. O interessante é que, mesmo sendo considerada filosofia menor ou não filosofia, o pensamento oriental influenciou muitos filósofos ocidentais, como os três grandes mestres da filosofia grega: Sócrates, Platão e Aristóteles, cujo pensamento aparece diretamente ligado com questões metafísicas, embora despida de dogmas e rituais religiosos. Sócrates e o seu daimon; Platão e o mundo das ideias; Aristóteles e o primeiro motor imóvel.



Na obra Fedro, em seu primeiro discurso, Sócrates despreza o delírio do amor dado por Eros aos amantes e recebe uma advertência do daimon,a voz interior que alerta o filósofo sobre aquilo que não deve ser feito. Na filosofia, daimon estaria associado à cultura grega arcaica em geral, ou é o que pelo menos tentará ser exposto no decorrer da análise. Segundo Darcus (1977, pp. 185-186) a palavra daimon “deriva da raiz dai-, com o significado de 'dividir' ou 'distribuir'.”


Sócrates é, assim como Eros, um “chamado”, uma “possibilidade que se abre”, uma espécie de “apelo à existência”. Tal é a função capital do daimon em seu pensamento: demarcar a insatisfação da incompletude humana.


Para Platão, a origem deste mundo é o mundo das ideias, um mundo transcendente e espiritual. Pela primeira vez no pensamento ocidental um filósofo diz que a origem de tudo pode não estar neste mundo físico. O Mito da Caverna é a mais famosa metáfora de Platão, que tenta demonstrar que este mundo é apenas uma sombra do mundo das ideias, que só pode ser atingido por meio da razão que eleva o homem à contemplação da verdadeira realidade.


O Primeiro Motor ou Motor Imóvel, do qual trata Aristóteles, é responsável pelo princípio do movimento dado na causa eficiente ou final. O Motor é o que move sem ser movido. Segundo Aristóteles, o Primeiro Motor é a causa do movimento das estrelas e das esferas celestes. Para o filósofo, o primeiro motor imóvel é o ser absolutamente perfeito, ato puro, imutável e causa primeira absoluta de todo o movimento. Sua imobilidade não decorre de incapacidade de ação, mas sim da ausência de potencialidade para sofrer qualquer alteração em seu ser. Daí, mas não necessariamente, pode-se deduzir que o Motor imóvel seja Deus.


Talvez se possa dizer que o pensamento oriental seja muito mais religião do que uma filosofia, mas daí a negar um caráter filosófico ao pensamento oriental vai uma distância profunda pois no Oriente não encontramos apenas questões de caráter religioso (ainda que vinculado a este).


Assim como a filosofia grega antiga dizia respeito ao homem e à sua relação com a sociedade, a filosofia indiana antiga também diz respeito ao homem e à sua relação com a sociedade; e assim como os insights gregos são úteis até os dias atuais, a filosofia indiana também pode contribuir muito com nossa compreensão do universo interior e exterior do indivíduo (BELUZZI, 2015, p. 101).


Filósofos gregos que tiveram contato com o Oriente


Para aqueles que defendem uma forma ortodoxa de pensar a filosofia (de que só há filosofia no ocidente), não é demais lembrar como o pensamento oriental influenciou, de alguma forma, o pensamento ocidental, e isto desde as origens da filosofia. Filósofos como Pitágoras, que viajou para Babilônia e Egito e teve uma relação muito próxima com o Oriente, sobretudo com a Índia. Demócrito, cuja doutrina atomista se assemelha a dos sábios indianos.


Sábios nus (Gimno sofistas)


Nas viagens em que Pirro de Élida (360 a.C. – 270 a.C.) fez, acompanhado de Alexandre, o Grande, ele entrou em contato com os “sábios nus” da Índia, os chamados Gimno sofistas, nome dado pelos gregos a certa filosofia indiana antiga que buscava o asceticismo ao ponto de considerar alimentos e roupas como prejudiciais à pureza de pensamento e até mesmo padres nus da Etiópia.



Plutarco (46 d.C. – 120 d.C.) faz referências aos Gimno sofistas em sua Vida de Alexandre, além disso, “Entre as primeiras referências aos Gimno sofistas na filosofia antiga, temos a denominação de ‘filósofos bárbaros’, que remonta ao historiador grego Diógenes Laércio (180 d.C. – 240 d.C.), em sua obra Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres.


Os sábios nus eram originários do pensamento jainista, tinham uma doutrina ascética e procuravam viver conforme a natureza, além de terem rompido com o sistema social de castas hindu (eram, portanto, ex-brâmanes) e com a tradição religiosa.


Foi a partir do contato com os sábios nus que Pirro inaugurou o ceticismo: sua negação de qualquer afirmação dogmática a respeito da divindade em razão da dificuldade de se definir o que seja a verdade de onde resulta o seu agnosticismo e a suspensão de juízo (epoché). Plotino é outro filósofo, agora já do período do neoplatonismo, que também sofreu a influência dos “sábios nus”.


Conhece-te a ti mesmo


O famoso conhece-te a ti mesmo, uma inscrição gravada em Delfos no templo do Deus Apolo, que tanto influenciou Sócrates, era uma forma similar de pensar a realidade que está diretamente relacionada com a visão budista. Conhece-te a ti mesmo era o caminho que o filósofo grego indicava como necessário na busca do bem e da verdade.


Escritos de Leibniz sobre a China


Considerando Gottfried Wilhelm Leibniz, como o primeiro filósofo alemão que teria escrito sobre a filosofia chinesa, Antonio Florentino Neto, doutor em filosofia pela universidade livre de Berlim, é professor colaborador do programa de doutorado em ciências sociais – área China/Brasil – da Unicamp e membro do grupo de pesquisa sobre o pensamento japonês e do grupo de estudos Brasil/China. destaca a publicação da coletânea Novíssima Sínica e o Discurso sobre a teologia natural dos chineses – este escrito em forma de carta –, como os principais escritos de Leibniz sobre a China.


A contemporaneidade por sua vez foi palco de um avanço e abertura entre as duas culturas, orientais e ocidentais, o que ampliou a possibilidade de diálogo de pensadores de ambas as tradições, como é o caso de filósofos da envergadura de um Schopenhauer ou Nietzsche. Varela, Thompson e Rosch (2003, p. 39) falam, inclusive, de um segundo renascimento na história da cultura ocidental com a redescoberta da filosofia asiática.


Características da filosofia oriental


Geralmente, a filosofia oriental vê o “eu" como uma ilusão. As religiões orientais acreditam que estamos todos interconectados e somos parte de um todo universal maior. Os hindus acreditam que o atman, ou alma humana, é uma parte de brahman, a alma de Deus. Atman é parte de brahman e, portanto, não pode ser uma entidade ou "eu" completamente separada. Os budistas acreditam que estamos todos tão interconectados que não pode haver distinções de "eu" entre nós, e o “eu" é, em última análise, uma ilusão.


A filosofia oriental acredita que "o eu", composto pela identidade pessoal, consciência e filosofias centrais de cada pessoa, é uma ilusão. Eles negam a existência da entidade independente do eu que os ocidentais postulam que exista.


Muitas correntes orientais dão uma atenção especial à meditação como ponto de inspiração para construir uma realidade pessoal de otimismo e bem-estar. Portanto, é uma filosofia da interioridade que atualmente desperta grande curiosidade no Ocidente, onde o estilo de vida marcado pela pressa e pelo estresse mostra uma tendência que se opõe a essa busca de calma e serenidade.



Budismo, confucionismo, taoísmo e hinduísmo


Um dos pensadores especialistas em filosofia oriental é Confúcio. O centro do pensamento de Confúcio, por exemplo, é trabalhar diretamente como um eixo essencial da felicidade. Por meio do seu pensamento ele convida o ser humano a praticar a virtude como forma de aperfeiçoamento constante.


O pensamento de Confúcio está conectado ao valor da felicidade como uma busca pessoal que todo ser humano inicia com autonomia e independência. Ele aconselha que cada pessoa deposite grandes expectativas em si mesma e que não coloque nos outros, deste modo, potencializa a liberdade de não se frustrar ao esperar algo que não pode ser cumprido.


Já o conceito Tao se refere ao acerto de fazer o bem por meio da bondade. O confucionismo é a escola filosófica de maior história na cultura chinesa. O nome desta corrente está associado ao seu autor. Confúcio nasceu no século VI a.C, no estado de Lu.


O taoismo, também chamado daoismo e tauismo, é uma tradição filosófica e religiosa originária do Leste Asiático que enfatiza a vida em harmonia com o Tao. O termo chinês "tao" significa "caminho", "via" ou "princípio", também pode ser encontrado em outras filosofias e religiões chinesas.


O hinduísmo é a religião oficial da Índia e uma das mais antigas tradições religiosas que se encontra registro histórico. É a terceira maior religião do mundo, perdendo em número de seguidores apenas para o cristianismo e o islamismo. É uma das primeiras religiões a ter como fundamento a crença na reencarnação e no carma, bem como na lei de ação e reação --que milhares de anos depois, no século 19, seria encampada pelo espiritismo (só que, esta, uma religião "positivista"). Para os hindus, tudo reencarna.


Da mesma forma temos no budismo uma doutrina de crescimento espiritual que inclui a prática da concentração e da meditação. Ao desenvolver uma prática meditativa de observar nossos comportamentos, pensamentos e sentimentos realizamos um verdadeiro trabalho de autoconhecimento, tão necessário ao caminho de autotranscedência e iluminação.


Na próxima postagem iniciaremos os estudos sobre essas escolas filosóficas do Oriente.


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