top of page
  • campusaraujo

Nagarjuna –  Budismo Mahayana, Vazio, Caminho do Meio e Duas Verdades 


Nagarjuna, filósofo budista indiano do século II d.C., é amplamente reconhecido como o maior pensador posterior ao Buda. Ele foi fundamental na fundação da Escola Madhyamika, um pilar do pensamento budista Mahayana. Versos Fundamentais do Caminho do Meio (Mula-Madhyamaka-karaka) é sua obra mais importante e essencial na literatura budista, pois analisa profundamente a doutrina do vazio (Shunyata).

 

Nagarjuna é frequentemente associado à serpente Naga, a qual simboliza sua ligação com os aspectos místicos da tradição budista. Sua mudança de uma família brâmane para a vida monástica como monge budista, em Nalanda, reflete uma intensa busca espiritual e significativas contribuições filosóficas.

 

Sua obra Versos Fundamentais do Caminho do Meio é central nos estudos budistas e inspirou inúmeros comentários em várias línguas asiáticas. No início, sua filosofia foi mal interpretada e considerada niilista. Posteriormente foi reconhecida por estudiosos como sofisticada e comparável às ideias de pensadores europeus.


Contexto Histórico

 

A Índia, nos séculos I e II d.C. foi politicamente dividida em vários estados, incluindo o Império Kushan e o Reino Satavahana. Naquele momento, a comunidade budista já estava dividida em várias escolas e espalhada por toda a Índia. Também existia um pequeno e nascente movimento Mahayana. As ideias Mahayana eram defendidas por uma minoria de budistas daquela época. Como escreve Joseph Walser, "O Mahayana antes do século V era, em grande parte, invisível. Provavelmente existia apenas como um movimento minoritário e amplamente não reconhecido dentro do rebanho do Budismo Nikaya."

 

Joseph Walser é um acadêmico especializado em estudos religiosos, com foco particular no Budismo Mahayana e em Nagarjuna. Ele é professor associado no Departamento de Religião na Universidade Tufts. Walser é conhecido por suas contribuições significativas para a compreensão do Budismo Mahayana e do contexto histórico e cultural no qual esta tradição se desenvolveu.



 Nagarjuna e a Origem da Lógica

 

Quando se pensa em Aristóteles ou Parmênides se menciona a lógica, creditando a paternidade da disciplina aos pensadores europeus e seus discípulos. Menos conhecido é o desenvolvimento da lógica na Índia, onde os "torneios" dialéticos eram comuns, embora pouco se saiba sobre seu contexto exato – religioso, político, intelectual ou recreativo.

 

Ascetas e estudiosos se espalharam pelo subcontinente indiano, com reuniões frequentemente patrocinadas por príncipes e soberanos. Entre os mais famosos estava o filósofo Gargi Vachaknavi, cujos debates ocorreram enquanto Homero, na Grécia, mal havia composto a Ilíada. Esses encontros alimentaram o desenvolvimento da dialética, da oratória e da lógica durantes séculos.

 

Esses debates transformaram a dialética e a oratória em exibições de beleza e temperança, levando ao surgimento de várias escolas que estudavam a realidade por meio da palavra, considerada sagrada. Influenciado por esse rico ambiente filosófico. Nagarjuna demonstrou a ideia indiana de que pensamento e ação devem estar unidos. Como budista, ele acreditava que sua vida sob os preceitos de Gautama Buda deveria enriquecer sua reflexão filosófica, integrando pensamento e prática espiritual.

 

Vida de Nagarjuna

 

Nagarjuna viveu entre os séculos I e III d.C., mas sua vida é historicamente incerta. Hagiografias chinesas e tibetanas, escritas séculos depois, são suas principais fontes biográficas, mas não são verificáveis. Joseph Walser sugere que Nagarjuna pode ter sido conselheiro de um rei da dinastia Sātavāhana, talvez Yajña Śrī Śātakarṇi, no século II, com base em evidências de Amaravati.

 

Hagiografia é o estudo ou a escrita sobre a vida dos santos e figuras religiosas veneradas, com o objetivo de celebrar suas virtudes, milagres e obras em prol da fé. Tradicionalmente, essas narrativas são usadas para inspirar e edificar os fiéis, destacando o exemplo moral e espiritual dos santos.

 

Walser propõe que Nagarjuna escreveu o "Ratnavali" em um mosteiro onde os Mahayanistas eram minoria, possivelmente afiliado às subescolas Mahāsāṃghika. Ele sugere que Nagarjuna viveu e escreveu na região de Andhra, perto de Dhanyakataka (atual Amaravati), no final do século II. Fundador da tradição budista Madhyamaka, Nagarjuna é venerado como um segundo Buda.



 De acordo com a tradição, os pais de Nagarjuna conceberam-no após honrar cem brâmanes, seguindo um sonho divino. Previsto para viver apenas sete anos, ele foi enviado para Nalanda, onde teve uma visão de Alokiteshvara. Aos sete anos, iniciou sua vida monástica em Nalanda, adotando o nome "Shrimanta" após recitar o mantra Amitaba e ter sua vida  prolongada.


Dedicou-se então ao estudo do Budismo, convertendo muitos oponentes e, eventualmente, tornando-se abade do mosteiro. Abade é o superior de um mosteiro de monges em certas tradições cristãs, especialmente na Igreja Católica Romana, mas também em algumas igrejas ortodoxas e anglicanas. A função de um abade é semelhante à de um pai espiritual, responsável por  guiar os monges em sua vida religiosa e comunitária.

 

Com a ajuda dos Nâgâ, ele completou a construção de um milhão de santuários. Um fato notável foi a cura de Mukhilinda, rei dos Nâgâ, que lhe recompensou com o livro Prajñâpâramitâ. Conhecido por sua vida lendária de seiscentos anos, Mukhilinda forneceu um elixir de longevidade ao rei Atîvâhana e sobreviveu a uma tentativa de assassinato por um príncipe, aceitando as consequências cármicas.

 

Autor de cerca de 180 obras, incluindo "Prajñâpâramitâ" e "Mûlamâdhyamakakârika", Nagarjuna formulou o Caminho do Meio, destacando a vacuidade de todos os fenômenos e negando uma realidade absoluta. Introduziu a alquimia nas práticas budistas, o que influenciou  profundamente o Budismo Mahayana, na Índia e na China.

 

Em Nalanda, Nagarjuna estudou sutra e tantra com Ratnamati, uma emanação de Manjushri, e com Saraha, especialmente o Guhyasamja Tantra. Ele também aprendeu alquimia com um brâmane, dominando a arte de transmutar ferro em ouro para sustentar os monges durante a fome. Nagarjuna e Asangha foram pioneiros do Mahayana. Ele impôs disciplina monástica rigorosa, além de vencer debates contra não-budistas.

 

Dois jovens, emanações dos filhos do rei Naga, chegaram a Nalanda trazendo fragrância natural de sândalo. Nagarjuna descobriu a identidade deles e pediu-lhes perfume para uma estátua de Tara e ajuda na construção de templos. Eles concordaram, mas com a condição de que Nagarjuna fosse ensiná-los no reino do fundo do mar. Lá, ele fez oferendas e deu ensinamentos aos Nagas.

 

Durante uma aula sobre Prajnaparamita, seis Nagas protegeram Nagarjuna do sol, formando uma sombrinha sobre sua cabeça. Por este evento, ele foi chamado de Nagarjuna, significando "Naga" devido à sua relação com os Nagas, e "Arjuna" pela sua habilidade direta em ensinar o Dharma, como as flechas do herói Arjuna do Bhagavad Gita.

 

Escola Madhyamaka


A Escola Madhyamaka, também conhecida como o Caminho do Meio, foi fundada por Nagarjuna no século II d.C. Ela se tornou uma das mais influentes escolas filosóficas do Budismo Mahayana. Os ensinamentos de Nagarjuna baseiam-se na doutrina da vacuidade (Sūnyata), que afirma que todos os fenômenos são vazios de uma existência inerente ou independente.



Princípios Básicos da Madhyamaka

 

Vacuidade (Śūnyatā) - a doutrina central da Madhyamaka é que todos os fenômenos são vazios de uma essência inerente. Isso não significa que os fenômenos não existam, mas que eles não têm uma natureza independente. Eles surgem em dependência de causas e condições.

 

Caminho do Meio - a Madhyamaka evita os extremos do eternalismo (a crença em uma existência permanente e independente) e do niilismo (a crença de que nada existe de forma alguma). O Caminho do Meio ensina que os fenômenos existem de maneira dependente, sem uma essência própria.

 

Dois Níveis de Verdade - Nagarjuna ensinou a distinção entre a verdade relativa (ou convencional) e a verdade absoluta (ou última). A verdade relativa refere-se ao modo como os fenômenos aparecem no mundo cotidiano, enquanto a verdade absoluta refere-se à sua vacuidade inerente.

 

Prática da Sabedoria (Prajna) - a compreensão da vacuidade é alcançada por meio da prática da sabedoria, uma das perfeições (Paramitas) no Budismo Mahayana. A meditação e a reflexão sobre a interdependência e a vacuidade são essenciais para esta prática.

 

Refutação dos Extremismos - a abordagem filosófica da Madhyamaka frequentemente envolve a refutação de pontos de vista extremos e essencialistas, utilizando uma metodologia dialética para demonstrar a vacuidade de todos os conceitos.



 

A Filosofia de Nagarjuna


No primeiro sermão de Buda, ele propôs um "caminho intermediário" entre a autoindulgência e a automortificação. Nagarjuna expandiu essa ideia filosoficamente, identificando um meio-termo entre existência e inexistência, ou entre permanência e aniquilação.


Ele acreditava que a ignorância, origem do sofrimento, está na crença em Svabhava, ou "existência intrínseca", que sustenta a autonomia e a permanência das coisas. Negar completamente a existência é igualmente errado. Para Nagarjuna, a realidade é o vazio, não a ausência de existência, mas a ausência de existência intrínseca.


Vamos por partes. Intrínseco se refere a algo que é essencial e inerente à natureza de um objeto ou ser, ou seja, uma qualidade ou característica que pertence de forma natural e inseparável a algo ou alguém. Em outras palavras, é aquilo que faz parte da essência própria e fundamental de algo e que não depende de fatores externos.


Por exemplo: valor intrínseco é o valor que algo possui por si mesmo, independentemente de circunstâncias externas. Qualidades intrínsecas são características que fazem parte integrante da natureza de uma coisa ou pessoa, como a honestidade que é uma qualidade intrínseca de uma pessoa honesta. Quando Nagarjuna argumenta que nada possui existência intrínseca, ele quer dizer que nada tem uma essência fixa e independente por si mesmo. Tudo é interdependente e condicionado por outras coisas.


No Mulamadhyamakakarika, Nagarjuna analisou temas como o Buda, as Quatro Nobres Verdades e o Nirvana, mostrando que nenhum possui autonomia ou independência. Ele demonstrou que as formas de existência propostas são insustentáveis. Por exemplo, um efeito não pode ser produzido por si mesmo, por algo diferente, simultaneamente igual e diferente, ou por algo nem igual nem diferente de si mesmo, pois todas essas possibilidades são absurdas.


Segundo os sutras Prajnaparamita, todos os fenômenos são Anutpada (“não produzidos”). O objetivo era destruir os Vikalpas (“equívocos”) e abandonar todas as visões filosóficas (drishti). Anutpada é um termo sânscrito que significa "não surgimento" ou "não produção". No contexto da filosofia budista, especialmente na tradição Madhyamaka de Nagarjuna, Anutpada refere-se à ideia de que os fenômenos não surgem de maneira intrínseca e independente.


Nagarjuna utiliza o conceito de Anutpada para refutar as noções de surgimento intrínseco, afirmando que nada realmente surge ou é produzido de forma independente. Em vez disso, todos os fenômenos dependem de causas e condições para sua existência, o que implica que eles não têm uma essência fixa e independente.


No capítulo sobre o movimento, Nagarjuna questiona se o "ir" pode ser encontrado no caminho já percorrido, no caminho sendo percorrido ou no caminho a seguir. Ele conclui que "ir" está ausente em todos esses lugares, o que revela o vazio do movimento. Ele não nega o movimento, e sim que ele não existe como geralmente concebido.



Nagarjuna definiu o vazio usando a doutrina de Pratitya-Samutpada (“origem dependente”), que afirma que as coisas surgem dependendo de causas e condições, evitando a acusação de niilismo. Ele emprega as duas verdades: paramartha satya (“verdade última”) e samvriti satya (“verdade convencional”). Tudo é vazio de natureza intrínseca, mas existe convencionalmente. O convencional é necessário para compreender o último, e o último torna o convencional possível. Como ele escreveu: “Para quem o vazio é possível, tudo é possível”.

 

O Conceito de Sunyata


O principal foco de Nagarjuna é o conceito de Sunyata ("vazio"), que integra doutrinas budistas como Anatman ("não-eu") e Pratityasamutpada ("origem dependente") para refutar a metafísica contemporânea. Para Nagarjuna, assim como para o Buda, não apenas seres sencientes são "não-substanciais", mas todos os fenômenos (Dhammas) são desprovidos de "natureza própria" ou "existência inerente" (Svabhava), portanto, sem essência subjacente. Eles não existem independentemente, mas surgem de forma dependente, baseando-se em condições que levam à sua existência.


Seres sencientes são aqueles que possuem a capacidade de sentir, perceber e experimentar sensações e emoções. São seres que têm consciência e podem experimentar sofrimento, prazer, dor, alegria, medo e outras experiências sensoriais e emocionais. O termo é frequentemente usado em contextos filosóficos, religiosos e éticos para distinguir seres que têm experiências conscientes daqueles que não as têm.


Características de Seres Sencientes


Consciência – possuem algum nível de consciência, que lhes permite perceber o ambiente ao seu redor e reagir a ele.

 

Capacidade de Sentir – podem experimentar uma gama de sensações físicas e emocionais, como dor, prazer, fome, sede, felicidade e tristeza.

 

Autopercepção – muitos desses seres têm algum grau de autopercepção, o que significa que eles não apenas percebem o mundo externo, como também têm uma compreensão de si mesmos como entidades separadas.


Importância do Conceito


Ética e Direitos dos Animais – a noção de senciência é central nas discussões sobre ética animal e direitos dos animais. Se os animais são capazes de sofrer, temos a obrigação moral de tratá-los com compaixão e respeito, evitando causar-lhes sofrimentos desnecessários.


Filosofia e Religião – em várias tradições filosóficas e religiosas, os seres sencientes são considerados dignos de consideração moral especial. No budismo, por exemplo, há um forte foco em reduzir o sofrimento de todos os seres sencientes.


Políticas de Bem-Estar – leis e regulamentos sobre o tratamento de animais em áreas como a agricultura, pesquisa científica e entretenimento muitas vezes levam em consideração a capacidade dos animais de experimentar sofrimento.



Exemplos de Sunyata


Fenômenos Materiais – uma  mesa é considerada vazia de existência intrínseca porque sua existência depende de vários fatores como: a madeira, o trabalho do carpinteiro, o espaço em que está localizada, etc. Ela não possui uma essência própria que a defina independentemente desses fatores.


Fenômenos Mentais – sentimentos e pensamentos também são vazios de existência intrínseca. Eles surgem em dependência de várias condições, como experiências passadas, estímulos externos e estados mentais presentes.


Compreender a vacuidade transforma a maneira como se percebe a realidade. Ao reconhecer que tudo é interdependente e vazio de essência fixa, pode-se desenvolver uma atitude mais flexível, compassiva e sábia em relação ao mundo e às experiências de vida. Isso contribui para a redução do sofrimento e para a progressão no caminho budista rumo à iluminação.


O capítulo 24, versículo 14 do Mūlamadhyamakakārikā fornece uma das citações mais famosas de Sunyata:


Tudo é possível quando o vazio é possível. Nada é possível quando o vazio é impossível.


Como parte de sua análise do vazio dos fenômenos no Mūlamadhyamakakārikā, Nagarjuna critica Svabhāva em vários conceitos diferentes. Ele discute os problemas de postular qualquer tipo de essência inerente à causalidade, ao movimento, à mudança e à identidade pessoal. Nagarjuna faz uso da ferramenta lógica indiana do tetralema para atacar quaisquer concepções essencialistas.


A análise lógica de Nagarjuna é baseada em quatro proposições básicas:

Todas as coisas (dharma) existem: afirmação do ser, negação do não-ser.

Todas as coisas (dharma) não existem: afirmação do não-ser, negação do ser

Todas as coisas (dharma) existem e não existem: tanto afirmação quanto negação

Todas as coisas (dharma) não existem nem não existem: nem afirmação nem negação.


Nagarjuna nega qualquer fundamento ontológico ao afirmar que todas as coisas são "vazias", sendo visto como um não fundacionalista ontológico ou antirrealista metafísico. A compreensão da vacuidade dos fenômenos é um meio para alcançar o Nirvana, tornando seu projeto filosófico essencialmente soteriológico, refere-se ao estudo da soteriologia (uma parte da teologia cristã dedicada à salvação). Ele visa corrigir nossos processos cognitivos diários que erroneamente atribuem Svabhava ao fluxo da experiência.



Importância da Soteriologia


Teológica e Filosófica – oferece uma estrutura para entender a relação entre o humano e o divino, e o propósito último da vida.


Prática Religiosa – orienta práticas e comportamentos que são considerados necessários ou úteis para alcançar a salvação.


Ética e Moralidade – influencia sistemas éticos e morais ao definir o que é considerado comportamento virtuoso ou pecaminoso.


Embora estudiosos como Fyodor Shcherbatskoy e T.R.V. Murti considerem Nagarjuna o inventor da doutrina do vazio (Sunyata), pesquisas recentes feitas por Choong Mun-keat, Yin Shun e Dhammajothi Thero sugerem que ele não criou essa teoria. Segundo Shi Huifeng, a conexão entre o vazio e a origem dependente já existia antes de Nagarjuna.


Doutrina das Duas Verdades


Nagarjuna foi fundamental no desenvolvimento da doutrina das duas verdades, que distingue a verdade última (Paramārtha Satya) da verdade convencional (Saṃvṛtisatya) no budismo. Para Nagarjuna, a verdade última é que tudo é vazio de essência, incluindo o próprio vazio. Alguns, como Murti, interpretaram isso como uma visão neokantiana, tratando a verdade última como um número metafísico. No entanto, outros, como Mark Siderits e Jay L. Garfield, argumentam que "a verdade última é que não existe uma verdade última" e que Nagarjuna é um "antidualista semântico", postulando apenas verdades convencionais.


Garfield explica que ao analisar uma entidade convencional, como uma mesa, descobrimos que ela não existe separada de suas partes, demonstrando seu vazio. Esse vazio revela que não há existência inerente; vê-la como vazia é entendê-la como dependente e convencional.


Nagarjuna articulou essa noção no Mūlamadhyamakakārikā, baseando-se no antigo Kaccānagotta Sutta, que distingue o significado definitivo (Nitartha) do significado interpretável (Neyartha). Esse sutra afirma que o mundo é sustentado pela polaridade da existência e inexistência. Com discernimento correto, não se vê o mundo como existente ou inexistente, mas como algo que surge e cessa dependendo das condições.


A doutrina de Nagarjuna enfatiza que não devemos nos apegar a extremos de existência ou inexistência, mas entender que todos os fenômenos surgem de maneira dependente, sem uma essência própria. Isso reforça o entendimento correto e evita a fixação em visões extremas, alinhando-se com os ensinamentos do Buda.

 

Causalidade, para Nagarjuna


Para Nagarjuna, a causalidade é um conceito central que se interliga profundamente com suas ideias de vacuidade (Sunyata) e interdependência (Pratītyasamutpāda). Ele oferece uma visão inovadora da causalidade, que difere das noções tradicionais de causa e efeito como entidades intrinsecamente existentes.


A causalidade não é uma relação simples e direta entre entidades independentes, mas uma complexa rede de interdependências onde todos os fenômenos surgem em relação uns aos outros e são vazios de essência intrínseca. Essa visão de causalidade como dependente e vazia é fundamental para sua filosofia e prática budista, pois ajuda a desconstruir as ilusões que levam ao sofrimento e promove a realização da verdadeira natureza da realidade.


Nagarjuna também ensinou a relatividade, como exemplificado no Ratnavali, argumentando que conceitos como "curto" e "longo" existem apenas em relação um ao outro, não por uma natureza intrínseca (Svabhava). Essa ideia ressoa com ensinamentos nos Nikayas Pali e nos Agamas chineses, que explicam que elementos como luz, bem e espaço são entendidos em relação a seus opostos, como escuridão, mal e forma.


Esses ensinamentos relativos e a crítica à visão reificada da causalidade destacam a abordagem de Nagarjuna como uma crítica profunda à metafísica convencional e uma exploração da natureza da realidade como interdependente e vazia de essência intrínseca.


Hinduismo


Influenciado por várias tradições filosóficas, incluindo Samkhya e Vaiseshika hindus, Nagarjuna, criticou a teoria Nyaya de Pramanas em suas obras. Ele demonstrou familiaridade tanto com as filosofias Sravaka quanto com a tradição Mahayana, embora sua afiliação específica a um Nikaya seja incerta. Nagarjuna pode ter buscado uma exegese consistente dos ensinamentos do Buda nos Agamas, destacando-o como sucessor de Moggaliputta-Tissa e defensor do Caminho do Meio original do Buda.


Exegese é o processo de interpretação e explicação detalhada de um texto, especialmente textos religiosos, como as escrituras sagradas. Significa "explicação" ou "interpretação". A exegese é usada para esclarecer o significado de um texto, considerando seu contexto histórico, cultural, linguístico e literário. É uma prática essencial para a interpretação e compreensão profunda de textos, especialmente religiosos. Ajuda a revelar significados que podem não ser imediatamente evidentes e a aplicar esses significados de maneira relevante e precisa.


Além disso, Nagarjuna foi comparado ao pirronismo devido à sua abordagem cética, semelhante à de Sextus Empiricus. Christopher I. Beckwith argumenta que termos gregos de Pirro refletem conceitos budistas, indicando uma conexão entre o ceticismo grego e a filosofia indiana. Embora essa influência seja debatida, a conexão entre o ceticismo de Pirro e os ensinamentos budistas sugere um intercâmbio filosófico entre o Ocidente e o Oriente na Antiguidade.

 

Pirro de Élis é uma figura central no desenvolvimento do ceticismo filosófico. Sua filosofia enfatiza a suspensão do julgamento e a busca pela tranquilidade mental por meio da dúvida contínua e da renúncia a qualquer certeza absoluta. Sua influência perdura na história da filosofia, moldando discussões sobre conhecimento, crença e dúvida.


  

Principais Obras

 

Nagarjuna é conhecido por suas obras sobre o vazio e sua defesa dos Sutras Mahayana. Ele influenciou profundamente o budismo como autor e abade, criticou escolas não-budistas e promoveu o caminho do Bodhisattva. Seus escritos estabeleceram um sistema filosófico acessível e foram fundamentais para a compreensão de conceitos complexos na tradição Mahayana.

 

Versos Fundamentais do Caminho do Meio (Mūlamadhyamakakārikā) – obra mais importante de Nagarjuna. Nela, ele expõe a doutrina da vacuidade e do Caminho do Meio com uma uma série de versos que desafiam as concepções errôneas sobre a existência. Afirma a vacuidade (Sunyata) e a cooriginação dependente (Pratityasamutpada) e desta a interdependência entre Nirvana e Samsara. Critica conceitos centrais como tempo, eu, movimento e sofrimento que influenciam profundamente o budismo Mahayana e o desenvolvimento do Zen-budismo na China, Japão e Coreia.

 

Dissolução das ControvérsiasNagarjuna enfrenta críticas à sua doutrina da vacuidade, especialmente de um adversário realista da escola Nyaya. Esse crítico sugere que negar a existência intrínseca compromete os critérios de verdade e pode levar ao niilismo. Nagarjuna responde que a vacuidade revela a natureza relacional e interdependente dos fenômenos, não sendo uma metafísica. Ele argumenta que a vacuidade não nega, mas desafia a visão absoluta das coisas, demonstrando que a posição realista é ilógica e insustentável para uma argumentação densa e sofisticada.

 

Vigrahavyāvartanī (Refutação das Objeções) – nesta obra, Nagarjuna responde a críticas e objeções à sua filosofia, esclarecendo mal-entendidos sobre a vacuidade.

 

Ratnāvalī (A Jóia Preciosa) – é uma carta de conselhos a um rei, onde Nagarjuna aplica os princípios da vacuidade e do Caminho do Meio à vida cotidiana e à ética governamental.

 

A influência dos escritos de Nagarjuna

 

A Escola Madhyamaka teve uma profunda influência no desenvolvimento do Budismo Mahayana, especialmente no Tibete, onde se tornou a base da maioria das tradições filosóficas tibetanas. Seus ensinamentos sobre a vacuidade são fundamentais para a prática e a realização do caminho budista. Os escritos de Nagarjuna, especialmente o Mula-Madhyamaka-karika, exploram temas como a natureza da realidade, o vazio e a interdependência dos fenômenos, com rigor lógico e profundidade espiritual. Seu impacto perdura, influenciando líderes budistas como o Dalai Lama e moldando a filosofia e prática budista no Tibete, China, Coreia, Japão e além.

 

A influência de Nagarjuna vai além da Escola Madhyamaka. Seus ensinamentos sobre Sunyata e a natureza da realidade impactaram profundamente várias tradições e práticas budistas, como o Zen Budismo e o Budismo Tibetano. Seus conhecimentos filosóficos foram fundamentais para moldar a compreensão dos principais conceitos budistas, como as Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho Óctuplo.


Esses conhecimentos fornecem uma interpretação e aplicação mais matizada desses ensinamentos no contexto do Budismo Mahayana. O legado de Nagarjuna inspira budistas e estudiosos em todo o mundo e oferece um caminho para uma compreensão mais profunda e realização espiritual. Seus ensinamentos sobre o vazio foram fundamentais no desenvolvimento de técnicas de meditação budista e no cultivo da sabedoria e da compaixão na prática budista.

 

Legado

 

Nagarjuna influenciou profundamente o Budismo na Ásia, incluindo China e Tibete, por mais de mil anos. Seus ensinamentos transcendem o Budismo, impactando o Zen, Jainismo e Taoísmo. Definiu duas verdades: convencional e última (vazio). No Ocidente, influenciou Pirro de Elis, promovendo o ceticismo após a campanha de Alexandre na Índia. Suas obras como Versículos Fundamentais do Caminho do Meio exploram lógica, epistemologia, espiritualidade e ontologia. Reflete sua visão profunda da realidade e interdependência dos fenômenos. Nagarjuna é um dos pensadores mais relevantes do Oriente, com um legado duradouro.


֎


Gostou desta publicação? Tem alguma sugestão ou crítica? Escreva seu comentário abaixo e, se quiser, você pode compartilhá-lo. Tudo isso me ajuda muito no meu trabalho.


Links usados ​​e sugeridos


 





14 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page