Elza Soares -A rebelião em forma de música
- Paulo Pereira de Araujo
- 10 de jun.
- 2 min de leitura
Atualizado: 11 de jun.

Entre a fresta e o furacão
Elza Soares era um trovão que cantava. Uma voz rasgada de dor e desejo, sobrevivente de todas as ruínas. Nasceu em 1930, no subúrbio do Rio, casou-se aos 12, foi mãe aos 13 e viúva aos 21. Já na adolescência, a vida tentou interromper a sua voz, mas ela aprendeu a cantar com a garganta rasgada, por fome, por luto, por raiva. Apareceu num programa de calouros dizendo que vinha “do planeta fome”, e dali em diante nunca mais saiu do palco.
Cantava samba como quem grita resistência. Era negra, pobre e mulher num país que preferia a mulher branca, dócil e calada. Mas Elza foi terremoto. Reinventou-se mil vezes: da sambista clássica dos anos 1960 à deusa eletrificada da virada do milênio. Sua voz ficou ainda mais potente com o tempo, áspera como um rio cheio de pedras. Em A Mulher do Fim do Mundo, já nos seus 80 anos, cantava como se estivesse pondo fogo no mundo inteiro.
Foi companheira de Garrincha, e com ele também foi tempestade. Viu e sentiu o Brasil aplaudir o jogador e apedrejar a mulher que ele escolheu. Sofreu violência, perdeu filhos, perdeu a casa, e seguiu cantando. Quando todos achavam que ela era passado, virou presente brutal. Sua música nos lembrou que a arte não é enfeite: é faca e flor.
Elza não pedia licença. Cantava racismo, feminicídio, ditadura, favela, aborto. Era corpo e política. A Senhora Derradeira a abraçou em 2022, no mesmo dia e mês em que ela nasceu, 23 de janeiro, como se fechasse o ciclo com precisão poética. Elza Soares não foi uma cantora. Foi uma revolução com batom vermelho. Voz de quem, depois de tudo, ainda gritava: eu quero cantar até o fim, me deixem cantar até o fim. E cantou ֎
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