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Hinduísmo - Parte 1

Atualizado: 2 de fev.

Na postagem Livros sagrados da Índia, apresentamos uma visão geral da literatura indiana. Agora vamos tratar de diversos temas filosóficos relacionados ao hinduísmo.


A filosofia hindu é a tradição filosófica mais antiga na Índia, manifestada em vários períodos históricos. O primeiro, por volta de 700 a.C., foi o Período Protofilosófico, quando surgiram as teorias do karma e da libertação, e as listas ontológicas protocientíficas nos Upaniṣads foram compiladas.


Também grafados Upanixades, Upanissades e Upanichades, são parte das escrituras shruti hindus, que discutem religião e que são consideradas pela maioria das escolas do hinduísmo como instruções religiosas. Não há uma tradução clara desse termo, mas é usado para designar alguém que se senta perto de um professor para ouvi-lo.


O Oceano Lácteo, atribuído ao “Mestre Durga”, cerca de 1780–90 d.C., do Museu Mehrangarh. Vishnu deitado nas águas cósmicas sonhando com a existência do mundo. Fonte: The Human Journey.


Na filosofia da ciência, a protociência é um campo de pesquisa que possui características de uma ciência não desenvolvida que pode acabar se tornando uma ciência estabelecida. Os filósofos usam a protociência para compreender a história da ciência e para distingui-la da pseudociência. As raízes das palavras proto- + ciência indicam primeira ciência.


Em seguida veio o Período Clássico, durante o primeiro milênio depois de Cristo com o constante intercâmbio filosófico entre diferentes escolas hindus, budistas e jainistas. Algumas escolas, como Sāṅkhya, Yoga e Vaiśeṣika, caíram no esquecimento e outras surgiram, como o Saivismo da Caxemira.


Após o Período Clássico, apenas duas ou três escolas permaneceram ativas. As perturbações políticas e econômicas causadas pelas repetidas invasões muçulmanas dificultaram o crescimento intelectual. Sobreviveram a Escola Lógica (Nyāya), especialmente a Nova Lógica (Navya-Nyāya), os Gramáticos e, sobretudo, as escolas Vedānta.


Segundo Dilipi Luondo, Doutor em Filosofia Indiana pela Universidade de Mumbai (Índia) e Coordenador do Núcleo de Estudos em Religiões e Filosofias da Índia (NERFI-CNPq.), “não existe uma religião hindu mas os termos que designam as religiosidades que nós chamamos como são incluídas dentro de um quadro geral amplo chamado hinduísmo são extremamente diversas e plurais e quando você se dirige a essas práticas religiosas nos contextos locais por meio das línguas vernáculas as designações são diferentes. A palavra hinduísmo foi, de alguma forma, imposta a essa civilização. Hoje, isso não é um problema, mas é importante notar que o hinduísmo, se tomarmos como referência os critérios definidores de religiões, não é religião.


O pensamento filosófico na Índia começou a se formar durante o primeiro milênio a.C. com o aparecimento dos Upaniṣads e o desenvolvimento de diferentes escolas filosóficas. No pensamento indiano não é fácil distinguir entre filosofia e teologia como dois ramos independentes do conhecimento. Ambos caminham juntos como partes integrantes de cada sistema filosófico ou escola nascidos em solo indiano.


Os hindus viam a morte como a passagem do próprio espírito para outro novo ser, reencarnado numa série contínua de nascimentos, mortes e renascimentos. O karma era como uma lei física – tudo o que acontece é consequência da própria escolha e comportamento. Cresceu então a compreensão de que as pessoas estão em diferentes estágios de sua jornada espiritual e que as práticas de uma pessoa podem não ser apropriadas a outras.


Temas centrais do hinduísmo


As preocupações centrais dos filósofos hindus eram metafísica, questões epistemológicas e filosofia moral. As diferentes escolas podem ser distinguidas pelas suas diferentes abordagens da realidade. Todas acreditavam na existência de um “eu” individual permanente (ātman). Eles partilhavam com os seus oponentes, budistas e jainistas, a crença na necessidade de libertação e usavam ferramentas epistêmicas e métodos de argumentação semelhantes.


A epistemologia, em sentido estrito, refere-se ao ramo da filosofia que se ocupa do conhecimento científico. É o estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências, com a finalidade de determinar seus fundamentos lógicos, seu valor e sua importância objetiva.


Arianos de língua sânscrita


A maioria dos estudiosos acredita que durante o segundo milênio a.C., os arianos de língua sânscrita migraram gradualmente para o sul das estepes da Ásia Central, através das terras do atual Afeganistão, onde encontraram os restos da mais antiga civilização Indus-Sarasvati, e se infiltraram no Subcontinente indiano por volta de 1500 a.C.


Sarasvati é a deusa hindu da sabedoria, das artes e da música e a Shákti, a representação do divino feminino, também conhecida como A Grande Mãe Divina. Essa força feminina é responsável pelo equilíbrio de todo o universo e está ligada à energia feminina, existente em todos os deuses hindus. Shakti é o retrato do poder feminino, fertilidade, criatividade e comunicação. Indissociável a ela, está o princípio masculino, Shiva, que representa a consciência universal, o racional.


Também é o nome de um rio extinto da Índia, do Vale do Rio Indo, onde se desenvolveu a civilização Sarasvati-Sindhu, por volta de 3000 a.C. Por causa de mudanças geológicas, esse rio secou em torno de 2000 a.C. e foi redescoberto por satélite no fim do século XX. A sua redescoberta levou a uma reinterpretação do desaparecimento da civilização que existia nessa região. Anteriormente, supunha-se que ela havia sido destruída por causa de uma suposta invasão dos arianos; atualmente, acredita-se que a mudança climática local, que transformou a região em um deserto, foi a causa do declínio dessa civilização. (Wikipedia).


O termo ariano ou árico, em referência a um grupo étnico, tem vários significados. Diz respeito, mais especificamente, ao subgrupo dos indo-europeus, que se estabeleceu no planalto iraniano desde o final do terceiro milénio a.C.. Por extensão, a designação arianos (não o termo "árias") era relacionada a vários povos originários das estepes da Ásia Central, os indo-europeus, que se espalharam pela Europa e pelas regiões já referidas, a partir do final do Neolítico. O nome ariano vem do sânscrito arya, que significa nobre.


Por volta de 1000 a.C., os arianos tornaram-se agricultores e tiveram contato com povos não-arianos ao se estabelecerem nas cidades. Com o aumento do seu número ao longo dos quatro séculos seguintes, apareceram comerciantes, mercadores, proprietários arianos e agiotas. Eles comercializaram com a Arábia, com o império dos assírios, e mais tarde com a China, com a Península Malaia e com as ilhas do que hoje são a Indonésia e as Filipinas. Por volta de 600 a.C., foram formadas numerosas cidades no norte da Índia, com fortificações, fossos e muralhas.


Ao longo do rio Ganges, apareceram dezesseis reinos diferentes. Essa expansão dos indo-arianos nas planícies do Ganges trouxe consigo mudanças de pensamento, diversidade de opiniões e questionamentos.


À medida que as pessoas se desinteressavam da rotina religiosa e do sacrifício ritual, o foco mudava para questões sobre o “eu” e a sua relação com o universo. As noções védicas foram mantidas, mas adaptadas, reinterpretadas e expandidas para incluir mudanças hindus. Entre 800 e 600 a.C., a vida religiosa mudou à medida que o hinduísmo clássico e o advento da Era Axial (entre 800 a.C. e 200 a.C.) chegaram à Índia. O filósofo alemão Karl Jaspers definiu a Era Axial como a linha divisória mais profunda da história, durante a qual apareceu a mesma linha de pensamento em três regiões do mundo: China, Índia e Ocidente.


Upanishads


Esse novo interesse foi expresso em escritos contemplativos chamados Upanishads, uma coleção de cerca de duzentos livros escritos ao longo de dois séculos. Eles se tornaram a base do hinduísmo, servindo como um resumo de todo o conhecimento dos Vedas. Alguns contribuidores dos Upanishads repetiram crenças já expressas nos Vedas, como a de que todo ser vivo tem um espírito e que todos os espíritos são capazes de migrar para dentro e para fora das coisas.


Mas agora os hindus viam a morte como a passagem do próprio espírito para outro novo ser, reencarnado numa série contínua de nascimentos, mortes e renascimentos chamada Samsara (errante). O destino de um espírito ou alma após a morte dependia de como a pessoa se comportou em uma vida anterior. Boas ações levavam a alma a reencarnar em uma forma de vida superior; más ações levavam a alma a entrar em uma forma inferior.



O conceito de reencarnação também é encontrado entre alguns nativos americanos, os habitantes das ilhas Trobriand e na África Ocidental. A ideia também foi atribuída a Pitágoras, Sócrates e outros filósofos da era Axial da Grécia Antiga – descendentes dos indo-europeus.


O karma era como uma lei física, e até os deuses estavam sujeitos a ele. Os atos morais de uma pessoa determinam seu status na reencarnação, o que significa que cada indivíduo recebe inexoravelmente o que merece. Os Upanishads ensinam que o que um homem será depende de como ele age e se comporta. O que acontece com alguém é consequência de sua própria escolha e comportamento e a condição atual reflete atos anteriores em reencarnações anteriores.


O nascimento humano é precioso porque, como seres humanos, temos a oportunidade única de afetar a nossa existência por meio da escolha consciente. Mas renascer como um deus ou um Brâmane (membro da casta sacerdotal da sociedade hinduísta) é raro e requer muito mérito cármico.


O poder da ação ritual sagrada como forma de entrar em contato com os mundos sagrados não era mais suficiente. Agora os sábios queriam conhecer a verdadeira natureza de brahman, a realidade profunda que era a base da prática religiosa e o próprio fundamento da vida. Brahman é a forma masculina e neutra de brahma. É um conceito do hinduísmo, semelhante ao conceito de absoluto presente em outras religiões. O termo designa o princípio divino, não personalizado e neutro do brahmanismo e da teosofia. Não deve ser confundido com Brama, que, juntamente com Vixenu e Xiva, forma a trindade clássica hindu.


Os sábios Axial pensaram que esse conhecimento conferiria a libertação. Nos Upanishads eles buscaram a natureza da realidade última e questionaram a verdadeira natureza do “eu”. Procuravam algo imortal, redefinindo o termo pré-axial para respiração atman para significar algo equivalente a “alma” que não morre quando o corpo morre, mas que sempre existiu. Alegaram que confundir a distinção entre os sentidos inferiores do corpo e da mente e atman, o “eu” superior, traz angústia e sofrimento ao ser humano.


Em meados da era Axial, atman e brahman convergiram e os sábios concluíram que a alma é idêntica à própria realidade última. Maya (o véu sobre a realidade) nos engana e nos faz pensar e agir de maneira egocêntrica, nos separa de brahman e de atman e nos aprisiona no Samsara.


Moksha, o fim da reencarnação


O principal problema da Era Axial hindu era como atingir a libertação completa das garras do nascimento e da morte contínuos (moksha), o fim da reencarnação. Em busca disso, homens e mulheres de todas as castas foram levados em massa a desistir de tudo. A renúncia era vista como a única esperança para uma vida de liberdade e realizações.


Conhecidos como Samanas, eram tantos que eram considerados uma quinta casta. Esses ascetas e sábios viviam sozinhos em cavernas ou florestas, ou com as suas famílias em comunidades apoiadas por aqueles que se sentiam incapazes de procurar moksha dessa forma.



Múltiplos deuses


À medida que a religião hindu evoluiu ao longo do Período Axial, cresceu a compreensão de que as pessoas estão em diferentes fases da sua jornada espiritual e que as práticas de uma pessoa podem não ser apropriadas a outras. Assim, a adoração às divindades continuou paralelamente à busca por brahman. Deuses hindus com múltiplos braços ou cabeças, alguns azuis ou parecidos com elefantes, são simultaneamente humanos e não humanos.


Sua função é lembrar aos hindus que brahman transcende a capacidade humana de pensamento e experiência, e apontar além da imagem feita pelo homem em direção à realidade última. Essas divindades são manifestações de brahman e canais para brahman.


Existem 330 deuses hindus. Um hindu pode escolher seu Ista-Devata, divindade pessoal de sua escolha. Essas imagens, até hoje, ajudam os devotos, permitindo que se sintam próximos da realidade divina e que ela se preocupe com eles. Durante festivais, como o Darsan, imagens de divindades são alimentadas, vestidas e homenageadas e, finalmente, no final do festival, destruídas, em reconhecimento do fato de que a realidade está para além da imagem, mera metáfora criada pelos humanos para ajudá-los em sua jornada em direção a brahman, a única e verdadeira Realidade.


Misticismo


Uma das principais tendências da filosofia religiosa indiana é o misticismo. Esse termo pode ser enganoso, pois pode evocar noções ocidentais, e particularmente cristãs, de experiência, prática e fins religiosos. No entanto, muitos estudiosos da religião há muito usam esses conceitos para estudar o hinduísmo e interpretá-lo para estudantes ocidentais. O desejo de união do “eu” com algo maior do que o “eu”, seja isso definido como um princípio que permeia o universo ou como um deus pessoal, é um sentido em que o hinduísmo tem uma dimensão “mística”.


No entanto, enquanto o misticismo hindu, num extremo, é a realização da identidade do “eu” individual com o princípio impessoal chamado brahman (a posição da escola Vedanta da filosofia indiana), no outro extremo está a devoção intensiva a um deus pessoal que é encontrado nos grupos bhakti (devocionais).

A maior parte do pensamento místico hindu apresenta quatro características comuns.


Primeiro, baseia-se na experiência: o estado de realização, seja lá como for chamado, é ao mesmo tempo cognoscível e comunicável, e os sistemas são todos concebidos para ensinar as pessoas como alcançá-lo. Não se trata, em outras palavras, de pura especulação.


Em segundo lugar, tem como objetivo a libertação da substância espiritual do indivíduo da sua prisão na matéria, quer a matéria seja considerada real ou ilusória. Terceiro, muitos sistemas reconhecem a importância ou a necessidade do controle da mente e do corpo como meio de realização; às vezes isso assume a forma de extremo ascetismo e mortificação, e às vezes assume a forma de cultivo da mente e do corpo para que suas energias possam ser canalizadas adequadamente.


Finalmente, no cerne do pensamento místico hindu está o princípio funcional de que conhecer é ser. Assim, o conhecimento é algo mais do que uma categorização analítica: é uma compreensão total. Essa compreensão pode ser puramente intelectual, e algumas escolas equiparam o objetivo final à onisciência, como faz o Yoga. Mas compreender também pode significar transformação total: se alguém realmente conhece alguma coisa, é essa coisa.


Assim, nas escolas devocionais, o objetivo do devoto é transformar-se em um ser que, na eternidade, esteja em relacionamento imediato e amoroso com a divindade. Mas apesar de ambas serem formas de saber, alguns consideram a diferença entre elas significativa. Em primeiro lugar, o indivíduo tem a responsabilidade de treinar e usar o seu próprio intelecto.


O relacionamento amoroso do segundo, por outro lado, é de dependência, e a divindade auxilia o devoto por meio da graça. Assim, algumas escolas teológicas enfatizam o autocontrole, enquanto outras enfatizam a devoção e a graça divina.

Outros professores dizem que o devoto não deve se esforçar para controlar a sua mente; em vez disso, com a meditação, sua consciência tentará naturalmente transcender-se e alcançar um estado de bem-aventurança.


Na verdade, alguns teólogos Shri vaishnavas disseram que alguém deveria simplesmente consentir em receber a graça divina e não assumir qualquer responsabilidade no esquema da salvação; outros dentro dessa tradição enfatizaram a importância de bhakti entendida como autoentrega ativa a Vishnu e Lakshmi.


A distinção entre essas duas visões de salvação é ilustrada pela analogia do gato e do macaco. A gata carrega seus filhotes na boca e, portanto, o gatinho não tem responsabilidade. Mas o jovem macaco deve agarrar-se, com a sua própria força, às costas da mãe.


Sri Vaishnavism é uma seita religiosa que se originou no sul da Índia e é conhecida por sua rica história teológica e pelas maneiras únicas pelas quais foi praticada ao longo dos séculos. Está centrado no culto a Vishnu, o preservador do universo, e é uma das tradições vaishnavita mais proeminentes da Índia. Tem sido uma grande influência na cultura e na sociedade indianas e deu origem a muitos dos grandes líderes filosóficos e espirituais do país.


Teístas ou ateus


Em contraste com os seus oponentes, que eram ateus, os filósofos hindus podiam ser teístas ou ateus. Na verdade, podemos observar uma tendência crescente para ideias teístas perto do final do Período Clássico, com o resultado de que os ensinamentos estritamente ateus, que eram filosoficamente mais rigorosos e sólidos, caíram em desuso. A metafísica hindu percebia ātman como parte de uma realidade maior (brahman).




Metafísica


O conceito de ātman foi crucial em muitos debates, porque muitos tinham uma compreensão diferente dele ou afirmavam não precisar desse conceito. Isso ajudou a uma articulação mais precisa do termo, embora muitos pensadores hindus sustentassem que o conhecimento de ātman é apenas uma compreensão parcial da realidade; o “eu” individual é apenas uma parte do cenário mais amplo do universo, uma entidade espiritual abrangente, da qual ātman é um minúsculo fragmento.


Experimentar isso espiritualmente, por meio de práticas meditativas, liberta a pessoa do modo normal das coisas: tal pessoa não renasce e não repete a angústia, a dor, a doença, a velhice e a morte dos mortais comuns; em vez disso, fica livre para sempre. Pode ser conseguido por meio dos próprios esforços, embora muitas vezes seja necessária a orientação de um professor, um guru.


Esses esforços podem precisar ser estendidos ao longo de várias vidas, a fim de eliminar todas as impressões cármicas acumuladas. As impressões cármicas, que podem resultar de atividades físicas, fala ou atos mentais, são o que realmente ligam as pessoas ao processo giratório de renascimento.


Gradualmente, as noções de intervenção divina no processo de libertação encontraram o seu caminho em numerosos ensinamentos. Foi uma combinação dos próprios esforços mais a graça divina que garantiria a libertação final, que agora não era apenas a liberdade de repetidos ciclos de vidas, mas também uma identificação com o divino, ou a companhia de um deus como amante ou servo eterno.


Alguns filósofos Advaita postularam um único princípio último, enquanto outros defenderam a existência de uma causa última do universo: Deus. No entanto, a adoração de uma multidão de deuses ainda era amplamente praticada, como é até hoje. O Advaita Vedanta é uma “filosofia”, por assim dizer, que surgiu há muitos séculos na Índia, tendo a sua origem nos Vedas, as escrituras mais antigas e sagradas do hinduísmo. Advaita literalmente significa “não-dualidade”, e Vedanta significa “a parte final (ou conclusão) dos Vedas”.


A doutrina principal do Advaita postula que apenas o Absoluto (brahman) é real e que o mundo (toda a criação) é irreal, sendo que toda e qualquer modificação, dualidade, pluralidade, seja objetiva ou subjetiva, é apenas uma superimposição, uma imagem que é sobreposta ao Absoluto por meio do poder da ilusão (maya).


Udayana (século XI), um dos pensadores mais proeminentes da Escola de Lógica (Nyāya), construiu um conjunto de argumentos para a existência de Deus. Dito de forma grosseira, a sua afirmação é que este mundo multifacetado deve obviamente ser o efeito de alguma causa, e essa causa não deve ser outra coisa senão Deus.


Mas nem todos os pensadores sentiram necessidade de traçar o mundo até uma causa primária, embora a maioria considerasse que as cadeias causais são de primordial importância na interpretação do mundo.


A natureza da relação causal foi muito debatida. Alguns alegaram que um efeito já existe de alguma maneira em forma latente na sua causa, tal como o iogurte já está potencialmente presente no leite mesmo antes de o leite azedar. Do mesmo jeito, todo esse mundo múltiplo já existia numa massa aquosa primitiva indiferenciada, na qual se dissolverá novamente no final da sua existência.


Outros filósofos, como Śaṅkara (século VIII), interpretaram a relação entre causa e efeito de uma forma ligeiramente diferente. A diferença é apenas aparente, na realidade o universo está apenas sobreposto a um princípio imutável, eterno, universal e indiferenciado, o brahman dos pensadores Upanishads. Sobrepomos coisas por ignorância.


Uma boa analogia é a de um homem caminhando pela estrada, meio cego pelo sol brilhante do meio-dia. De repente, ele salta por sobre uma forma alongada na estrada, com medo de pisar em uma cobra. Um transeunte ri e pergunta: ‘Você tem medo de um pedaço de corda velha e suja?’ A pessoa que pulou de medo estava sobrepondo uma cobra na corda velha. Da mesma forma, sobrepomos todo o universo a brahman. Na realidade, não existem quaisquer relações causais. Falamos de tais conceitos para facilitar o debate, mas eles não têm lugar no nível final.


Fontes de conhecimento


Dado que as visões do mundo eram diferentes, tinham de ser provadas e devidamente estabelecidas. Consequentemente, ferramentas lógicas e epistemológicas foram desenvolvidas e moldadas de acordo com as necessidades e crenças de cada filósofo. A maioria concordou com duas ou três fontes de conhecimento: percepção e inferência, com testemunho verbal como uma possível terceira fonte.


Nessa busca pelo rigor filosófico, havia uma necessidade de precisão da linguagem, e houve importantes desenvolvimentos filosóficos entre os gramáticos e os filósofos que explicaram os Vedas (os Mīmāṃsakas). A culminação desses esforços linguísticos pode ser vista no filósofo da linguagem Bhartṛhari. Uma de suas maiores realizações foi a plena articulação da teoria de que uma frase como um todo é compreendida em um ato repentino de compreensão.


Bhartṛhari (também romanizado como Bhartrihari, século V d.C.) foi um filósofo linguístico hindu a quem normalmente são atribuídos dois textos sânscritos influentes: o Trikāṇḍī (incluindo Vākyapadīya ), sobre gramática sânscrita e filosofia linguística e o Śatakatraya, uma obra de poesia sânscrita, compreendendo três coleções de cerca de 100 estrofes cada.


Em lógica, inferência ou ilação é a operação intelectual mediante a qual se afirma a verdade de uma proposição em decorrência de sua ligação com outras proposições já reconhecidas como verdadeiras. Consiste, portanto, em derivar conclusões a partir de premissas conhecidas ou decididamente verdadeiras.


Devido às suas ontologias diferentes, as escolas também discordavam sobre os objetos de conhecimento. Nyāya afirmava que eram o “eu”, o corpo, os órgãos dos sentidos, a mente, o renascimento, a dor e a liberdade (Mokṣa).


Sāṅkhya ligou os objetos da cognição aos órgãos dos sentidos: o olho tem a cor como objeto, o ouvido tem o som, a língua tem o gosto, e assim por diante; a inferência tem como objeto coisas além da percepção sensorial, como a consciência, a matéria material indiferenciada do universo e as relações causais.


A ‘percepção’ geralmente estava confinada à percepção sensorial ou externa. Alguns pensadores também reconheceram uma espécie de percepção mental para estados mentais (como alegria ou angústia). Isso às vezes era classificado como pertencente a uma categoria mais ampla de percepção interna que também incluía a percepção iogue. A ioga e outros tipos de percepção, por sua vez, poderiam ser classificados como “extraordinários”, como no sistema Nyāya, especialmente sua forma posterior (Navya-Nyāya, “Nova Lógica”).


As definições precisas de percepção variaram amplamente. Alguns pensaram que era a consciência direta da cor; outros argumentaram que se tratava de uma cognição decorrente da relação de um objeto com os sentidos, que não é verbal nem errônea, mas definida. Surgiu uma troca de ideias sobre se a percepção é uma experiência direta, isso é, não proposicional, e se se pode postular um nível proposicional de percepção.


Nyāya e o Sāṅkhya clássico de Īśvarakṛṣṇa afirmaram compreender as percepções de dois níveis: não proposicional (aproximadamente o que chamamos de 'dados dos sentidos') e proposicional (nomear e anexar conceitos aos dados dos sentidos). A inferência (anumāna) foi o próximo instrumento de conhecimento mais importante.





No Período Clássico, geralmente eram enumerados três tipos de inferência. As suas definições revelam uma certa confusão entre ideias de inferência antigas e novas. A inferência é usada como fonte de conhecimento nos casos em que os objetos não podem ser apreendidos diretamente. A base da inferência é a relação consistente entre a razão e a coisa a ser provada (sādhya). Isso requer que percebamos a razão. Aqui está um exemplo de argumento:


Há fogo na montanha. (Tese)

Porque há fumaça (que vejo a olho nu). (Razão)

Como na cozinha. (Exemplo positivo)

Ao contrário do lago. (Exemplo negativo)

Portanto há fogo na montanha. (Conclusão)

 

A relação consistente não é explicitamente declarada no silogismo, embora seja bastante óbvia: onde há fumaça, há fogo. Silogismo é um termo filosófico com o qual Aristóteles designou a conclusão deduzida de premissas, a argumentação lógica perfeita. Na forma clássica é um argumento dedutivo constituído de três proposições declarativas que se conectam de tal modo que, a partir das duas primeiras, é possível deduzir uma conclusão.

 

O testemunho verbal era considerado outra fonte decisiva de conhecimento das coisas além da apreensão sensorial. Um testemunhador competente é uma pessoa confiável que possui conhecimento direto, deseja comunicá-lo e é capaz de expressá-lo.


Argumentou-se que a literatura sagrada revelada poderia ser classificada como testemunho. Houve também alguma discussão sobre se deveria incluir essa fonte de conhecimento na inferência. Outros pramāṇas sugeridos foram analogia e presunção.


Um exemplo de presunção é o seguinte: observa-se que Devadatta é gordo; ninguém o vê comendo demais durante o dia; então (a presunção é que) ele deve comer a noite toda.


Os filósofos indianos também discutiram um argumento conhecido como tarka, um tipo de raciocínio que chamamos de reductio ad absurdum (redução ao absurdo). Tarka ou lógica, é uma das ajudas para alcançar o conhecimento correto quando o conhecimento direto e claro não é possível. Os tratados filosóficos recorrem frequentemente a ele. No que diz respeito às verdades espirituais além do alcance dos sentidos, tarka não é aceita como uma fonte independente de conhecimento. É aceita apenas se não for contra o Śruti (aquilo que é ouvido” ou “revelação divina”), mas fortalecer seus ensinamentos.


Questões morais


Dois princípios importantes governam a filosofia moral indiana: karma e dharma. A teoria do karma foi articulada no início dos tempos Upanishads (que geralmente são colocados a partir de 700 a.C., mas possivelmente foram anteriores). Diz respeito à relação causal entre os atos e os seus resultados, embora nenhum dos dois tenha sido sempre entendido de forma uniforme.


Em geral, o funcionamento do karma não foi interpretado como um mecanismo fatalista. Com exceção de algumas escolas, a maioria dos pensadores indianos passou a conceber o karma em termos de uma espécie de lei naturalista de causalidade. O filósofo mais conhecido dos Upaniṣads, Yājñavalkya, foi o primeiro a ensinar o karma, que logo se tornou discernível em quase todos os desenvolvimentos intelectuais, além de ser um princípio governante na ética cotidiana.


O princípio do dharma está intimamente ligado ao karma. Dharma significa literalmente “defender o que é correto”, o que podemos chamar hoje de “moralidade”. A tradução precisa do termo depende do contexto.


Por exemplo, podemos traduzir dharma como “justiça” nos casos em que algo que foi ilegalmente tirado deve ser recuperado. Assim, no épico Mahābhārata, é justiça para os Pāṇḍavas recuperarem seu reino, que lhes foi ilegalmente tirado por seus primos, os Kauravas.


Existe também o dharma como “dever individual”, de acordo com o status social e econômico de uma pessoa na sociedade. Isso poderia ser comparado, até certo ponto, com a ideia kantiana de dever (dever pelo dever). Depois, há o dharma geral que se aplica à sociedade como um todo, um guia em questões morais e sociais.


Um ideal importante na filosofia moral hindu, o dos estágios da vida, é descrito no conjunto de literatura conhecido como Dharmaśāstras. O conceito de dharma tal como se apresenta nos Dharmaśāstras pode ser compreendido a partir da doutrina dos puruṣārthas, um paradigma pan-indiano baseado em quatro aspirações fundamentais da condição existencial humana postuladas por tradições do hinduísmo, e que consistem no kāma, no artha, no dharma e no mokṣa.


Dharma, aquilo que mantém elevado. A missão de vida.

Artha, ou desenvolvimento econômico;

Kama, ou desfrute sensorial;


Isso endossa a determinação do estatuto social por nascimento e prescreve para cada indivíduo (pelo menos, cada homem das duas classes mais altas, nomeadamente sacerdotes e realeza) os vários estágios para progredir na vida. A sequência prescrita é a seguinte:


Primeiro, o responsável social deveria estudar e abster-se de relações sexuais; em seguida, deveria casar-se, criar filhos e acumular bens materiais; terceiro, deveria tornar-se um buscador religioso, abandonando o conforto do lar, da família e das riquezas (embora sua esposa ainda possa proporcionar algum conforto familiar); finalmente, deveria deixar a companhia de sua esposa e vagar sozinho como asceta até a morte.


Dois sistemas de valores, um socialmente engajado e outro com tendência ascética, parecem estar combinados aqui. Intimamente relacionados estão os quatro objetivos da vida humana (puruṣārtha):


  1. bem-estar material,

  2. prazer e diversão,

  3. moralidade e responsabilidade social,

  4. o objetivo final, libertação de nascimentos repetidos.


Também aqui se combinam dois sistemas de valores: os três primeiros objetivos orientam os socialmente empenhados, enquanto o último é o objetivo de uma pessoa na fase final da vida.


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