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Livros sagrados da Índia

Atualizado: 11 de jan.

O pluralismo religioso na Índia


A Índia tem uma população de um 1,2 bilhões de habitantes, sendo 80% (960 milhões) de religião hindu, 15% (180 milhões) muçulmana, 2,3% (936 milhões) cristã e o resto, 16,8 milhões, dividido nas religiões sikh, budista, jainista e zoroastrista ( conhecida como a religião da comunidade Parsi).


Segundo Dilipi Luondo, Doutor em Filosofia Indiana pela Universidade de Mumbai (Índia) e Coordenador do Núcleo de Estudos em Religiões e Filosofias da Índia (NERFI-CNPq.), não existe uma religião hindu mas os termos que designam as religiosidades que nós chamamos como são incluídas dentro de um quadro geral amplo chamado hinduísmo são extremamente diversas e plurais e quando você se dirige a essas práticas religiosas nos contextos locais por meio das línguas vernáculas as designações são diferentes. A palavra hinduísmo não existe na designação da Índia.


No contexto local é a palavra bharata e ainda assim tem toda uma conotação de narrativas ligadas a uma narrativa mítica histórica que tem a ver com o Mahabharata (A grande história da humanidade), o mais longo poema épico de todos os tempos e a essência cultural da Índia. A palavra hinduísmo foi, de alguma forma, imposta a essa civilização. Hoje, isso não é um problema, mas é importante notar que o hinduísmo, se tomarmos como referência os critérios definidores de religiões, não é religião.


As literaturas indianas são religiosas em sua origem. É graças aos poetas religiosos panteístas, adoradores das divindades da aurora, das montanhas e dos rios, que surgiram os Vedas, primeiros textos literários. Segundo a crença, o próprio Brahma os escreveu. Seus autores viveram por volta de 3.500 anos, no noroeste do subcontinente indiano.


O sânscrito é uma língua ancestral do Nepal e da Índia. Embora seja uma língua morta, ela faz parte do conjunto das vinte e três línguas oficiais da Índia, porque tem importante uso litúrgico no hinduísmo, budismo e jainismo.


Categorias da literatura religiosa indiana


Shruti (o que é ouvido) – é um conjunto de escrituras reconhecidas como de inspiração divina. Considerado eterno, equivale a revelação e verdade inquestionável. Refere-se principalmente aos próprios Vedas. Os textos revelados abrangem:

Rigveda, Yajurveda, Samaveda; Atharvaveda; Brahmanas; Artha e Upanishads.


Smriti (recordação) – classe de literatura sagrada hindu baseada na memória humana, distinta dos Vedas, que são considerados shruti, ou o produto da revelação divina. A literatura smriti elabora, interpreta e codifica o pensamento védico. Os textos incluem os importantes manuais religiosos conhecidos como:


Kalpa-sutras – ritos de passagem, rituais associados a eventos importantes da vida, como nascimento, casamento e morte na família, conduta pessoal e deveres adequados na vida de um indivíduo;


Puranas – textos antigos elogiando várias divindades, principalmente o divino Trimurti, por meio de mitos, lendas e histórias divinas;


Ramayana – épico sânscrito atribuído ao poeta Valmiki e parte importante do cânon hindu.


Mahabharata – contém provavelmente o texto mais influente no hinduísmo, o Bhagavadgita.


Com o tempo, o termo smriti passou a se referir particularmente aos textos relativos à lei e à conduta social, como o célebre livro de leis, o Manu-smriti (Leis de Manu). O smriti é complementar e pode mudar com o tempo.


Acredita-se que as obras shruti foram ouvidas e transmitidas por sábios terrenos, em contraste com o smriti. É importante observar que a divisão entre shruti e smriti é frequentemente contestada. Ela pode ser representada como um continuum, com alguns textos mais canônicos do que outros.


Existem diferentes opiniões sobre a relativa validade e importância de cada um. Alguns hindus enfatizam a importância fundamental do shruti, enquanto outros dizem que, ao tornar as verdades acessíveis, o smriti é hoje mais importante. A crença na verdade universal sugere a alguns pensadores hindus que qualquer ensinamento que corresponda ao conhecimento real também pode ser aceito como Veda. Portanto, existem numerosos escritos considerados védicos.



Palavra, Escuta e Silêncio


Veda significa saber, conhecimento. São as escrituras sagradas com origem nas transmissões orais de pessoas esclarecidas e colocadas na forma escrita há aproximadamente 5.500 anos. Não são apenas livros e sim verdades universais sobre a alma, a vida, a morte, Deus, o universo e a relação existente entre eles.


Acreditava-se que surgiu da infalível audição (shruti), por antigos videntes, do sagrado depósito de palavras cuja recitação e contemplação trazem estabilidade e bem-estar tanto para o mundo natural quanto para o humano.


São considerados revelados porque traçam um caminho de ensinamentos em benefício do destino do ser humano. É formado pela tríade Palavra, Escuta e Silêncio, porque só cumprindo esta ordem, o interior do ser humano poderá compreender a revelação que se expande em tudo o que há para cumprir o seu caminho. O hindu capta a revelação como ato de dar para receber e libertar, ao dar, porque o bem se exerce em correspondência. O conteúdo da escritura védica é dividido em três seções principais:


Karma-kanda – refere-se à seção dos Vedas que lista a realização de rituais e ritos de sacrifício para benefícios materiais ou para liberação, realizados pelos brâmanes em troca de um dakshina (oferenda ou presente), normalmente a um guru ou sacerdote. Em grande parte, lida com sacrifício ritual visando o prazer (aceitação do mundo);


Jnana-kanda – textos filosóficos voltados para o conhecimento por meio da renúncia (negação do mundo);


Upasana kanda – textos com foco na adoração de Deus e serviço a ele (acomodação e transcendência do mundo).


Correspondem em grande parte aos três caminhos principais:


Karma-yoga – integração pela dedicação de todas as ações e seus frutos à divindade. É a execução da ação em união com a parte divina interior, ficando distanciado dos resultados, e mantendo o equilíbrio seja em face do sucesso ou do fracasso.


Jnana-yoga (caminho de sabedoria) – uma modalidade de ioga conhecida também pelo uso do conhecimento, ou seja, por uma verdade pré-existente e imutável, para atingir a sabedoria e estudo.


Bhakti-yoga – também chamado bhakti marga e ioga devocional, é um dos ramos da ioga e do vedanta que conduz à comunhão divina por meio da devoção. Nessa devoção, o bhakta geralmente inicia seu processo considerando o objeto de adoração a parte, como um Deus ou Absoluto, em um plano mais elevado ou "céu".


As quatro fases tradicionais dos Vedas


Primeira fase – começou com hinos, cantos, encantamentos e outras composições em uma forma primitiva de sânscrito. Os hinos em particular eram amplamente direcionados a poderes transcendentes. Acreditava-se que esses poderes, individualmente ou em grupos, exerciam controle sobre o mundo por meio de forças cósmicas. Nesta fase inicial dos Vedas, há referência a Ekam (Um), aquele que sustenta todos os seres.


Segunda fase – texto védico chamado de Brahmaṇas, diz respeito ao ritual de sacrifício (yajna) que está no cerne da religião védica. Foi pelo desempenho adequado e recitação desse ritual que a ordem e a estabilidade foram estabelecidas no mundo.


Terceira fase – são os Araṇyakas (Textos da floresta), que representavam um afastamento meditativo do desempenho externo do ritual de sacrifício védico. Uma tendência se desenvolveu entre alguns para colocar o sacrifício dentro do eu interior (atman), que acabou sendo percebido como espiritual e distinto do corpo e de outras formas de matéria.


Quarta fase – os Upaniṣads. Em algumas passagens dos Upaniṣads, o Ekam, mencionado na primeira fase do Veda e agora conhecido como Brahman, foi identificado como um Ser espiritual único, acima do pessoal e indivisível, sustentando todas as mudanças e diferenças no mundo. Em outras passagens, o Ekam recebeu um status mais pessoal e divino como Isvara (Deus), distinto, mas sustentando a existência de “eus” individuais e o restante do ser finito.


Os quatro livros sagrados dos Vedas


A base do hinduísmo está nos chamados quatro livros sagrados dos Vedas. O conhecimento que deu origem a esses livros possivelmente veio pela tradição oral e, talvez, até mesmo pela pintura. No século X, foram compilados por vários estudiosos e religiosos. Segundo a lenda, eles teriam sido organizados por Vyasa, um sábio que seria a encarnação de Vishnu, deus que em todos os ciclos de criação e destruição do Universo elabora as escrituras nesses quatro livros para garantir que os cânticos se propaguem e se eternizem.


Cada um dos quatro Vedas recebe um sacerdote hindu específico; Hota para Rigveda, Udgata para Samaveda, Adhvaryu para Yajurveda, e Brahman para Atharvaveda.


Rigveda – livro de mantra


Também chamado Livro dos Hinos, é uma antiga coleção hindu (1.200 a 1.000 a.C.) de hinos em sânscrito védico. É o Primeiro Veda e o mais importante porque todos os outros derivaram dele. Consiste em 1.119 hinos ou chandas. Era usado para celebrar cultos domésticos e hinos que eram cantados em momentos específicos. Dele, emergem ideias poderosas como a existência de uma ordem no Universo, nos níveis físico (rita) e moral (darma) e a necessidade de sacrifícios para conservá-la.


Uma complexa liturgia, da qual se encarrega a casta dos sacerdotes (Brâmanes), auxilia nessa tarefa controlando o brâman, a energia cósmica, princípio de todas as coisas e da qual dependem todos os acontecimentos do mundo. A má decisão do homem, não é vista como um pecado, mas como um dano moral, uma violação da paz e da harmonia, existindo um submundo sombrio, onde a Tríade será silenciada, causando angústia e tirando-a da reflexão.


Cabe ao homem purificar o seu atman (“este eu”, a alma), para identificar-se com esse real eterno, por meio de sucessivas reencarnações, que se definem e dirigem o carma por uma linha ou regra. Atman é o mais elevado princípio humano, a Essência divina, sem forma e indivisível.


Uma ardente convocação para essa ascensão espiritual está no Bhagavadgita (Canto do Bem-aventurado), o mais famoso livro sagrado do hinduísmo, que por sua vez é apenas um episódio do Mahabharata (Grande Índia, A grande história da humanidade), um enorme texto épico de 250.000 versos.


Esse núcleo de ideias, onde se menosprezam práticas rituais e onde a salvação individual consiste em abandonar o ego e mergulhar numa Essência Universal, constitui a base do jainismo e do budismo. Essas tradições religiosas e filosóficas foram posteriormente agrupadas sob o rótulo de hinduísmo.



Samaveda - livro de canções


O Samaveda é puramente uma coleção litúrgica de melodias (saman). Exaltam a música, por ser considerada aquela que unifica a criação e por ser uma qualidade primordial do deus criador. Os hinos no Samaveda foram quase completamente retirados do Rigveda. Consequentemente, seu texto é uma versão reduzida do Rigveda. Como diz o estudioso védico David Frawley, se Rigveda é a Palavra, Samaveda é a canção ou o significado, se Rigveda é o conhecimento, Samaveda é sua realização, se Rigveda é a esposa, o Samaveda é seu marido.


Yajurveda – livro de rituais


É o terceiro dos quatro Vedas que se acredita ter sido composto durante o Período Védico entre 1.500 a.C. e 500 a.C., junto dos outros Vedas. No cerne da tradição védica está um sistema de sacrifícios, cada um dos quais dependendo de invocações de divindades específicas. O Yajurveda prescreve esses rituais, que são realizados juntamente com os cantos melódicos do Samaveda. O nome é derivado das raízes sânscritas, yajus (adoração ou sacrifício) e veda, (conhecimento), às vezes é traduzido como Conhecimento do Sacrifício.


O texto descreve a forma como os rituais religiosos e as cerimônias sagradas devem ser realizados. Destina-se principalmente aos sacerdotes hindus. Os mantras dentro do Yajurveda são usados durante rituais religiosos como aqueles antes do fogo yajna, e são mais comumente recitados pelo Adhvaryu que preside os detalhes físicos de um sacrifício.


Atarvaveda – livro de feitiços


O último dos Vedas, é completamente diferente dos outros três e está próximo em importância ao Rigveda com respeito a história e sociologia. Um espírito diferente penetra neste Veda. Seus hinos são de caráter mais diversificado do que no Rigveda e é também mais simples no idioma. Na realidade, muitos estudiosos não o consideram realmente parte dos Vedas.


O Atharvaveda consiste em feitiços e encantamentos prevalecentes nesse tempo, e retrata um quadro mais claro da sociedade védica. Seu nome vem de atravanes, sacerdotes que presidiram os sacrifícios. Essa literatura marca a queda do senso religioso com visões espirituais e dá lugar à necromancia, suposta previsão do futuro por meio da comunicação com o espírito dos mortos.


Outros textos


Ramayana – épico sânscrito atribuído ao poeta Valmiki e parte importante do cânon hindu. O nome Ramayaṇa é um composto de Rama e ayana (indo e avançando), cuja tradução é A viagem de Rama. Em 24.000 versos e sete cantos (kandas) narra a história do príncipe Rama, de Aiódia, cuja esposa Sita é abduzida por Rākshasa (demônio) rei de Lanka, Ravana.


Harivamsa – obra importante da literatura sânscrita, contendo 16.374 shlokas – versos de 32 sílabas, derivado da métrica védica anuṣṭubh, usado em muitas outras obras da literatura clássica sânscrita. O texto também é conhecido como Harivamsa Purana.


Vedangas


A execução correta do ritual de sacrifício védico era considerada tão importante para ordenar as relações entre os humanos e o mundo nos primeiros estágios do hinduísmo, que originou outro conjunto de textos chamado Vedāṅgas (membros do Veda).


Os Vedāṅgas se preocupavam de diferentes maneiras com a cadência, origem, significado e articulação adequada dos termos védicos usados ​​para o ritual, os tempos apropriados para a realização do ritual e assim por diante. Esses textos protegiam e nutriam o corpo que era o Veda. São seis disciplinas auxiliares para a compreensão e tradição dos Vedas:


Shiksha – fonética e fonologia

Chandas – métrica

Vyakarana – gramática

Nirukta – etimologia

Jyotisha – astrologia e astronomia

Kalpa – ritual


Outras composições smṛti também se desenvolveram desde o início da Era Comum em conjunto com o cânone védico. Importantes entre eles foram os textos que codificaram o dharma, um conceito central e em desenvolvimento do hinduísmo. Ele trata da ordem correta entre os diferentes estratos e grupos de nascimento da sociedade hindu e seus membros masculinos e femininos. Acreditava-se que esses textos, por meio de suas prescrições e proibições, elaboravam a implementação social da ordem védica.


A bondade aparece novamente como o princípio de um deus de três cabeças, representado pelo fogo, um deus pai, amigo e benfeitor. Novamente a tríade é vislumbrada nas características da divindade onde a Palavra é o pai, a Escuta é o amigo, e o Silêncio, a atitude benéfica. O texto dedicado à Alma Suprema, exalta o amor como princípio (Palavra), deixando o bem como ponto de apoio, tornando-se o que Escuta, o Silêncio do invisível tornando-se o princípio.


No texto A todos os deuses, as três cabeças de Agni, e os três passos de Vishnu, com os quais ele envolve o Universo e cuida da Trimurti – conjunto formado pelos três principais deuses do hinduísmo (Brama, o criador, Vishnu, o preservador, e Shiva, o destruidor), considerados por algumas seitas e autores indianos como manifestações ou qualidades de um único deus absoluto ou realidade primordial.


Tornam-se o símbolo que dá sentido à tríade, marcando assim a construção do mundo, mas ao mesmo tempo ele é destruído, ou seja, usando a Palavra como arma, ouvindo-a como um julgamento e o Silêncio como o que é silencioso é destruído, daí a sensação de que Vishnu vigia para que a Trimurti não seja devastada (ou distorcida).


O que é o Mahabharata?


O Mahabharata (A grande história da humanidade) e o Ramayaṇa (A Vinda de Rāma). Ambas as composições foram originalmente compiladas em versos sânscrito ao longo de várias centenas de anos, começando em meados do primeiro milênio a.C.


A origem do Mahabharata está entre os séculos IV e III a.C., e a forma final provavelmente teve origem no século IV. Os estudiosos acreditam que os eventos descritos neste livro ocorreram entre 1.000 e 900 a.C., mas algumas descobertas arqueológicas recentes sugerem datas mais antigas, entre 2000 e 1500 a.C.


Escrito ao longo de vários séculos, particularmente no século V a.C., em dezoito livros, o Mahabharata narra a história da rivalidade entre dois grupos de primos guerreiros, os Pandavas e os Kauravas. É importante reconhecer a personalidade sensível dos personagens, que simpatizam com a humanidade; seus problemas são devidos às fraquezas humanas relacionadas à materialidade, particularmente ao poder, do trono.


O Mahabharata tem sido chamado de Quinto Veda em muitos círculos hindus, na crença de que ensina cumulativamente, de forma mais acessível, as verdades essenciais do Veda.


Tri-varga - as três metas da vida humana


Dharma, aquilo que mantém elevado. A missão de vida.

Artha, ou desenvolvimento econômico;

Kama, ou desfrute sensorial;



É assim que se forma o caminho de tri-varga, ou metas ordinárias da existência mundana: dharma gera artha que compra kāma. Segundo os sábios hindus, quem segue tais metas apenas colhe frutos no samsara, o ciclo eterno de nascimentos e mortes.


Além dessas metas, o Mahabharata traz também o moksha, que é a liberação do ciclo de tri-varga e a saída do samsara, ou ciclo de nascimentos e mortes. Em resumo, o livro traz o conhecimento da natureza do “eu” e a relação eterna com toda a criação e aquilo que a transcende.


O Mahabharata conta a história dos príncipes Pandavas e Kauravas, que eram todos primos, mas em um determinado momento, por motivos de raiva e inveja, eles entraram em guerra. Logo no início da guerra ocorre um diálogo entre Arjuna (que liderava os Pandavas) e Krishna. Essa conversa é o que está descrito no Bhagavadgita.


O que é o Bhagavadgita?


O Bhagavadgita (Canto do Bem-aventurado ou A Canção de Deus), com 700 versos, é um dos livros mais importantes da literatura védica e o livro 6 do poema épico indiano Mahabharata. Contém ensinamentos religiosos e filosóficos baseados em símbolos e na crença em Krishna (como Ser Supremo).


Ao contrário de textos como os Upanishads, onde tudo é regido pela ilusão ou maya, ele enfatiza a importância de compartilhar o mundo porque, a partir disso, o bem se revelará como verdade, principalmente quando o dharma ou o destino é escutado, o que é dispensável para tomar a Palavra, e que o ser humano ouça e viva no Silêncio, ou seja, que cada ato o reflita e o assimile como parte do encontro com a sabedoria. Porém, só se encontra quando o corpo permite que a alma se desenvolva em sua história humana para que o destino, ou história espiritual, possa ser cumprido, daí o valor do karma.


Como já mencionado, os Pandavas eram liderados por Arjuna, que tinha na história uma carruagem dirigida por Krishna. Simbolicamente isso representa o buscador sendo guiado pelo conhecimento. Já os Kauravas, eram liderados por Duryodhana, considerado um homem “adhármico”, com valores distorcidos, que fazia o mal para as pessoas. É como se a guerra fosse entre os bons e os maus.


Ao se encaminhar para a batalha, Arjuna pede para Krishna parar a carruagem entre os dois exércitos. Ele vê no exército oposto os seus parentes e amigos e sente que não poderia lutar. Independente se ele ganhasse ou perdesse haveria sofrimento e tristeza no final. Arjuna então pede a Krishna o conhecimento, uma sabedoria para saber como proceder.


Quem é Krishna?


É um deus personificado do hinduísmo, representante das manifestações de Deus Supremo no mundo, segundo a tradição hindu. Também significa verdade absoluta. De acordo com os hindus, Krishna é o oitavo avatar de Vishnu, ou seja, é considerado um Deus, a Suprema Personalidade.


Avatar é uma manifestação corporal de um ser imortal segundo a religião hindu, por vezes até do Ser Supremo. Deriva do sânscrito Avatāra, que significa "descida", normalmente denotando uma das encarnações de Vishnu (tais como Krishna), que muitos hinduístas reverenciam como divindade. Muitos não-hindus, por extensão, usam o termo para denotar as encarnações de divindades em outras religiões.


Os praticantes do Hare Krishna conseguem alcançar a iluminação espiritual ao cantar o mantra Hare Krishna. Os mantras são uma espécie de poema místico cantado muitas vezes com ajuda da meditação. Krishna é o nome de Deus em sânscrito. Já Hare Krishna quer dizer “a energia de Deus”.


A guerra interna do ser humano


O ensinamento marca a luta espiritual necessária em qualquer ser humano, onde se exalta que a passividade do corpo diante de seu Espírito não o beneficia. O ser humano precisa sustentar uma guerra interna para se fortalecer. A aproximação com os deuses internos está relacionada ao Silêncio, onde a Palavra é ouvida. Somente nesta própria guerra a humanidade ficará satisfeita com seus deuses e vice-versa.


A morada do bem


Outro ponto transcendental é a importância dada ao coração como órgão, como morada do bem, essência primordial, como já foi dito, só habitará quem conseguir ver o outro como parte natural daquilo que é no coração a si mesmos, porque só quem contemplar o outro dentro de si, poderá ter Deus como regente de sua casa.


A sacralidade da morte é exaltada, onde deve ser honrada, "as mulheres devem sair para procurar os corpos de seus homens na guerra". O corpo precisa da gentileza, das Palavras e do Silêncio daquele que clama por ele, porque nesse momento tudo se torna um, a natureza se veste do que está contido no outro, das lágrimas, é a água que escorre nas bochechas que une a vida com a morte.


A bondade e o amor


A essência original é a bondade porque é pura, enquanto o amor é enganoso, porque é uma ilusão. A bondade leva à misericórdia mostrando partes da verdade. O amor, ao contrário, percebe o que precisa para se alimentar. Deturpa o sentido das palavras, e o Silêncio porque não escuta, mas cria.


Upanishads


Também grafados Upanixades, Upanissades e Upanichades, são parte das escrituras shruti hindus, que discutem religião e que são consideradas pela maioria das escolas do hinduísmo como instruções religiosas. Não há uma tradução clara desse termo, mas é usado para designar alguém que se senta perto de um professor para ouvi-lo. São os seguintes:


Isha, Kena, Katha, Prasna, Mundaka, Mandukya, Taittiriya, Aitareya, Chandogya, Brihadaranyaka.


Juntos, eles constituem, e provavelmente sempre constituirão, o principal objeto de atenção de todos os que conheçam a religião hindu.


São parte das escrituras shruti hindus, que discutem religião e que são consideradas pela maioria das escolas do hinduísmo como instruções religiosas. Contêm também transcrições de vários debates espirituais. Doze de seus 123 livros são considerados básicos por todos os hinduístas.


Brahmanismo e teosofia


A teosofia se refere a um conjunto de doutrinas filosóficas, místicas, ocultistas e especulativas que buscam o conhecimento direto dos mistérios presumidos da vida e da natureza, da divindade e da origem e propósito do universo.


Brahmanismo – antiga filosofia religiosa indiana que formou a espinha dorsal da cultura daquela civilização por milênios. Se estende de meados do segundo milênio a.C. até o início da era cristã. Persiste de forma modificada, sendo atualmente chamada de hinduísmo.


Brahman – forma masculina e neutra de brahma, é um conceito do hinduísmo, semelhante ao conceito de absoluto presente em outras religiões. O termo designa o princípio divino, não personalizado e neutro do brahmanismo e da teosofia. Não deve ser confundido com brama (sem h), que, juntamente com Vixenu e Xiva, forma a trindade clássica hindu.


Na teosofia, Braman é o "Absoluto", o "Espírito Divino e Infinito" que emana no início de um novo ciclo de manifestação, a Mahamanvantara, expressão usada na teosofia para designar o período de atividade do cosmo, durando o equivalente a 72000 manvantaras, no total 311.040.000.000.000 de anos). Portanto, é a origem e raiz de toda a consciência que evolui neste mundo. Para o hinduísmo, esta evolução ocorre por metempsicose (reencarnação), movimento cíclico por meio do qual um mesmo espírito, após a morte do antigo corpo em que habitava, retorna à existência material, animando sucessivamente a estrutura física de vegetais, animais ou seres humanos.


Trimurti, a principal trindade na religião


Conjunto formado pelos três principais deuses do hinduísmo, Brama, o criador; Vishnu, o preservador e Shiva, o destruidor, considerados por algumas seitas e autores indianos como manifestações ou qualidades de um único deus absoluto ou realidade primordial.


Brama – primeiro deus da Trimúrti, considerado o criador do Universo, dos deuses, da natureza, da consciência e do pensamento humano. É representado com quatro cabeças e quatro braços e aparece sentado em um cisne. Possui quatro cabeças porque, ao criar Sarasvati, a deusa do conhecimento, ela corria para todos os lados, tentando escapar dos olhares de Brahma e para cada lado que ela corria nascia uma cabeça, o que significa todas as direções do conhecimento. É também o deus da música e das canções.


Vishnu, Vixnu ou Vixenu (espalhado ou trabalhador) – um dos deuses principais do hinduísmo, responsável pela sustentação do Universo. Nas duas representações mais comuns, ele aparece flutuando sobre ondas em cima das costas de um deus-serpente chamado Shesh Nag, ou flutuando sobre as ondas com seus quatro braços, cada mão segurando um de seus atributos divinos: uma concha, um disco de energia, um lótus e um cajado.


Shiva ou Mahadeva (benéfico, aquele que faz o bem) – um dos deuses supremos do hinduísmo, conhecido também como "o destruidor e regenerador" da energia vital. Também criou o yoga, devido ao seu poder de gerar transformações, físicas e emocionais em quem pratica a atividade. A serpente que fica em volta do seu pescoço representa o domínio da morte, além de simbolizar o kundalini, uma energia presente na coluna. Quando despertada, é capaz de fazer o alinhamento dos chakras.



O poder de Vishnu e a fé em Shiva


Esses textos se dividem entre aqueles que exaltam o poder de Vishnu e aqueles que têm uma fé inalterável em Shiva. Sua data como tradição oral é marcada no ano 1.000 a.C., mas está registrado por escrito desde o século VIII até 500 a.C. Seus ensinamentos têm várias características, desde aqueles que se assemelham aos Vedas, a instrução de yoga, tantra, ou seja, onde a feminilidade se destaca no poder das deusas e onde o desejo sexual é a base para o desenvolvimento do espírito.


A riqueza desses textos se manifesta na espiritualidade marcada nos espaços, ou seja, cada palavra deixa uma resposta no inconsciente, talvez a esperada. Ensinam a Escutar com a alma por meio da simbologia da vida. Quando essa dialética se encontra com o todo, a liberação ou Moksha, chega quando o karma encontra o conhecimento.


Quem é o verdadeiro sábio, aquele que grita conhecimento ou aquele que se cala? Mostra-se que quem tem excesso de palavras é porque não encontrou a sabedoria necessária para pronunciar os uns precisos, porque os outros espalharam na escuta, e outros revelaram conhecimento no Silêncio.


Os Puranas


Narram a lenda dos deuses e o nascimento da Criação. Seu estilo mitológico marca sua doutrina religiosa a partir da poesia, tendo Brahma e Vishnu como deuses. São conhecidos 18 Puranas, incluindo aqueles que narram o mito do primeiro homem chamado Purusha, que criou o mundo a partir de sua matéria orgânica.


Nesses textos encontramos questões sobre a nossa essência, sobre o que nos rodeia. Somos questionados sobre a verdadeira morada dos instintos, onde estes vivem e as emoções enquanto não os assimilamos na experiência. Também somos questionados sobre o que fazer sem a existência dos deuses.


O que seria do ser humano sem eles? Mas ao mesmo tempo somos informados da traição de Krishna e Rada: ao se apaixonar por Viraja. Zangado, Rama, expulsa esse deus de seus aposentos, mas o deus Daman, irritado com esse ato, a condena a ser mortal.


Nesta jornada narrativa, os Puranas nos ensinam a tríade da visão destrutiva, o que a Palavra faz quando não escuta o Silêncio. Apesar disso, a esperança é restaurada na bondade tão importante no hinduísmo, porque tudo o que é destruído é reincorporado com maior essência e conhecimento. Eles nos ensinam que seja qual for a ordem, o destino procura uma forma de ser cumprido.


Vedanga e vedanta


Sutra (costurar) – estilo literário enigmático, distante da essência da literatura védica, mas relacionado a ela. É o Silêncio que domina o conhecimento. Tem sido considerado como Vedanga. Metaforicamente, refere-se a um aforismo ou a uma coleção de aforismos reunidos num manual ou ainda um ensinamento mais longo, em prosa. Neles são desenvolvidos temas de estado, sobre a essência do homem e sua sexualidade, sendo Sutra o maior Kama (deus do amor e do desejo). Eles são divididos em adyayas (capítulos) e padas (subcapítulos).


Seus ensinamentos falam do destino da alma, impregnada de elementos materiais que servirão ao espírito para obter maior conhecimento para o momento da reencarnação. Trata-se de um ensinamento basicamente religioso em forma de texto, originário das tradições espirituais da Índia, particularmente do hinduísmo, do budismo e do jainismo.


Tantra ou tantrismo – refere-se às tradições esotéricas do hinduísmo e do budismo que conjuntamente se desenvolveram em meados do primeiro milênio d.C. O termo tantra, nas tradições indianas, também significa qualquer "texto, teoria, sistema, método, instrumento, técnica ou prática" sistemática de aplicação ampla.


Ainda que pudéssemos dizer que o tantra é superior ao sutra em incontáveis maneiras, eles podem ser resumidos em três aspectos:


1. o tantra tem muitos métodos,

2. ele não precisa do tempo e da dificuldade do caminho do sutra,

3. é direcionado aos de faculdades mais elevadas.



Ramayana


Formado por quinhentos capítulos e vinte e quatro mil versículos. É uma obra de vários autores do século X a.C. O deus principal é Vishnu (ele engloba o universo com três passos, o deus conservador da tríade), desde sua encarnação com Rama (pertencente aos arianos). Narra a solidão diante da morte, a vida como fortaleza da velhice, onde se pretende que o filho seja aquele que guarda e protege os pais, símbolo da sabedoria. Diante disso, o destino perde as palavras e escreve uma história diferente.


Aqui o bastão não é levado pela Palavra, mas pelo Silêncio, portanto, tudo deve ser escutado a partir da contemplação. A Palavra torna-se a voz do desejo, do anseio, dádiva dos deuses que a escuta, os demônios e o impedimento do bem.


Aranyaka ou Textos da floresta


São textos usados ​​por eremitas, daí seu nome. Suas palavras induzem ao misticismo e dão atenção especial às cerimônias. A simbologia utilizada pelos sacerdotes denota uma mistura mitológica com o processo e significado que os brâmanes atribuem aos rituais e contam com a contemplação dos Upanishads.


Esses textos levam à reflexão e à aproximação da natureza e dos seres vivos, não externamente, mas assimilando-os com as partes do corpo e emoções. Assim, nos dão a entender que somos breves porções do universo, que carregamos dentro de nós em si toda a ação do ato universal, deixando em nós o sentido da não-ação que nos devolve à essência original. O Silêncio, no Aranyaka, se revela como a essência de tudo que busca ser ouvido na não-ação para ser ação na Palavra.


Concluindo, a sacralidade da literatura indiana baseada na tríade Palavra, Escuta, Silêncio, é dirigida especialmente para o cumprimento do destino, que não pode ser alcançado se esta tríade não for pregada particularmente no coração. A humanidade precisa vivenciar esse encontro dentro de si como uma batalha contínua, por isso a batalha é tão importante na literatura indiana, pois é por meio dela que a essência primordial, ou seja, o bem, não encontrará sua sabedoria na razão, nem no amor, mas no encontro com a respiração do coração.

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