Simone de Beauvoir e a ressaca da consciência
- Paulo Pereira de Araujo
- 21 de mai.
- 2 min de leitura
Atualizado: 30 de mai.

Quando o macho lê e fica sem chão
Simone de Beauvoir (Bevuá, pros íntimos), ah, essa mulher me dá azia e admiração ao mesmo tempo. Leio O Segundo Sexo como quem bebe um conhaque forte: queima, incomoda, mas limpa o sangue. Ela não pediu licença pra entrar na filosofia, ela arrombou a porta e ainda levou Sartre pela mão, embora o pessoal insista em dizer que era o contrário. Besteira. Se Sartre era o cérebro, Simone era o fígado: filtrava o mundo com amargura, lucidez e uma dose de ironia francesa que me dá gosto.
Li Memórias de uma moça bem-comportada tarde demais. Já era velho, já tinha criado filhos e feito bobagens demais. Mas entendi, com um tapa literário no rosto, o que é ser mulher numa estrutura que naturaliza o cárcere com flores. Ela tirou o véu da "feminilidade" como se tirasse uma casca de ferida. E mostrou que por trás do mito da mulher estava o artifício dos homens, claro. De mim também. Mea culpa, Simone.
Não concordo com tudo, é evidente. Acho que às vezes ela força o existencialismo numa direção que beira o panfleto. Mas entendo. Quem viveu os escombros da guerra e do patriarcado não tem tempo pra sutilezas. E ela viveu. Amou mulheres, amou Sartre, amou a liberdade, mesmo quando doía.
O que mais me impressiona nela é a lucidez. Uma lucidez que me humilha. Eu, que passo o dia dialogando com minhas culpas e com o olhar acusador do Botox, sou um aprendiz diante dessa mulher que escreveu com o corpo, com a perda, com a carne. Simone me ensina que envelhecer é resistir. E que pensar, de verdade, é um ato perigoso. Por isso ela ainda assusta. E por isso mesmo, continua necessária ֎
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