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Sebastião Salgado - O silêncio depois do clique

  • Foto do escritor: Paulo Pereira de Araujo
    Paulo Pereira de Araujo
  • 24 de mai.
  • 2 min de leitura

O olhar que pedia desculpas


Sebastião Salgado morreu. Eu soube hoje cedo, pela TV, enquanto passava manteiga num pão francês que parecia já ter passado pela história do século XX. Não chorei. Não se chora por deuses. Salgado não fotografava gente, fotografava a dignidade da existência. Transformava sofrimento em uma forma de oração muda. Aqueles olhos que ele captava, de migrantes, de exilados, de mineiros, falavam mais que qualquer tratado de sociologia. E agora se cala também o olhar que captava os outros.


Conheci Salgado num congresso sobre o fim do trabalho, em 1997. Ele, com aquele ar de profeta cansado, barba rala, olhos de abismo. Eu, um editor pretensamente relevante. Conversamos sobre Marx, Amazônia e pão de queijo, o mineiro em nós unindo política e cozinha. Ele me disse que fotografar era uma forma de resistir à anestesia do mundo. E resistiu. Até o fim.


Quando Clarice, minha esposa, ainda era viva, fomos juntos ver a exposição Êxodos, na Paulista. Ela saiu em silêncio. Só à noite, deitada ao meu lado, disse: “Ele fotografa como quem pede desculpa.” Aquilo me ficou. Porque era isso mesmo. Ele pedia desculpa por mostrar o que ninguém queria ver. Fazia isso com uma beleza desconcertante. Que raiva me dava às vezes. Como pode a fome ser bela?


Agora ele se foi, e eu me pergunto quem vai continuar a mostrar o que não queremos ver. Porque selfie não conta, meu caro. Salgado não apontava a câmera pra si mesmo. Apontava pro abismo e o abismo, por um instante, se humanizava. Se existe mesmo céu, Sebastião deve tar lá, pedindo licença antes de clicar Deus de soslaio. Discreto, em preto e branco. Como sempre ֎




 
 
 

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