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Salvador Dalí - Relógios moles e culpa derretida

  • Foto do escritor: Paulo Pereira de Araujo
    Paulo Pereira de Araujo
  • 22 de mai.
  • 2 min de leitura

O Bigode que desconcertava o mundo


Ah, Salvador Dalí. O sujeito que conseguiu a façanha de parecer um delírio mesmo quando tava só tomando café. Um bigode de interrogação permanente, uma alma que pingava tinta surreal até quando respirava. Lembro de ver pela primeira vez a tela A Persistência da Memória e ficar irritado com aqueles relógios derretendo como queijos no sol.


Depois, entendi: eram as horas do tempo mental, o tempo da insônia, da saudade, do delírio. Do tempo que eu mesmo habito desde que a Senhora Soledá alugou um quarto aqui dentro de casa. Dalí tinha essa coisa de espetáculo, de fazer da própria existência uma instalação artística. Era performático, vaidoso, provocador, coisa que me incomodava quando jovem. Eu era muito mais afeito à melancolia dos russos e à secura dos gregos. Com a idade, aprendi a respeitar o delírio bem construído. Há mais verdade num relógio mole de Dalí do que num relatório do IBGE.


O que me fascina nele é o modo como misturava sonho, desejo, medo e luxúria em tinta e tela. Dalí não pintava o mundo: ele o desconcertava. Como se dissesse: “a realidade é uma sugestão, não uma regra”. E isso, pra quem vive cercado de fantasmas é um alívio. Afinal, se os relógios podem derreter, talvez o passado também possa. Talvez até a culpa se liquefaça, escorra da memória, e vá pingar em alguma moldura esquecida.


Sim, Dalí era exagerado. Um exibido. Um gênio. Um homem que entendeu cedo que a sanidade é só um acordo social e que a arte, no fundo, é um jeito sofisticado de enlouquecer em público sem ser internado. Se eu pudesse, lhe daria um abraço. Ou pelo menos um espelho deformado. Ele saberia o que fazer com ele.


 
 
 

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