Padre Lancellotti - Entre o cálice e o cobertor
- Paulo Pereira de Araujo
- 26 de mai.
- 2 min de leitura

Evangelho segundo Lancellotti
Padre Júlio Lancellotti. Quando vejo uma notícia ou algum vídeo circulando nas redes com ele enfrentando marreteiros de pedra ou repartindo marmitas com mãos velhas e firmes fico entre a vergonha e a esperança. Vergonha por mim, que passei a vida toda entocado em livros, discutindo estética e decadência europeia, enquanto ele apanha da polícia porque decidiu dar água e pão aos invisíveis. E esperança porque, num país onde tantos padres se rendem ao estrelismo da homilia sensacionalista ou à bajulação de políticos canhestros, ainda há um que segue Cristo, não o de ouro dos altares, mas o sujo, faminto e descalço.
Não conheço Lancellotti pessoalmente, e talvez seja melhor assim. Ele me causaria um constrangimento teológico e moral. Eu, que passei a juventude flertando com Nietzsche e achando que compaixão era uma forma hipócrita de dominação, teria de admitir, cara a cara, que a ternura pode ser uma revolução. Lancellotti não prega, age. E age com uma doçura insubmissa, como se dissesse: “meu amor não é concessão, é resistência.”
Se um dia me pedirem provas de que Deus ainda tenta alguma coisa por aqui, direi apenas: Padre Júlio. Não como um símbolo de fé cega, mas como testemunho de que a compaixão, quando encarnada, é mais subversiva do que qualquer ideologia. Ele não salva ninguém com promessas, apenas se recusa a virar o rosto. E isso, hoje em dia, é quase um milagre, como também coragem por desagradar àqueles que não sabem o que é privação. Enquanto tantos fazem discursos inflamados sobre justiça, ele a pratica no silêncio das madrugadas frias. É ali, entre cobertores distribuídos e palavras sussurradas a quem já não espera nada, que se escreve a verdadeira liturgia do mundo ֎
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