Nelson Rodrigues - Anjo pornográfico e profeta das sombras
- Paulo Pereira de Araujo
- há 2 dias
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Escrever é pecar com estilo
Nelson Rodrigues foi o maior pecador da literatura brasileira e, talvez, o maior confessor também. Jornalista, dramaturgo, cronista, ele escreveu como quem sangra em praça pública. Nascido em Recife, criado no Rio de Janeiro, viveu entre redações e tabuleiros de xadrez, sempre com um cigarro na mão e um escândalo na ponta da língua. Seu teatro foi uma bofetada na moral de família, essa entidade sagrada que ele chamava, com ironia, de “a instituição mais pornográfica que existe”.
Inventou o “teatro moderno” no Brasil com Vestido de Noiva, em 1943, ao misturar alucinação, tempo psicológico e desejo recalcado. Depois, veio o rosário das “tragédias cariocas”: Álbum de Família, Boca de Ouro, Toda Nudez Será Castigada, Bonitinha, mas Ordinária. Era um cronista da hipocrisia. Seus personagens, adúlteras, virgens suicidas, filhos que desejam as mães e santos canalhas, não cabiam no Brasil certinho da década de 1950. E isso o tornava ainda mais necessário.
Na imprensa, criou o “anjo pornográfico”. Escreveu sobre futebol como se fosse uma ópera italiana, sobre política como se fosse um bordel, e sobre o povo brasileiro como quem vê beleza até na lama. Foi reacionário e revolucionário ao mesmo tempo. Torcia pela moral, mas revelava os subterrâneos mais imorais da alma.
Teve seus filhos, seus amores, suas perdas (um irmão assassinado, uma filha morta jovem), e sua obsessão: o ser humano como palco de contradições. Dizia que toda unanimidade é burra, e talvez por isso fosse tão odiado e amado.
Nelson foi um profeta das sombras. Escreveu tragédias gregas com sotaque de botequim carioca. Expôs o Brasil debaixo do tapete, sem piedade e sem censura. Se o inferno tem dramaturgo, deve assinar Rodrigues, Nelson. E ainda assim, ou por isso mesmo, foi um gênio, um anjo pornográfico ֎
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