Marcelo Rubens Paiva - Entre a tragédia e a piada
- Paulo Pereira de Araujo
- 2 de jun.
- 2 min de leitura

Nem mártir, nem coach
Marcelo Rubens Paiva… nome duplo, ironia fina. Sempre me pareceu um sujeito que aprendeu a rir da tragédia sem fazer dela um espetáculo. Um cronista do corpo quebrado e da cabeça alerta. Quando li Feliz Ano Velho, senti aquele soco que só os bons escritores sabem aplicar, sem aviso, sem piedade, mas com elegância. Ali estava um jovem tetraplégico que se recusava a ser símbolo de superação. Graças aos deuses. Detesto essa palavra com cheiro de palestra motivacional e autoajuda enlatada.
O que Marcelo fez foi diferente: ele encarnou o Brasil dos anos 1980 com a franqueza de quem perdeu o movimento das pernas mas manteve o do pensamento. E que pensamento! Ácido, político, afetivo, debochado. O filho de Rubens Paiva, o deputado desaparecido pela ditadura, Marcelo trouxe pra literatura o peso de uma memória nacional abafada, sem nunca vestir a roupa do mártir.
Gosto da maneira como ele escreve: direto, sem floreio desnecessário, com aquele tom de conversa de boteco entre intelectuais de chinelo. Fala de sexo, de dor, de ditadura, de prazer, de frustração, tudo junto, sem hierarquia de temas. Como deve ser, aliás. A vida não vem em capítulos bem ordenados. Vem em colapsos, e Marcelo entendeu isso cedo demais.
Ele também se jogou no teatro, no jornalismo, no cinema, no ativismo, como quem não se contenta com uma só forma de dizer o que pensa. E pensar, aliás, é o verbo que ele mais conjuga. Em tempos de embrutecimento generalizado, Marcelo Rubens Paiva é um lembrete de que a inteligência não precisa ser sisuda. Pode ter humor, pode ter raiva, pode ter calor humano.
Se há alguém que anda com dignidade entre a tragédia e a piada, é ele. E ainda consegue escrever de um jeito que faz a gente pensar que é fácil, mas não é. Nunca foi ֎
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