Lula, o operário e o parafuso da história
- Paulo Pereira de Araujo
- 2 de ago.
- 2 min de leitura

O operário que furou o script
Ninguém avisou ao Brasil que o metalúrgico de Garanhuns, filho da seca e da fome, se tornaria presidente. E mais de uma vez. Lula é a prova de que a história não é uma linha reta: é um parafuso. O que se apertou demais durante a ditadura, ele afrouxou com um sorriso e um discurso popular. Foi preso por desafiar os patrões e, anos depois, foi preso de novo, dessa vez por desafiar os donos do poder simbólico: os que acham que democracia é só pra quem fala francês e lê o Estadão.
Eu vi Lula discursar na Vila Euclides. Era como se o Brasil falasse com sua própria voz pela primeira vez, rouca, nordestina, cheia de R arrastado e esperança. Nunca foi um intelectual, graças a Deus. Já temos filósofos demais que pensam o povo como um objeto e não como sujeito. Lula foi o povo. Depois representou o povo. E agora é o povo transformado em memória viva, com todos os defeitos e todas as contradições.
Sim, Lula cometeu erros. Mas quem governa com medo de errar, não governa: administra. E Lula, pro bem e pro mal, governou com coragem. Tirou gente da miséria com programas sociais, bancou universidade pra quem só conhecia a escola como ausência, e irritou os colunistas de blazer com sua informalidade. Fez alianças questionáveis? Sim. Mas você já tentou governar o Brasil? É mais fácil organizar um casamento entre escorpiões.
Voltando ao presente: ele tá aí de novo, terceira presidência. Mais velho, mais lento, mais institucional. O país tá mais cínico, mais ferido, e Lula tenta costurar o que restou com as mãos calejadas de quem já apertou muito parafuso. O problema é que o Brasil agora é um carro sem motor, empurrado por haters no WhatsApp.
Mas sigo dizendo: quem duvida de Lula não conhece a força do improvável. Ele é o personagem que fura o roteiro, a pedra no sapato da elite, o operário que subiu a rampa do Planalto e deixou a ferrugem da história pra trás. Se ele falhar? É possível. Mas ao menos tentou. E isso, neste país de desistentes, já é revolução.
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