Clarice Lispector - A estrangeira de todas as pátrias
- Paulo Pereira de Araujo
- 10 de jun.
- 2 min de leitura
Atualizado: 11 de jun.

O lustre quebrado da linguagem
Quem foi Clarice Lispector? Uma mulher que escrevia como se escutasse Deus cochichando num rádio quebrado. Ucraniana de nascença, nordestina por afeto, carioca por insistência e estrangeira em qualquer parte do mundo, até no próprio corpo. Dava entrevistas como quem espreita uma emboscada: com olhos de bicho acuado e frases soltas como navalhas molhadas.
Clarice não foi escritora de histórias, foi desfiadora de abismos. Seus livros não têm começo, meio ou fim. Têm susto, silêncio e um tipo de vertigem metafísica
que só os loucos e os poetas suportam. Não há trama em A Paixão Segundo G.H.: há uma mulher, uma barata e o indizível. Em A Hora da Estrela, ela inventa uma nordestina miserável e a enterra viva nas páginas, sob a pena de um narrador que mais parece um Deus inseguro tentando brincar de ser humano.
Clarice não queria explicar o mundo, queria senti-lo até doer. Escrevia como quem sangra por dentro. E sangrava. Há quem diga que ela era mística; talvez. Eu digo que era uma herege do idioma, uma feiticeira da frase curta e da pausa incômoda. Seu talento era inquietar: lemos Clarice e sentimos que algo essencial tá nos escapando. E tá. Sempre tá.
Quem foi Clarice Lispector? Uma pergunta que se responde com outra: quem somos nós quando lemos Clarice? Eu, por exemplo, me apaixonei. Não por uma mulher e sim por um modo de existir. E é por isso que, mesmo quando fecho o livro, ela continua ali. Como uma oração torta. Como uma presença ausente. Como uma palavra que nunca se deixa nomear ֎
Comments