Cazuza, o tempo não parava...
- Paulo Pereira de Araujo
- 16 de jul.
- 2 min de leitura
Nem Santo, nem mártir

Ah, Cazuza. Aquele menino eterno com voz rouca de urgência, que cuspia poesia como quem sangra. Era um exagerado, claro, e que sorte a nossa. Filho de burguês, sim, mas nunca domesticado. Tinha uma alma de transgressão, dessas que não cabem em palcos pequenos nem em caixinhas morais. Cantava o Brasil como quem xinga e beija ao mesmo tempo. Dizia que via o futuro repetir o passado e eu, cá com meus setenta anos, vejo o presente repetindo o fascismo.
Cazuza era uma espécie de profeta bêbado, um anjo torto que fazia da AIDS uma bandeira sem vergonha, sem piedade, sem disfarce. Foi uma batalha pública que travou com dignidade e escárnio, como se dissesse: “Sim, eu tô morrendo, mas vejam como tô vivo”. E como tava. Escrevia com a força dos desajustados, daqueles que preferem um dia de intensidade a mil anos de conveniência.
Nunca foi só amor. Era desejo, raiva, Senhora Soledá, política, sexo, Senhora Derradeira. Tudo misturado, como deve ser. E tinha uma coisa que hoje faz muita falta: autenticidade. Não esse verniz digital que vendem por aí, mas carne viva, grito, gozo e queda.
Cazuza me lembra que viver não é organizar a prateleira de planos, mas deixar a alma tomar porrada e rir depois. Se tivesse sobrevivido, talvez tivesse virado um velho cínico como eu. Ou talvez não. Talvez tivesse virado presidente. Ou guru. Ou mendigo. Vai saber. Ele era imprevisível, como os cometas que iluminam e queimam tudo ao redor.
No fundo, acho que Cazuza cantava pra que a gente não esquecesse que viver é urgente. Mesmo quando o tempo parece desabar sobre a cabeça, como agora.
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