top of page
  • campusaraujo

A caverna de Lascaux, na França

Atualizado: 17 de ago. de 2023


Na postagem anterior, apresentamos um panorama da arte na Pré-História, com destaque para a arte rupestre. O termo denomina gravação, traçado ou pintura sobre suporte rochoso. A diferença entre pintura e gravura é que a pintura era feita diretamente na parede, enquanto na gravura era utilizada alguma ferramenta para fazer sulcos na rocha que, posteriormente, era pintada, criando um relevo. A gravura, portanto, só era feita em rochas menos duras. Considerada a expressão artística mais antiga da humanidade, foram realizadas em cavernas, grutas ou ao ar livre.


Arte pragmática e, quem sabe, também ritualística


O naturalismo era a principal característica da arte nesse período, ou seja, desenhar e pintar a natureza como aparecia para o artista. Uma representação da realidade, ou da imaginação, o mais natural possível, para que o observador pudesse identificar e compreender seu conteúdo.


A arte produzida possuía uma utilidade material e cotidiana. Tudo gravitava em torno da subsistência, o que leva a crer que a arte não possuía outro propósito a não ser o de conseguir um meio de obtenção de alimento. Também não poderiam ser interpretadas como uma forma de expressão.


Isso leva a acreditar na tese de que eram utilizadas em rituais. Ao evoluir intelectualmente, o homem se torna capaz de compreender uma imagem conforme seu significado simbólico. O artista caçador desenvolveu uma visão aguçada e profundos conhecimentos da vida animal. Conseguia, assim, reproduzir com realismo as formas desses animais, com detalhes e cores que só seriam vistos mais tarde, na evolução das artes visuais.

Baseado nesse sentimento de posse o pintor caçador supunha que, ao produzir a imagem de um animal, teria poder sobre a “alma” do animal, podendo assim interferir na realidade. As pinturas eram concebidas como um ser vivo, como um animal que existia realmente e não como uma simples representação.


Ele acreditava que cada imagem deveria ser “utilizada” somente uma vez, por isso algumas imagens se sobrepõe a outras e foram feitas em épocas diferentes. Provavelmente, quando ele desenhasse um animal e sentisse que já o possuía, não mexia mais na imagem. Então começava outra que poderia até se sobrepor à anterior. Acreditava assim que mataria o “espírito vital” do animal verdadeiro se o ferisse em um desenho.


A caverna de Lascaux


O Périgord, no sul da França, é o paraíso das grutas e cavernas com mais de mil delas em seu subsolo. O calcário é o material perfeito para correntes subterrâneas criarem buracos para formar grandes sistemas de cavernas.


Localizada na região de Dordogne, perto da vila de Montignac, na França, a Caverna de Lascaux (Grotte de Lascaux), com mais de 6.000 amostras de arte rupestre, que incluem pinturas e gravuras, se equipara a um grande museu de arte com mais de 200 metros. Junto das cavernas de Chauvet (França) e de Altamira (Espanha), é um dos sítios arqueológicos mais importantes do mundo. Contém uma das mais notáveis exibições de arte pré-histórica do período Paleolítico Superior, entre 20.000 e 15.000 a.C.


No dia 12 de setembro de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, Robot, o cachorro do jovem Marcel Ravidat, caiu em um buraco nas imediações do complexo. Desesperado, ele e seus amigos, Jacques Marsal, Georges Agnel e Simon Coencas entraram na caverna por um poço de 15 metros de profundidade. Perceberam então que as paredes estavam cobertas de representações de animais. Acredita-se que o fechamento da caverna ocorreu pouco depois de terminar suas pinturas há mais de 17.000 anos.


Entrada da caverna de Lascaux - 1940. Da esquerda para a direita: Leon Laval (professor), Marcel Ravidat, Jacques Marçal (0s dois descobridores) e Henri Breuil.


Em 21 de setembro, os garotos voltaram junto com o abade Henri Breuil. Ele fez diversos esboços da caverna, usados até hoje por alguns historiadores devido à extrema degradação de muitas das pinturas nas paredes. Breuil levou Denis Peyronu, o curador do Museu de Pré-História da comuna francesa de Les Eyzies, além de Jean Bouyssonie e o Dr. Cheynier. Foram também encontradas muitas ferramentas de pedras e de ossos, algumas com sinais de terem sido usadas especificamente para talhar gravuras nas paredes.



Os primeiros moradores da caverna


Os humanos anatomicamente modernos (homo sapiens) se estabeleceram na Europa pelo menos desde 40.000 a.C. De acordo com registros arqueológicos, os humanos já estavam presentes em grande número naquela região entre o sudeste da França e a Cordilheira Cantábrica, no norte da Espanha, que inclui Lascaux. A caverna em si mostra apenas um assentamento temporário, que provavelmente teve a ver com atividades relacionadas à criação de arte. No entanto, é possível que os primeiros metros da entrada vestibular da caverna (local que ainda atingido pela a luz do sol) tenham sido permanentemente habitados.


O complexo de Lascaux

A área total é composta pela caverna principal com cerca de 20 metros de largura e 5 metros de altura, e várias galerias íngremes, cada uma magnificamente decorada com figuras gravadas, desenhadas e pintadas. As pinturas foram feitas sobre um fundo claro em vários tons de vermelho, preto, marrom e amarelo. Em alguns lugares, um andaime foi claramente usado para alcançar as paredes altas e o teto. Entre as imagens mais notáveis estão:


֍ quatro enormes auroques, uma espécie extinta de gado, com cerca de 5 metros de comprimento, com seus chifres retratados em uma “perspectiva distorcida”;


֍ um curioso animal de dois chifres, apelidado erroneamente de “unicórnio”, talvez concebido como uma criatura mítica;


֍ numerosos cavalos; as cabeças e pescoços de vários veados com 3 pés (quase 1 metro) de altura, que parecem estar nadando em um rio;


֍ uma série de seis felinos; dois bisões machos;


֍ uma rara composição narrativa, no fundo de um poço, que tem sido interpretada como um acidente de caça ou como uma cena xamânica.


O xamanismo é uma percepção religiosa que confere ao xamã, a capacidade de entrar em transe e se conectar com o mundo espiritual. Isso o capacita a curar doenças, influenciar a natureza, facilitar a caça, adivinhar segredos, predizer o futuro, afastar o mal ou exercer funções de um sacerdote.



Apesar de sua fama e importância, Lascaux é muito mal datada. A datação por radiocarbono de algum carvão deu uma data de 17.000 anos, e a visão ortodoxa é que a caverna é uma coleção amplamente homogênea de imagens abrangendo no máximo alguns séculos antes e depois dessa data. Outros especialistas estão certos de que a arte da caverna é um acúmulo altamente complexo de episódios artísticos de um período muito mais longo. Divididos ao longo de três grandes eixos, os setores alcançam juntos acessíveis 235 metros de comprimento.


Aberta ao público em 1948 e fechada em 1963


A caverna estava em perfeitas condições quando descoberta e foi aberta ao público em 14 de julho de 1948, ainda em plenas investigações arqueológicas. O nível do piso foi rapidamente rebaixado para acomodar uma passarela. A caverna foi dividida em sete áreas: a Sala dos Touros, a Galeria Axial, a Passagem, a Nave, a Câmara dos Felinos e o Poço.


O tráfego de pedestres que se seguiu (até 100.000 visitantes anuais) e o uso de iluminação artificial causaram o desbotamento das cores outrora vivas e provocaram o crescimento de algas, bactérias e cristais. Uma grande quantidade de informações e materiais arqueológicos cruciais foram destruídos nesse processo.


Em 1955 foi constatado que as pinturas continuavam sendo danificadas devido à presença de mais de 1.200 visitantes diários, o que produzia dióxido de carbono, calor, umidade e outros agentes contaminantes como fungos e líquens. Primeiro com algumas algas – doença verde – e depois cristalizações nas paredes – doença branca.



A caverna foi definitivamente fechada ao público, em 1963. O crescimento de cristais foi interrompido e o de algas e bactérias foi revertido. Em 2001, microrganismos, cogumelos e bactérias foram novamente observados na caverna, por isso o monitoramento diário das condições continua. Em 1983, uma réplica parcial, a Lascaux II, foi aberta nas proximidades para exibição pública.


A arte em Lascaux foi pintada e gravada nas paredes irregulares da caverna; os artistas trabalharam com as bordas e curvas das paredes para aprimorar suas composições. As incríveis decorações resultantes retratam principalmente animais, mas também uma boa quantidade de símbolos abstratos e até mesmo um ser humano.


Condições de trabalho e materiais utilizados


As imagens, em sua maioria, foram pintadas em cores vermelha, amarela e preta de vários pigmentos minerais, como compostos de óxido de ferro. Análises das pinturas indicam que as cores foram aplicadas pulverizando os pigmentos através de um tubo, esfregada com a ponta dos dedos ou gravadas em trechos em que a superfície da rocha é mais macia.


A escolha das técnicas e ferramentas dependia das características das paredes e teto da gruta. Na Sala dos Touros, por exemplo, o suporte é duro e de textura rugosa. Neste caso, o desenho foi a melhor alternativa. No entanto, em outras seções, como a Câmara dos Felinos, era possível criar figuras por meio de gravura, pois a rocha já havia começado a se desintegrar um pouco devido à corrosão. Outra técnica utilizada foi a pintura soprando tinta seca com ferramentas feitas de ossos ocos.


Algumas figuras usam até as formas naturais da rocha como partes delas mesmas. A forma da parede, portanto, influenciou parcialmente a composição, sendo utilizada na construção das silhuetas dos animais.


Descobertas feitas na caverna mostram que suas partes mais profundas eram iluminadas com fogueiras e lamparinas de arenito (foto), acesas com gordura animal. Os artistas podem ter usado minerais como pigmentos para suas imagens. Os tons vermelho, amarelo e preto predominaram.


O vermelho era extraído da hematita, bruta ou encontrada em argila vermelha e ocre. O amarelo com oxi hidróxidos de ferro. O preto era obtido a partir de óxidos de carbono ou manganês. Os pigmentos eram preparados moendo os ingredientes, que depois eram misturados ou aquecidos e finalmente aplicados nas rochas. As técnicas de pintura incluíam desenhar com os dedos ou carvão e adicionar cor com "pincéis" feitos de cabelo ou musgo.



O que chama a atenção é o fato de não existirem depósitos conhecidos dos óxidos de manganês encontrados em Lascaux e ao seu redor. A fonte mais próxima fica a 250 quilômetros de distância, nos Pirineus centrais, o que pode indicar uma rota comercial ou de abastecimento. Não era estranho para os humanos daquela época extraírem seus materiais em lugares tão distantes.


Os pigmentos usados ​​em Lascaux contêm vestígios de chifre de rena, usado para misturar os pigmentos na água. Os restos de mariscos, alguns deles perfurados, enquadram-se bem nas evidências do uso de ornamentos pessoais pelos humanos que viveram na Europa durante o Paleolítico Superior.


Manutenção da caverna


Conforme o site oficial das cavernas de Lascaux, o governo francês desembolsa um montante de 600 mil euros por ano para manter a preservação das pinturas e patrocinar as pesquisas avançadas. Isso foi fundamental para cuidar do frágil ecossistema da caverna, que só é relativamente estável atualmente, o que não a torna menos vulnerável, devido ao seu fechamento ao público.


Desde 1979, o complexo da Caverna de Lascaux é um Patrimônio Mundial da UNESCO, junto com outras 25 cavernas pintadas e 147 assentamentos pré-históricos localizados no vale de Vézère. Três réplicas foram construídas e abertas para os visitantes.



A primeira, chamada Lascaux II, está localizada a não mais de 200 metros da caverna original e replica as seções do Grande Salão dos Touros e da Galeria Pintada. Há também a Lascaux III, uma exposição móvel e a Lascaux IV, conhecida como Centro Internacional de Pinturas Rupestres, a réplica completa mais recente, a 800 metros da rede da Lascaux original.


Graças à digitalização 3D, cada centímetro da caverna original foi recriado usando técnicas de poliestireno, resina e fibra de vidro. Uma equipe de 34 artistas copiou as pinturas nas novas paredes e tetos. O projeto custou US$ 70 milhões. A réplica consumiu três anos de trabalho no Perigord Facsimile Studio.



Links utilizados e sugeridos




25 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page