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Filosofia oriental - Mesopotâmia


Relação entre filosofia oriental e filosofia ocidental


Na última postagem, começamos a discutir se o pensamento oriental antigo pode ser definido como filosofia ou religião. Como já mencionei, uma das coisas mais difíceis na filosofia é o consenso, o que não é ruim porque são as dúvidas que movimentam o mundo das ideias e do espírito. Portanto, o que mais importa aqui não é a certeza e sim a busca incessante por respostas às eternas indagações humanas. Este é um ponto de partida para que você, leitor, encontre as respostas que lhe satisfaçam.


O pensamento oriental tem como bases principais a tradição religiosa, a concepção de mundo, os problemas de comportamento social, mas não a pura razão teórica surgida na Grécia. O pensamento ocidental tende, salvo em alguns representantes, não tanto para o universal como para o superficial; ele se desenvolve no raciocínio puro ou em um empirismo circunscrito ao mais imediato, tende para o método e para o aperfeiçoamento das técnicas, com esquecimento crescente dos motivos cósmicos e, sobretudo, da tradição.


Por muito tempo, no Oriente, mito e religião andaram juntos com a filosofia, o que não significa imobilismo das ideias. Quando os primeiros gregos se perguntavam o que é o homem, já o colossal esforço de sistematização de doutrinas estava pronto, ou em adiantada elaboração nestas três regiões do Oriente:


  • Mesopotâmia - já em 4.000 a.C., assírios e caldeus estruturaram uma visão de mundo que perdurou até Zoroastro (ou Zaratustra) propor um deus único e fazer uma reforma religiosa, no atual Irã.

  • Índia - os textos dos Vedas (Livros do Saber) formaram mentes já em 1.500 a.C., e o hinduísmo, o bramanismo e o budismo vieram à tona até o século VI a.C.

  • China - a Dinastia Chang já introduzia transformações culturais em 1.600 a.C. Depois, veio a expansão do misticismo Tao do e a sistematização religioso-político-familiar de Confúcio, que moldou a sociedade chinesa dos séculos seguintes.

Mesopotâmia


Na região da Ásia, entre os rios Tigre e Eufrates (atuais Iraque e Irã) surgiram não só inovações como a roda, a organização da agricultura e a engenharia hidráulica, mas também a primeira escrita (a suméria) de que se tem notícia. Cidades como Nippur, Uruk e Eridu já existiam em 3.000 a.C., com um comércio que cresceu regularmente e uma cultura que se estendeu a povos vizinhos e alcançou terras longínquas como a Índia e a China. A Mesopotâmia divide-se em duas partes:


Alta Mesopotâmia ou Assíria, ao norte - região montanhosa na qual se destacaram as cidades de Assur e Nínive. Os assírios, povo essencialmente guerreiro, dominaram esse território de 612 a.C. a 539 a.C.;


Baixa Mesopotâmia ou Caldeia, ao sul - habitada pelos sumérios e pelos acádios, povos que construíram grandes cidades, como Ur e Nipur. Atribui-se aos acádios a fundação da Babilônia.


Naquela região árida, as chuvas eram tão escassas quanto no Egito, mas a construção de canais de irrigação permitiu um desenvolvimento econômico notável: no verão, período de cheias dos rios, a água era represada para ser distribuída nos períodos de seca. Entre muitos povos, a região foi habitada por sumérios, amoritas, assírios, caldeus e acádios.


A invenção da escrita


Segundo alguns historiadores, a escrita distingue a sociedade pré-histórica das sociedades históricas. Acredita-se que ela tenha sido inventada na Mesopotâmia em torno do ano 3000 a.C., embora outras formas de escrita tenham sido criadas de modo independente.


No tempo em que o homem vivia em pequenas aldeias, conseguia guardar na memória o nome das pessoas que faziam parte do seu grupo, a quem pertencia a cada rebanho, a quantidade de grão escolhida, entre outras informações. Porém, quando os grandes impérios se formaram, tornou-se necessário criar um sistema de controle que preservasse o maior tempo possível as informações que interessavam ao rei e ao seu governo, como os nomes dos seus súditos, os impostos pagos por eles e os valores envolvidos nas transações comerciais.


A escrita surgiu para atender a essa necessidade. Logo outros assuntos começaram a ser registrados por escrito. Apareceram, assim, os livros sagrados, os códigos de leis, os livros das várias áreas do conhecimento e as obras literárias.




Os materiais da escrita


Na Antiguidade, os povos escreviam sobre materiais bastante diferentes: os sumérios utilizavam tabuinhas feitas de barro, os egípcios usavam folhas de papiro, planta encontrada em abundância nas margens do Rio Nilo. Os chineses são responsáveis por um invento fundamental no século 105 a.C.: o papel.


Os escribas


Especialistas na arte de escrever, os escribas eram responsáveis por redigir os documentos oficiais, assim como por calcular os impostos reais e os valores das mercadorias que entravam e saíam dos armazéns do Palácio. Os aprendizes entravam na escola de escribas aos oito anos de idade e lá permaneciam cinco anos para aprender o ofício. Os escribas gozavam de grande prestígio e boa condição financeira.


Código de Hamurabi


Por ser uma região de passagem de vários povos, os amoritas perceberam que, para manter a ordem nas relações sociais, era preciso criar um código que fosse reconhecido e aplicado pela população. Em 1772 a.C., o rei Hamurabi, que governou a Mesopotâmia de 1792 e 1750 a.C., deu início à elaboração desse compilado.


O Código de Hamurabi foi o primeiro código de leis da história. Esse código tinha como base a lei de Talião, que punia o criminoso de forma semelhante ao crime cometido. Eram 281 preceitos registrados em uma pedra com a escrita cuneiforme. Atualmente está em exposição no museu do Louvre, em Paris. O objetivo do código era garantir uma cultura comum e a unificação do reino babilônico.


Com as invasões ao Império Babilônico, o Código de Hamurabi foi levado para a cidade de Susa, no atual Irã. Em 1901, uma expedição francesa redescobriu a pedra onde o código foi escrito. O abade Jean-Vincent Scheil, religioso francês e estudioso dos povos antigos, fez a tradução do código logo após a pedra desembarcar em Paris.

Religião e filosofia


O pensamento religioso dos povos mesopotâmicos tinha traço dualista, admitindo a existência de deuses inclinados para o bem e para o mal. Dessa maneira, a magia, a adivinhação e a astrologia eram utilizadas como meios de interação e conhecimento dos desígnios desse complexo conjunto de divindades. Um pensamento com maior grau de elaboração surgiu nessas primeiras células da vida urbana, em uma área que depois viu florescerem as cidades de Nínive e Babilônia.


A crença original na Deusa Mãe, que no período Neolítico personificava a fertilidade da terra, desdobrou-se em inúmeros cultos a divindades ou entes sobrenaturais que correspondiam às forças da natureza. A deusa Anu é a abóboda celeste. Ela simboliza a água e sua fertilidade. Istar representa o amor e as relações sexuais.



Os deuses comandam os fenômenos da natureza e, aos poucos, assumem o papel de causadores dos acontecimentos humanos: a guerra, a paz, o sucesso e a desgraça. Por volta de 2.000 a.C., Hamurabi estabelece o culto a Marduk, ou Baal, reverenciado como o mais importante dos deuses.


Baal aparece frequentemente mencionado na Bíblia. Em Canaã era muito venerado como deus do Trovão. O seu nome é uma palavra semítica que significa "senhor" ou "dono", sendo inicialmente um título que depois se tornou nome próprio.


A quem Acabe culpou pela seca? (I Reis 18:17) Segundo Elias, qual era a causa da seca? (I Reis 18:18) Diga que Acabe e Jezabel, sua mulher, fizeram os israelitas afastarem-se do Pai Celestial e adorarem a um falso deus, um ídolo chamado Baal.


O complexo sistema de deuses e crenças é depurado no século VIII a.C. por Zoroastro que, na Pérsia (atual Irã), afirma existir um único deus, Ahura Mazda, o princípio do Bem. Existente na mente de cada homem, ele luta constantemente contra Ariman, o princípio do Mal. Cabe a cada ser agir corretamente para a vitória do Bem. Portanto, são rejeitados a ira dos deuses ou os fenômenos naturais. A busca de explicações pede mais ordem e clareza e maior grau de abstração.


Havia um panteão de deuses que acreditavam controlar vários aspectos da vida. Os deuses criaram tudo. Eles controlavam as forças naturais do universo que podiam ser apaziguadas por meio de orações, rituais e sacrifícios. A concepção teocêntrica destacou o pequeno lugar que o ser humano ocupava no cosmos e desenvolveu toda uma reflexão moral.


O pensamento mesopotâmico está contido em hinos, orações e rituais. É necessário levar em conta os diferentes e numerosos mitos que constituem uma fonte indubitável de informações a esse respeito, mas que devem ser interpretados. Não é fácil de entender e discernir entre eles, os que contém explicações verdadeiras e aqueles que fazem parte de encantamentos e rituais de festas religiosas, contendo episódios expressos por meio de gestos.


Tanto os babilônios quanto os sumérios aceitavam a identidade do nome e da coisa significada, pois, para eles, ter nome era sinônimo de existir. O conhecimento dos nomes divinos tinha uma enorme ressonância. No início, a terra e o céu estavam unidos. A deusa Nammu era a mãe do céu e da terra, e representava um abismo de água doce sobre o qual o mundo repousava e flutuava. Assim, para os sumérios, o abismo de água doce era aquele que dera origem ao céu e à terra, unida em um todo, na forma de uma montanha. Dessa união surgiu o deus da atmosfera, que foi quem os separou. Todo o país era um mar.


Os deuses primitivos foram criados ou surgiram, como se tivessem nascido daquele casal. O primeiro dos deuses que apareceu dotado de certa personalidade foi Ea, deus das águas, chamado de procriador, e que é descrito como antropomorfizado. Quanto aos deuses mais jovens, eles entraram em conflito com seus ancestrais por causa do barulho que a geração mais jovem produzia em suas saídas e entradas.


Mas ambos os deuses, como os homens, como a terra, faziam parte do cosmos, todos tinham uma matéria primitiva comum e foram incluídos em seu futuro.

E foi na consciência dos deuses que se deu a gênese dos primeiros desejos de morte. Os sumérios e os babilônios cultuavam três tipos de divindades:


o céu, as águas, a terra e os infernos, que correspondem aos diferentes elementos do mundo;


o sol, a lua e as estrelas, que são as divindades astrais;


o fogo, o raio, o furacão; os deuses da fertilidade, que constituem as forças da natureza.


Isso revela o intenso sentimento de comunhão com a natureza, juntamente com a concepção do céu sem limites, da força do vento e da fertilidade das águas. O ser humano sente-se assim diminuído perante a imensidão e o jogo das forças da natureza, e atribui aos princípios criadores sentimentos e uma inteligência comparável ou mesmo superior à dos homens. Como a terra e o céu, eles saíram da mesma matéria primitiva. Os deuses preservavam a moralidade, a doçura, a brutalidade e a majestade. Semeavam terror e castigavam, mas também inspiravam confiança e afeto.



A concepção suméria e semita tinha uma regra que constituía o germe da existência de todos os seres vivos e atividades criadas, era uma espécie de arquétipo que dirigia e marcava o rumo, o funcionamento e a natureza da existência. Arquétipo é um conceito da psicologia utilizado para representar padrões de comportamento associados a um personagem ou papel social. Esses “personagens” têm características percebidas de maneira semelhante por todos os seres humanos. Os deuses possuíam esse arquétipo ou totalidade, e o transmitiram, mas não o criaram, porque era um poder eterno, uma força inigualável, capaz de se materializar nos seres que o executavam.


Enquanto os sumérios admitiam que existiam poderes divinos abstratos, independente dos deuses, os semitas, por sua vez, não conceberam uma transcendência externa aos deuses, e o que fizeram foi desenvolver ao máximo o conceito de personalidade.


De qualquer forma, os babilônios, ao aceitar e adotar o panteão sumério como seu, também assimilaram suas próprias divindades às de seus vizinhos, e as circunstâncias políticas apenas aceleraram esse processo. Quando as monarquias da Assíria e da Babilônia conseguiram formar impérios universais, essa unificação de territórios serviu também para unificar o panteão.


Ao mesmo tempo em que acontecia esse processo unificador, o movimento em direção à unidade, havia um grande interesse em aprofundar o próprio conceito de "deus", embora o antropomorfismo não fosse superado. Foi feito um esforço de abstração e uma insistência no sentimento para com o desconhecido.


Não há pureza no homem


Por sua própria natureza, o homem perpetua o sacrifício de Kingu, ou seja, assume, indiretamente, a falta que os deuses cometeram, bem como o castigo. Portanto, um estado inicial de pureza não pode ser admitido para o homem, pois, mesmo que ele não tenha cometido essa falta, sua origem divina já está manchada por ela, de modo que ele nasceu impuro. Não há como deixar de notar a semelhança com o pecado original dos hebreus.


O sopro fornecido pelos deuses ao homem permitia seu nascimento, e quando esse sopro era retirado (que tomava o sentido da vida) o indivíduo tornava-se uma espécie de sombra indiferenciada que, ou se retira para o inferno, ou vagueia em busca de comida e um enterro decente. Precisamente o destino que os mortos podiam sofrer era o que mais preocupava os narradores, aquela escuridão que os cercava, ou a poeira de onde provavelmente caíram.


A morte trouxe consigo e ativou a reflexão sobre a moralidade na Mesopotâmia, a justiça adquiriu grande importância, as inúmeras leis e regulamentos dos assírios e babilônios manifestam essa preocupação jurídica. Mas aquelas leis e aquelas normas que os soberanos preconizavam não procuravam servir apenas para regular a vida social dos indivíduos, mas antes destacavam a preocupação pelo fato de que a justiça é a que prevalece, assim como a ordem dos deuses, e manifestam a justiça e a ordem do mundo supremo das divindades.


A busca pela justiça


Esse interesse pela justiça buscava a repressão dos ímpios e dos perversos para evitar que os fracos fossem esmagados pelos fortes, a fim de dar luz ao país. No entanto, levantou-se também o problema de como explicar o fato de os justos sofrerem e os ímpios triunfarem, pois se os deuses, que são os que gozam de maior poder, têm em suas mãos a vida dos homens e recompensam a justiça e punem iniquidade, como explicar tamanha injustiça?


O problema já havia sido levantado na Dinastia Ur e havia três textos dedicados a essa questão. Acima de tudo, as soluções apontam para o fato de que o sofrimento dá origem à certeza da libertação, e a partir desse momento ocorre a ascensão. Os deuses mantêm seu poder e controle, sem esquecer a vontade de compreender por parte do homem a crença implícita no valor da argumentação racional, que confere ao ser humano uma integridade capaz de enfrentar tudo o que estiver em seu caminho.



O conceito de alma


Um dos conceitos filosóficos mais importantes na antiga Mesopotâmia era o da alma, considerada imortal e composta por duas partes, o fôlego da vida e o espírito. A alma era essencial para a vida. Após a morte ela deixava o corpo e viajava para o submundo, onde seria julgada. O julgamento determinaria se ela seria recompensada ou punida.


A natureza da realidade


A realidade era composta de dois reinos separados, o físico e o espiritual. O Reino físico era o mundo da experiência cotidiana e o Reino espiritual era o mundo dos deuses e da vida após a morte. O Reino espiritual era mais importante. O objetivo final da vida era alcançar um relacionamento positivo com os deuses. Já o Reino físico estava sujeito a mudanças e decadência. O Reino espiritual era eterno e imutável. Os deuses controlavam as forças naturais do universo, por isso era importante entender e respeitar o poder deles.


O problema do mal


Os deuses eram responsáveis por tudo o que era bom ou ruim, mas às vezes era difícil entender o porquê de coisas ruins acontecerem com pessoas boas. Por isso, era importante manter um relacionamento positivo com os deuses, mesmo diante do sofrimento e da adversidade.


A epopeia de Gilgamesh


Uma das obras mais famosas da literatura mesopotâmica, narra a história de Gilgamesh e sua busca pela imortalidade após a morte de seu amigo, Enkidu. Ele embarca em uma jornada para encontrar uma planta que pode lhe conceder a vida eterna, mas acaba falhando em sua busca. A obra levanta questões filosóficas importantes sobre a natureza da imortalidade. Também explora a relação entre os humanos e os deuses e a importância de viver uma vida virtuosa.


Filosofia babilônica


As origens da filosofia babilônica podem ser observadas desde o remoto conhecimento mesopotâmico, o que embasou certas filosofias de vida, particularmente a ética. Essa filosofia babilônica estava presente mais em formas de dialeto, diálogos, poesia épica, folclore, hinos, prosa e provérbios.


O Manual de diagnóstico médico de Esagil-kin-apli, um escrito datado do século XI a.C., foi baseado em um conjunto de axiomas lógicos, incluindo a visão moderna de que por meio do exame e checagem dos sintomas de um paciente, é possível determinar a doença, seu desenvolvimento e as chances de recuperação.


Durante os séculos VIII e VII a.C., astrônomos babilônicos começaram a estudar filosofia. Inicialmente lidaram com a natureza ideal do universo e começaram a empregar uma lógica interna em seus previsíveis sistemas planetários, o que contribuiu muito para a filosofia da ciência e para a astronomia em geral.


É bem provável que a filosofia da Babilônia tenha influenciado a filosofia grega, particularmente a helenística. O texto babilônico Diálogo do pessimismo contém similaridades com o pensamento agnóstico dos sofistas, os diálogos de Platão e o método socrático.


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