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Higuchi Ichiyô - Viveu pouco, mas produziu muito

campusaraujo

Atualizado: 14 de fev.

小さな葦の葉の生活


Principal escritora japonesa da Era Meiji

Higuchi Ichiyô pseudônimo de Higuchi Natsu, também chamada Higuchi Natsuko, poeta e romancista foi a escritora japonesa mais importante e a primeira romancista profissional no Japão do final do século XIX.


Seus trabalhos retratavam os bairros de lazer licenciados de Tóquio.


Destacou-se por sua sensibilidade na retratação da vida das classes humildes de Tóquio durante a Era Meiji. Nascida em uma família de samurais empobrecidos, recebeu uma educação refinada, que incluía estudos em literatura clássica japonesa. Sua escrita, influenciada pelos monogatari e pelo haikai, combinava estilo clássico com realismo social. Em sua curta vida de vinte e quatro anos e, em particular, durante um ano e dois meses antes de sua morte, ela deixou obras que foram altamente relevantes na história da literatura japonesa moderna. Foram vinte e dois livros, oito publicados nesse período de quatorze meses.


Seu talento despontou em contos como Takekurabe (Comparando alturas), que retrata crianças de um bairro de prostituição confrontando a perda da inocência, e Nigorie (Águas turvas), que narra as dificuldades das mulheres que vivem nesse meio. Seus textos revelam profunda empatia pelas dificuldades das camadas populares, especialmente mulheres marginalizadas. Escrever sobre literatura japonesa não é uma tarefa fácil dada à escassez de livros japoneses publicados no Brasil. Boa parte do meu trabalho está embasada na dissertação Considerações sobre a obra Nigorie (Enseada de águas turvas) e sua autora Higuchi Ichiyô (1872 – 1896) da professora Rika Hagino, apresentada ao Programa de Pós-graduação em língua, literatura e cultura japonesa do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Xogunato Tokugawa (1603-1868)

O Xogunato Tokugawa (1603-1868) foi um regime feudal militar que governou o Japão a partir de Edo (atual Tóquio). Liderado pela família Tokugawa, centralizou o poder, isolou o país do Ocidente (Sakoku) e impôs rígida hierarquia social. Os samurais serviam aos daimyos, que respondiam ao xogum. O período trouxe estabilidade, crescimento econômico e florescimento cultural, mas impôs resistência à modernização. Em 1853, navios americanos forçaram a abertura do Japão, gerando crises internas. A Restauração Meiji de 1868 encerrou o xogunato e restaurou o poder imperial e iniciou a modernização do Japão.

O livro Ôtsugomori (1894) abriu as portas para a fase realista da escritora. Nessa obra, as personagens que antes dela eram descritas com base em elementos emocionais, foram retratadas por meio da descrição direta da vida da mulher que sofre com a pobreza, reflexo da própria vivência da autora. Ichiyô se afasta do mundo imaginário das obras anteriores e utiliza elementos reais. Ôtsugomori é uma história com o início e o fim bem estruturados, sem o ar clássico, das ideias desbotadas. Seus textos ficam mais simples, concisos e com ideias definidas. Ao mesmo tempo que buscava a realidade da vida, ela se amparou nas suas próprias experiências.

A Era Meiji (1868-1912)

A Era Meiji (1868–1912) marcou a modernização do Japão após séculos de isolamento sob o xogunato Tokugawa. Com a Restauração Meiji, o imperador recuperou o poder, iniciando reformas que ocidentalizaram o país. Houve industrialização acelerada, criação de um sistema educacional moderno e adoção de instituições políticas inspiradas no Ocidente, culminando na Constituição de 1889. O Japão fortaleceu seu exército, derrotando China (1895) e Rússia (1905), tornando-se uma potência. Apesar do progresso, a rápida modernização trouxe desigualdades sociais. A Era Meiji transformou o Japão de um feudo agrário em uma potência industrial, moldando seu destino no século XX.

 Do orgulho samurai à extrema pobreza


Nascida na Era Meiji com fortes resquícios do feudalismo, numa época em que a posição socioeconômica de uma mulher ainda não tinha a liberdade de hoje, a escritora sujeitou-se aos conceitos de virtude social da época, sem revoltar-se contra a sua realidade e sem clamar pela liberdade feminina.


De uma família em decadência face ao novo regime político e social da Era Meiji, teve sua situação agravada devido às dívidas deixadas pelo pai. Porém, ela não perdeu o orgulho de pertencer à classe dos samurais, característico das mulheres daquela época. Entrou na alta sociedade devido à sua prática poética, costume tradicional na educação feminina.


A fina ironia da vida


Higuchi Ichiyô sofreu muito com a falta de dinheiro na sua curta vida. Consagrada como uma das escritoras mais importantes da literatura japonesa, o seu retrato foi adotado para a nota de 5.000 ienes do Banco do Japão, em 01 de novembro de 2004. Ichiyô é a primeira mulher a ter seu retrato baseado em fotografia usado em uma nota no Japão.


Mas nada disso impediu que ela vivesse na extrema pobreza. Vivenciou a realidade da classe mais baixa da sociedade compartilhando os sentimentos das mulheres sem privilégios.


Ichiyô foi a primeira escritora da época a expressar de forma tão direta a tristeza das mulheres abandonadas pela sociedade injusta. Seu romantismo repleto de emoção ao descrever personagens oprimidos, especialmente a complexa psicologia feminina, fez dela a principal escritora da Era Meiji, devido à pureza que conferia a suas obras.


Início da fase realista


Ao mudar-se para Hongô Maruyiama Fukuyamachô, zona de prostituição clandestina de Tóquio, ela teve a oportunidade de um contato direto com as mulheres do meretrício, seja grafando os letreiros dos prostíbulos, seja escrevendo cartas a pedido dessas mulheres analfabetas.

 

Takekurabe (Comparando alturas)

Este conto retrata a transição da infância para a vida adulta em um bairro de prostituição em Tóquio. A história segue um grupo de crianças, especialmente Midori, irmã de uma cortesã, e Shōtarō, filho de um monge, que descobrem as barreiras sociais que os separam. Higuchi descreve com lirismo e melancolia o contraste entre a inocência infantil e as duras realidades do mundo adulto. A narrativa evoca um senso de inevitabilidade e perda, tornando-se uma das obras mais representativas da autora. Ichiyô expressa com sensibilidade os dilemas de uma juventude fadada a destinos predeterminados.

Em 1890, apenas em Tóquio, havia 4747 prostitutas com reconhecimento oficial e esse número crescia a cada ano. Embora fosse estabelecido pela lei que só se poderiam tornar prostitutas a partir de 18 anos, crianças eram entregas pelos pais. O dinheiro recebido por eles, como empréstimo, era descontado mais tarde do trabalho das prostitutas. Como não conseguiam evitar as dívidas, elas viviam em condições totalmente desumanas.


Ela usou o estilo Gazoku-setchu de Saikaku Ihara (uma mistura de linguagem elegante e comum) para descrever o comportamento das mulheres e a tristeza dele resultante, durante o período Meiji. Ao mesmo tempo em que demonstra compaixão por elas, faz uma descrição real e contundente, valendo-se do uso dos diálogos para descrever com habilidade os ambientes e o caráter de suas personagens.

Em agosto de 1886, aos 14 anos, Ichiyô ingressou no curso de waka (poemas clássicos) na escola Haginoya e lá ficou durante seis anos. Sua vivência no curso exerceu grande influência na sua vida pessoal e principalmente em sua vida literária. Estudou waka e os clássicos com Utako Nakajima e romances com Nakara Tôsui.


Naquela época, a Haginoya era uma escola frequentada pelas esposas e filhas das classes abastadas do antigo regime, como nobres da corte, conselheiro sênior do xogunato Tokugawa, antigos senhores de domínios, estadistas da Era Meiji e militares. Praticamente todas as suas obras são escritas em um estilo entre o refinado da aristocracia Heian e o neoclássico característico dos meados da Era Edo (794-1185).


Natarai Tôsui impulsiona a carreira de Ichiyô

Em 1891, ela foi apresentada ao romancista menor, Nakarai Tōsui, que se tornou uma importante inspiração para o diário literário que ela manteve de 1891 a 1896, publicado como Wakabakage (Na sombra das folhas da primavera).


Tôsui ensinou a ela as primeiras técnicas do romance. Na época, sua escrita estava atada à sua formação antiga, tanto no conteúdo quanto na técnica. Ichiyō ignorou a principal sugestão de Tōsui, ou seja, que ela usasse linguagem coloquial em sua escrita, e passou a polir seu próprio estilo de prosa clássico distinto. Mas a influência dele nas obras da escritora é bastante notada.


Ela escreveu com sensibilidade principalmente sobre as mulheres do antigo centro de Tóquio, numa época em que a sociedade tradicional estava dando lugar à industrialização.

 

Nigorie (Águas turvas)

Neste conto, Ichiyō mergulha na vida de uma prostituta que enfrenta desilusões e conflitos emocionais. Oriki, a protagonista, se vê presa entre sua posição social e os sentimentos que nutre por um cliente, ao mesmo tempo em que lida com a hipocrisia dos homens que a cercam. Com uma prosa delicada, mas incisiva, a autora denuncia a marginalização feminina e a falta de controle das mulheres sobre seus próprios destinos. A atmosfera sombria e as personagens melancólicas fazem de Nigorie um retrato intenso das dificuldades das mulheres na sociedade japonesa da Era Meiji.

 Seus trabalhos incluem Ōtsugomori (O Último Dia do Ano – 1894) e sua obra-prima, Takekurabe (Crescendo – 1895), uma delicada história de crianças crescendo à margem do distrito do prazer. Natarai Tôsui criou o periódico Musashino, com a intenção de tornar Ichiyô conhecida. Ela assinou pela primeira vez com o seu pseudônimo Higuchi Ichiyô na ocasião da publicação de Yamazakura. Esse nome nasceu de sua percepção de estar vagando solitária em meio às tempestades da vida, como uma folha de junco fluindo em um grande rio. Ichiyô significa literalmente uma folha de planta

Posteriormente, publicou as obras Tamadasuki (Adorno para prender a manga do quimono), Samidare (A chuva no começo do verão) e Wakarejimo (A geada da octogésima primeira noite a contar do início da primavera). Por intermédio de Tôsui, fez sua primeira publicação em quinze partes sucessivas no jornal Kaishin Shinbun.

 

Jūsan'ya (A décima terceira noite)

Oseki, é uma mulher infeliz, presa num casamento abusivo com um homem cruel e arrogante. Ela visita seus pais na véspera da décima terceira noite do calendário lunar para pedir permissão para se divorciar, mas é persuadida a permanecer no matrimônio por causa do filho. Com um olhar crítico sobre o papel feminino na sociedade, Ichiyō revela a falta de opções para as mulheres, atadas ao dever familiar e à infelicidade pessoal. O conto emociona pela sensibilidade e realismo ao expor a dor silenciosa das mulheres sacrificadas em nome das convenções sociais.

Mestre e único amor

Tôsui seria seu primeiro e único amor. No entanto, um escândalo sobre seu relacionamento com ele se espalhou (embora ambos fossem solteiros, os costumes da época não aprovavam tais associações entre um homem e uma mulher sem a intenção de se casar). Por causa disso ela cortou relações com Tôsui.


Findo o relacionamento, ela publicou Umoregi (Madeira enterrada), um romance idealista no estilo de Rohan Koda, completamente diferente de seus trabalhos anteriores. O afastamento de Tôsui foi um acontecimento de profunda tristeza e isso pode ser observado em seu Diário: não consigo derramar nem as lágrimas, tamanha é a minha tristeza.


Em 1896, quando Takekurabe foi publicado na íntegra em Bungei Kurabu, ganhou grande aclamação de Ogai Mori, Rohan Koda e outros. Ogai Mori elogiou muito Ichiyô em Mezamashigusa, e muitos membros do Bungakukai começaram a visitá-la.


Em maio do mesmo ano, ela publicou Warekara (De mim mesmo), e Tsuzoku Shokanbun (Epístola popular) em Nichiyo Hyakka Zensho (A enciclopédia diária). Ichiyô tinha tuberculose avançada e, quando foi diagnosticada em agosto, foi considerada sem esperança.


Praticamente todas as suas obras estão traduzidas para o inglês. Infelizmente, em português somente uma: Wakaremichi (A despedida), editada pela USP. Consulte: Contos da Era Meiji, Geny Wakisaka, organizado pelo Centro de Estudos Japoneses da USP.


Principais obras de Higuchi Ichiyô  

Higuchi Ichiyō faleceu jovem e não publicou livros no formato tradicional, mas deixou uma coleção de contos e diários que foram reunidos postumamente. Entre suas principais obras estão:

 

֎ Takekurabe (たけくらべ, Comparando Alturas) – 1895

֎ Nigorie (にごりえ, Águas Turvas) – 1895

֎ Jūsan'ya (十三夜, A Décima Terceira Noite) – 1895

֎ Umoregi (埋れ木, Madeira Enterrada) – 1892

֎ Yamizakura (闇桜, Cerejeira na Escuridão) – 1892

֎ Otsugomori (大つごもり, Na Véspera do Ano Novo) – 1894

֎ Wakaremichi (わかれ道, Caminhos que se Dividem) – 1894

֎ Diário de Higuchi Ichiyō (Ichiyō nikki, 一葉日記) – Reflexões pessoais e relatos de sua vida.

֎ Ichiyō Zenshū (一葉全集, Obras Completas de Ichiyō). Obras reunidas em diversas coletâneas publicadas após sua morte.

Morte prematura


Em sua curta existência ela passou de filha de família samurai a extrema pobreza, convivendo com a alta camada da sociedade e com a camada excluída socialmente. Apreciou a literatura como uma arte e que mais tarde passou a ser o seu sustento. Ela pediu à Kuni, sua irmã, para queimar os Diários logo após a sua morte. Kuni, entretanto, preservou todas as obras e objetos pessoais da irmã.


Higuchi Ichiyô morreu de tuberculose pulmonar aos vinte e quatro anos. Ela começou escrever os Diários em janeiro de 1887, aos quinze anos, e terminou em julho de 1896. O livro tem um total de quarenta itens. É possível percorrer com ele o caminho que Ichiyô trilhou durante aproximadamente seis anos, período da passagem de escritora desconhecida até se tornar famosa.


Como romancista, a vida de Ichiyô durou pouco mais de quatorze meses. Em 1897, ano seguinte à sua morte, foram publicados Ichiyo Zenshu (A coleção completa das obras de Ichiyô), e Kotei Ichiyo Zenshu (A coleção completa revisada das suas obras).


A vida de uma pequena folha de junco


Higuchi Ichiyô nasceu no dia 25 de março de 1872 (02 de maio pelo calendário atual), cinco anos após o início da Era Meiji (1868-1912) e da mudança da capital do governo militar Edo para Tóquio. Nasceu na residência oficial dos funcionários da prefeitura de Tóquio.


Umoregi (Madeira enterrada)

Neste conto, Higuchi Ichiyō apresenta a trajetória de uma jovem órfã que trabalha como empregada para uma família rica. Submissa e resignada, ela se esforça para agradar seus patrões, mas nunca é verdadeiramente aceita. O título simboliza sua existência apagada, como madeira enterrada que nunca queimará em uma chama brilhante. A narrativa revela a rigidez social e a impossibilidade de ascensão para aqueles nascidos em condições desfavoráveis. Com um estilo poético e melancólico, Ichiyō constrói uma história de exclusão e resignação, denunciando as barreiras intransponíveis que separavam as classes sociais na sociedade japonesa da época.

 Seu pai Higuchi Noriyoshi (1830-1889) e sua mãe Taki (1834-1898) vinham de uma decadente família de samurais. Embora ela fosse uma aluna interessada, teve de largar a escola aos onze anos, por determinação da mãe, que acreditava que a filha deveria começar a se preparar para contrair matrimônio. Aos quatorze anos ingressou no curso de waka (poema tradicional) em Haginoya, tendo contato com a literatura clássica, sua base literária. Seu pai faleceu vítima de tuberculose pulmonar quando ela tinha dezoito anos. Como não era possível depender de seus dois irmãos mais velhos, ela trabalhou como arrimo de família, tocando uma minúscula venda de utensílios domésticos e doces. Inicialmente, ela publicou poemas em estilo tradicional japonês e depois, romances. Apesar das diferenças de nacionalidade e cultura, vejo alguma identificação entre Higuchi Ichiyô e Carolina Maria de Jesus. Ambas viveram em extrema pobreza, saíram cedo da escola e tiveram que lutar muito pela sobrevivência. Porém, nada disso abalou a necessidade vital de escrever como uma compensação interior pela vida que levaram.

Ambas escreveram seus diários que chegaram até a atualidade como documentos artísticos e literários e, sobretudo, como testemunhos de duas mulheres que venceram as adversidades com a única arma que é a capacidade de colocar sentimentos e emoções no papel e realizar seus propósitos, mesmo em meio das adversidades ֎

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