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Maria da Conceição Evaristo de Brito é uma das mais importantes escritoras brasileiras contemporâneas, reconhecida por sua contribuição à literatura e ao pensamento sobre questões sociais e identitárias no Brasil. É também uma linguista e escritora afro-brasileira. Nascida em 1946, em Belo Horizonte, ela cresceu em um ambiente marcado pela pobreza, o que influenciou profundamente sua escrita, que trata da vivência de mulheres negras e da realidade da periferia.
Hoje aposentada, Conceição Evaristo teve uma produtiva carreira como pesquisadora-docente universitária. É uma das mais influentes literatas do movimento pós-modernista no Brasil. Escreveu poesia, romance, conto e ensaio. Como pesquisadora-docente, seus trabalhos focam na literatura comparada. Seus contos, romances, poesias e ensaios tratam de questões ligadas à ancestralidade e afro-brasilidade.
Início da vida escolar
Na escola, durante sua infância, Conceição vivenciou um ambiente segregado, com alunos pobres relegados às classes do porão, enquanto os mais privilegiados ocupavam o andar superior e recebiam reconhecimento e oportunidades. Apesar disso, ela superou obstáculos e conquistou uma vaga no andar superior após excelente desempenho. Sua presença questionadora e insistente em participar de eventos, causava incômodo a alguns professores, mas também atraía a simpatia de outros. Essa experiência revelou as desigualdades sociais e raciais, refletidas tanto na estrutura da escola quanto nas práticas pedagógicas, o que marcou profundamente sua percepção de exclusão e sua luta por reconhecimento. |
Trajetória e formação
Conceição Evaristo nasceu em uma favela de Belo Horizonte e, segundo ela mesma, ao terminar o primário em 1958, ganhou seu primeiro prêmio de literatura ao vencer o concurso de redação da escola. O título de seu texto premiado era: Porque me orgulho de ser brasileira. Conceição começou a trabalhar como doméstica ainda jovem para ajudar sua família, mas nunca abandonou os estudos. Trabalhou como doméstica até 1971, dois oito aos vinte e cinco anos.
Aos dezessete, ela aderiu ao movimento da Juventude Operária Católica (JOC), que promovia reflexões sobre a realidade brasileira. Após concluir o Curso Normal no Instituto de Educação de Minas Gerais, decidiu mudar-se para o Rio de Janeiro. Partiu para a cidade maravilhosa em 1973, aos vinte e sete anos. A partir daí, as reflexões sobre questões étnicas passaram a ser mais constantes na vida da escritora.
Graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Conceição Evaristo trabalhou como professora da rede pública de ensino no Rio de Janeiro. É Mestre em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade (1996), e Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com a tese Poemas malungos, cânticos irmãos (2011), na qual analisa as obras poéticas dos afro-brasileiros Nei Lopes e Edimilson de Almeida Pereira em diálogo com a do angolano Agostinho Neto. Sua produção literária ganhou destaque a partir da década de 1990, quando começou a publicar em revistas e coletâneas voltadas para a literatura negra.
O primeiro emprego doméstico
“Aos oito anos surgiu meu primeiro emprego doméstico, e, ao longo do tempo, outros foram acontecendo. Minha passagem pelas casas das patroas foi alternada por outras atividades, como levar crianças vizinhas para a escola, já que eu levava os meus irmãos. O mesmo acontecia com os deveres de casa. Ao assistir os meninos de minha casa, eu estendia essa assistência às crianças da favela, o que me rendia também uns trocadinhos. Além disso, eu participava com minha mãe e tia, da lavagem, do apanhar e do entregar trouxas de roupas nas casas das patroas. Troquei também horas de tarefas domésticas nas casas de professores, por aulas particulares, por maior atenção na escola e principalmente pela possibilidade de ganhar livros, sempre didáticos, para mim, para minhas irmãs e irmãos.”
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A escrevivência leva as pessoas a pensar
Resumo do artigo Conceição Evaristo – “A escrevivência serve também para as pessoas pensarem”
Itaú Social – novembro de 2020.
Conceição Evaristo, destacada escritora negra brasileira, utiliza sua literatura e o conceito de escrevivência para retratar as vivências de mulheres negras e denunciar desigualdades raciais. Durante a pandemia, enfrentou tristeza e isolamento em Maricá (RJ) e, posteriormente, refugiou-se com a família em Contagem (MG). Aos setenta e três anos, passou meses sem escrever, mas retomou a atividade como forma de superação emocional.
Conceição Evaristo participou do seminário virtual A Escrevivência de Conceição Evaristo, na celebração dos 25 anos do conceito de escrevivência, criado em 1994. Este conceito une “escrever” e “viver”, centrado nas histórias de mulheres negras como protagonistas e no resgate de memórias silenciadas por meio da oralidade. Inspirada na força de sua mãe, Conceição transforma narrativas do cotidiano em ferramentas de denúncia e empoderamento.
A oralidade é central em sua estética e aproxima sua escrita da linguagem falada, além de capturar gestos, olhares e nuances vocais. Conceição acredita que a literatura tem o poder de reparar injustiças e instigar mudanças. Como educadora, sente saudade de lecionar, prática que conectava à valorização da cultura afro-brasileira e à implementação da lei 10.639/03.
Desde 2019, ela ministra oficinas em bibliotecas comunitárias para incentivar jovens mulheres a transformar experiências em narrativas criativas. Para Conceição, o ensino é uma troca emocional que fortalece laços comunitários. Ela acredita no potencial das novas gerações no combate ao racismo, na construção de uma sociedade mais justa e transforma o sucesso individual em benefício coletivo.
A ausência de um pai
“A ausência de um pai foi dirimida um pouco pela presença de meu padrasto, mas, sem dúvida alguma, o fato de eu ter tido duas mães suavizou muito o vazio paterno que me rondava. Aos sete anos, fui morar com a irmã mais velha de minha mãe, minha tia Maria Filomena da Silva. Ela era casada com Antônio João da Silva, o Tio Totó, viúvo de outros dois casamentos. Não tiveram filhos. Fui morar com eles, para que a minha mãe tivesse uma boca a menos para alimentar. Os dois passavam por menos necessidades, meu Tio Totó era pedreiro, e minha Tia Lia, lavadeira como minha mãe. A oportunidade que eu tive para estudar surgiu muito da condição de vida, um pouco melhor, que eu desfrutava em casa dessa tia. As minhas irmãs enfrentavam dificuldades maiores.”
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Entrevista com Conceição Evaristo - Revista Periferias
Resumo da entrevista realizada em julho/2018
Conceição Evaristo mantém uma conexão afetiva e histórica com o Bar Amarelinho, na Cinelândia, onde começou a frequentar na década de 1970 ao chegar ao Rio de Janeiro. O local foi um importante ponto de encontro do Movimento Negro, conectando-a a figuras como Solano Trindade e Lélia Gonzalez. Além de momentos pessoais marcantes, como o início do parto de sua filha, Conceição lamenta a gentrificação que afastou a comunidade negra dali, levando-a a buscar novos espaços como o bar "Só Feijão".
Gentrificação é o processo de transformação urbana em que bairros de baixa renda recebem investimentos, atraindo moradores e negócios de classes mais altas. Isso valoriza a área, mas frequentemente expulsa os moradores originais devido ao aumento de aluguéis e custos. Embora traga melhorias como infraestrutura e segurança, também gera exclusão social e mudanças culturais. O processo é controverso, pois reflete desigualdades sociais e a substituição de comunidades tradicionais por uma dinâmica voltada a interesses econômicos e especulação imobiliária.
Chegando ao Rio em 1973, Conceição aprofundou sua militância no Movimento Negro na década de 1970, especialmente com a fundação do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN). Sua luta pela valorização da cultura negra consolidou-se nos anos 1990, com a participação no Coletivo de Escritores Negros. Ela reflete sobre a exclusão da população negra em espaços como a Cinelândia, palco de mobilizações históricas, mas ainda com pouca representatividade negra.
Conceição critica a elitização da Lapa, que substituiu blocos afro e quiosques populares por bares frequentados pela classe média branca, e denuncia a hipocrisia de políticas públicas que excluem os negros enquanto legitimam o genocídio das populações periféricas sob o pretexto da guerra às drogas. Ela questiona como armas e drogas chegam às favelas e expõe estruturas de poder que perpetuam a violência.
Relembrando sua infância em Belo Horizonte, Conceição reflete sobre a segregação entre favelas e o restante da cidade, além de destacar a marginalização das comunidades negras. Sua trajetória é marcada pela resistência contra a exclusão racial, pela luta para ocupação de espaços culturais e políticos, além de promover a representatividade negra na sociedade.
Conceição Evaristo na ABL: um passo para descolonizar o pensamento
Resumo da entrevista no El País para Edma de Góis, jornalista, doutora em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
O texto imagina um encontro simbólico entre Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo e destaca a candidatura histórica de Conceição à Academia Brasileira de Letras (ABL). Essa conquista, que não ocorreu, simbolizaria uma vitória não apenas para ela, mas para mulheres negras e sua luta por representação na literatura e na sociedade. Caso eleita, Conceição alcançaria um marco significativo que ampliaria o reconhecimento da autoria negra feminina no Brasil.
Nos últimos anos, diversas iniciativas têm dado visibilidade a escritoras negras, o que reflete um movimento de reparação histórica e demanda por representatividade. Exemplos incluem pesquisas acadêmicas, editoras independentes e eventos literários, além de projetos como slams e iniciativas de inclusão no mercado editorial. Com sete obras publicadas, Conceição Evaristo é uma das figuras centrais nesse cenário.
Projetos como Escritoras Negras da Bahia, coordenado por Calila das Mercês, e Margens, de Jéssica Balbino, mapeiam e promovem a autoria de mulheres negras e periféricas. Essas ações incentivam escritoras a se reconhecerem como tal para publicarem suas obras e ampliarem sua visibilidade. Contudo, os desafios permanecem porque muitas autoras negras dependem de editoras pequenas e médias, com distribuição limitada.
A eleição de Conceição para a ABL representaria um avanço ao legitimar a presença negra feminina no imaginário nacional. Além disso, iniciativas como o projeto Mulheres Inspiradoras, que leva autoras negras para escolas públicas, reforçariam a importância de conectar novas gerações com essas obras.
A candidatura de Conceição reflete um movimento persistente contra o racismo e as desigualdades estruturais. Sua eventual eleição atualizaria a composição da Academia Brasileira de Letras e celebraria a força da literatura negra e feminina e promoveria maior inclusão e representatividade na cultura brasileira.
O Slam é uma competição de poesia performática criada nos anos 1980 por Marc Smith, em Chicago. Poetas apresentam poemas autorais em até três minutos, sem acessórios ou música, sendo avaliados pelo conteúdo e pela performance. Com forte ligação à oralidade e à cultura urbana, o Slam aborda temas sociais, políticos e emocionais, promovendo expressão e resistência, especialmente em comunidades marginalizadas. No Brasil, ganhou força nos anos 2000, com eventos como o Slam da Guilhermina, em São Paulo. É uma ferramenta de inclusão e debate, que valoriza a poesia falada e conecta poetas e público de forma impactante. |
Brazilian Authors
Site Brazilian Publishers – 13 de maio de 2019
Os livros de Conceição Evaristo abordam temas relacionados à educação, gênero e relações étnicas na sociedade brasileira. Até o momento, a escritora publicou romances, poemas e ensaios literários de alcance internacional. Entre suas obras está Ponciá Vicêncio (2014), publicado na França e nos Estados Unidos.
Conceição Evaristo integra a Série Autores Brasileiros, uma iniciativa do Brazilian Publishers, projeto setorial de fomento à exportação de conteúdo editorial brasileiro por meio de uma parceria entre a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). O livro Ponciá Vicêncio (2014) apresenta os caminhos, cicatrizes, sonhos e decepções da protagonista.
Conceição Evaristo descreve a trajetória da personagem desde a infância até a vida adulta e analisa os afetos, insatisfações e envolvimento de Ponciá com sua família e amigos. A história aborda questões identitárias da protagonista que se baseiam na herança cultural e identidade de seu avô, também um diálogo entre o tempo passado e presente, memórias e experiências, realidade e imaginação.
O romance intitulado Becos da memória também foi traduzido para o francês. Nesta obra, a escritora aborda a complexidade humana e os sentimentos profundos de pessoas que enfrentam o abandono, o preconceito, a fome e a pobreza além de discutir problemas importantes da sociedade brasileira.
O Brazilian Publishers, projeto da indústria que promove a exportação de conteúdo editorial brasileiro por meio de uma parceria entre a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), criou a série Autores Brasileiros, que traz informações sobre escritores nacionais da atualidade, com o objetivo de estimular o conhecimento sobre a literatura contemporânea brasileira.
Obras e estilo da escrita de Conceição Evaristo
A obra de Conceição Evaristo é marcada pelo conceito de escrevivência, termo cunhado por ela para descrever uma escrita baseada na experiência de vida, especialmente na vivência de mulheres negras e suas comunidades. Seus textos mesclam prosa e poesia e abordam temas como opressão, racismo, violência de gênero, ancestralidade e resistência. Entre suas obras mais conhecidas estão:
Ponciá Vicêncio (2003) |
Romance que aborda a trajetória de uma mulher negra em busca de identidade e liberdade, tendo como temas questões de memória e ruptura familiar. |
Becos da Memória (2006) |
Livro baseado em suas memórias da infância e juventude, com um olhar crítico sobre a desigualdade social. |
Insubmissas Lágrimas de Mulheres (2011) |
Coletânea de contos que dá voz a mulheres negras em diferentes contextos de luta e sobrevivência. |
Olhos d'Água (2014) |
Contos que narram histórias de dor e superação, reforçando a importância da oralidade e da memória. |
Cantiga de Ninar Gente Grande (2018) |
Obra poética que mistura lirismo e resistência. Os textos abordam memória, ancestralidade e questões sociais e oferece uma reflexão sensível sobre as lutas e histórias do povo negro. Evaristo transforma dor em força, para encantar e provocar o leitor. |
Nos seus primeiros textos estão presentes os marginalizados, negros e/ou pobres, mulheres, que muito têm a ver com a história da sua vida. Não são textos propriamente autobiográficos e sim o resultado de uma experiência de exclusão, da observação de uma realidade brasileira que a escritora transpõe para eles e suas personagens.
Ojos de água
Resumo da matéria Literatura de Conceição Evaristo resgata a ancestralidade negro-brasileira, de Margareth Artur/Portal de Revistas da USP
Conceição Evaristo é uma autora destacada da literatura feminina contemporânea brasileira, celebrada por explorar ancestralidade e resistência em suas obras. Premiada como Personalidade Literária do Ano pelo Prêmio Jabuti em 2019, ela utiliza a escrita como ferramenta de denúncia social e valorização das vozes afrodescendentes. Seu conceito de escrevivência reflete experiências individuais e coletivas, conectando dor e dororidade.
No conto Olhos d’água, Conceição articula ancestralidade e memória, destacando a transmissão de saberes entre gerações de mulheres negras, vistas como uma “árvore genealógica”. Elementos afro-brasileiros, como Oxum, reforçam a identidade cultural e a riqueza da herança negra. Sua obra questiona desigualdades e genocídio negro e reafirma a memória coletiva como base de resistência e transformação social.
Seis livros escritos por Conceição Evaristo que você deveria ler
Representatividade na literatura brasileira por meio da experiência e escrita de uma mulher negra, por Anna Capelli
Escrevivência é o termo que Conceição Evaristo usa para definir o que faz. Significa “contar nossas histórias a partir de nossas perspectivas”. O neologismo é composto por “escrita” e “vivência”, como em experiência. Representa sua subjetividade como mulher negra na sociedade brasileira, o que, segundo ela, inevitavelmente contaminaria sua escrita.
Conceição Evaristo nasceu em Pindura Saia, favela localizada na zona sul de Belo Horizonte, Minas Gerais. Nos anos 1970, mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar português na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ela trabalhou como professora em escolas públicas da cidade. A escritora também é mestre e doutora em Letras. Toda essa trajetória impactou profundamente a obra de Conceição Evaristo, de forma que ela simboliza a importância de ter representatividade na literatura brasileira.
Se você conhece alguma coisa sobre Literatura Brasileira — ou mesmo se você é do Brasil e, portanto, estudou nossos autores nacionais —, os nomes que você provavelmente lembra são Machado de Assis, José de Alencar e Carlos Drummond de Andrade, por exemplo. Então aqui estão seis livros de Conceição Evaristo para você ler e conhecer a cultura brasileira pelos olhos, e palavras, de uma mulher negra.
Olhos D’água
É uma coletânea de contos, cada um deles narrando as experiências de diferentes mulheres. O que todas elas têm em comum é a vida dura dos subúrbios, o que denuncia a realidade da pobreza e da violência urbana em que vivem os negros.
Insubmissas lágrimas de Mulheres
Em outra coletânea de contos publicada em 2011, Evaristo traz ao leitor um delicado retrato de afeto e de solidariedade, mais uma vez sobre as mulheres e com a inclusão de muitas reflexões ao longo de suas páginas. Mais do que a situação difícil em que se encontram, mostra como as mulheres negras têm em comum a capacidade de superar o sofrimento por meio da resistência e da união.
Ponciá Vicêncio
Ponciá Vicêncio, de 2003, é o primeiro romance de Conceição Evaristo. O livro, que leva o nome de sua protagonista, acompanha sua história desde a infância até a vida adulta, descreve os sentimentos, relacionamentos e questões de identidade de Ponciá para destacar questões como discriminação de gênero, raça e social.
Becos da memória
O título deste romance de 2006 revela sua construção: é baseado na experiência de crescimento de Conceição nos subúrbios brasileiros. As memórias escritas neste livro são de um passado distante, e a narrativa usada é tão emaranhada quanto os becos de uma favela.
Poemas da recordação e Outros movimentos
Antologia poética publicada em 2008 que contém 65 poemas repletos de lirismo. Eles contam histórias sobre ancestralidade com vozes femininas. Amor, religião, preconceito e outros temas fazem parte das narrativas que possibilitam intensa reflexão. Construídas em experiências pessoais e coletivas, a escritora descreve a vida por meio de sonhos e esperanças além das durezas cotidianas.
Histórias de leves enganos e parecenças
Publicado em 2016, é o último livro de Evaristo e uma homenagem à tradição oral que inclui doze contos e um romance, todos permeados pelo fantástico e pelo mágico — eventos sobrenaturais que costumavam preencher o imaginário da autora quando ela era criança. Os personagens do livro — principalmente mulheres — contam e ouvem histórias passadas de uma geração para outra, o que permite a criação de uma fusão do tradicional e do contemporâneo.
Poemas de Conceição Evaristo
No poema Vozes-mulheres, o eu lírico resgata a sua ancestralidade, ao falar das mulheres que a precederam, todas com uma história de opressão por serem negras e pobres. Entretanto o texto traz um tom otimista em relação à nova geração de mulheres negras:
Vozes-mulheres
A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. ecoou lamentos de uma infância perdida.
A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo.
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A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela
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A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome.
A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas.
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A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. O ontem — o hoje — o agora. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância O eco da vida-liberdade.
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O segundo poema é Da calma e do silêncio. Na sua primeira estrofe, a metalinguagem faz-se presente na personificação da palavra, como se o ato da criação poética fosse antropofágico:
Da calma e do silêncio
Quando eu morder a palavra, por favor, não me apressem, quero mascar, rasgar entre os dentes, a pele, os ossos, o tutano do verbo, para assim versejar o âmago das coisas.
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Na segunda estrofe, o olhar da poetisa vê aquilo que os versos um dia mostrarão, pois a escrita é também exercício de observação:
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Quando meu olhar se perder no nada, por favor, não me despertem, quero reter, no adentro da íris, a menor sombra, do ínfimo movimento.
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Na terceira estrofe, o eu lírico evidencia a imaginação como impulso criador e a existência de outros mundos, “mundos submersos”, sem estradas, habitados por artistas da palavra:
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Quando meus pés abrandarem na marcha, por favor, não me forcem. Caminhar para quê? Deixem-me quedar, deixem-me quieta, na aparente inércia. Nem todo viandante anda estradas, há mundos submersos, que só o silêncio da poesia penetra.
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Já na última estrofe, o eu lírico atrela o mundo da imaginação ao da recordação. Dessa maneira, a memória é esse “mundo submerso” e inevitável na “calma e no silêncio” do processo criativo. Assim, inevitável também é a emoção:
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Recordar é preciso O mar vagueia onduloso sob os meus pensamentos A memória bravia lança o leme: Recordar é preciso. O movimento vaivém nas águas-lembranças dos meus marejados olhos transborda-me a vida, salgando-me o rosto e o gosto. Sou eternamente náufraga, mas os fundos oceanos não me amedrontam e nem me imobilizam. Uma paixão profunda é a boia que me emerge. Sei que o mistério subsiste além das águas.
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Por fim, o poema Certidão de óbito, que traz também o resgate da memória — elemento típico das obras da autora —, de forma a entrelaçar passado e presente em um mesmo lugar de opressão e violência. Nele estão evidenciados o sangue e a morte que compõem a história da pessoa negra no Brasil:
Certidão de óbito
Os ossos de nossos antepassados colhem as nossas perenes lágrimas pelos mortos de hoje.
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Os olhos de nossos antepassados, negras estrelas tingidas de sangue, elevam-se das profundezas do tempo cuidando de nossa dolorida memória.
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A terra está coberta de valas e a qualquer descuido da vida a morte é certa. A bala não erra o alvo, no escuro um corpo negro bambeia e dança. A certidão de óbito, os antigos sabem, veio lavrada desde os negreiros.
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Reconhecimento e premiações
Conceição Evaristo recebeu diversos prêmios e foi traduzida para várias línguas, consolidando sua importância na literatura mundial. Em 2018, foi indicada à Academia Brasileira de Letras (ABL), fato que trouxe à tona discussões sobre representatividade e elitismo nas instituições culturais brasileiras.
Em 2016, ganhou o Prêmio Faz Diferença, na categoria prosa, do jornal O Globo. Já em 2018, ganhou o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais, pelo conjunto da obra. Em 2019, ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria Personalidade Literária do Ano.
Conceição Evaristo foi tema da Ocupação Itaú Cultural, em 2017. Ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura de 2015, na categoria Histórias e Crônicas, por Olhos D'água. Recebeu também os prêmios Faz a Diferença, categoria prosa, 2017; o Prêmio Claudia, categoria cultura, 2017; O Governo de Minas Gerais concedeu-lhe um Prêmio de Literatura; além de ter sido premiada como destaque em 2017 pela revista Bravo.
Legado de Conceição Evaristo
Conceição Evaristo é mais do que uma escritora; é uma intelectual e ativista que utiliza a literatura como ferramenta de denúncia e transformação social. Sua escrita não apenas dá visibilidade às vozes historicamente silenciadas, mas também inspira novas gerações de escritores e leitores a refletirem sobre desigualdades estruturais e a força da resistência coletiva ֎
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