top of page
campusaraujo

Clorinda Matto de Turner - A Voz dos Indígenas e das Mulheres no Peru

Atualizado: 8 de dez. de 2024


A escritora, jornalista e ativista peruana Clorinda Matto de Turner nasceu em  Cusco em 11 de novembro de 1853 e faleceu em Buenos Aires em 25 de Outubro de 1909. Reconhecida como uma das figuras mais importantes da literatura latino-americana do século XIX, sua obra aborda questões sociais e culturais do Peru, com foco especial na exploração das condições de vida dos povos indígenas e na crítica à desigualdade de gênero. Foi também precursora do gênero indigenista. Era uma mulher independente, autodidata em física, história natural e filosofia.


Clorinda nasceu na fazenda Paullu Chico, vizinha de seus pais. Seu nome original era Grimanesa Martina Mato Usandivares, com o sobrenome paterno, Mato, e especificamente a variante preferida pelo pai, Matto, daria origem ao nome que a futura escritora finalmente adotaria. Filha de Grimanesa Concepción Usandivares e Ramón Mato y Torres, passou quase toda a sua infância na pacata fazenda da família na companhia de seus pais e irmãos, Ramón Segundo David e Ramón Daniel.

Na fazenda dos pais teve a oportunidade de observar a vida no campo e aprendeu a falar quíchua. Frequentou a escola primária no Colegio de Nuestra Señora de las Mercedes, na cidade de Cusco, onde fez suas primeiras publicações no jornal escolar. Ela nterrompeu seus estudos após a morte de sua mãe.


Esses anos marcaram experiências cuja marca ficaria impressa em seus futuros escritos: a vida rural, a convivência com a população indígena ou o conhecimento da língua quíchua; experiências que seriam fundamentais para a defesa tenaz dos povos serranos que desenvolveu ao longo de sua vida com a escrita, um instrumento que até aquele momento não havia sido utilizado no Peru para esse fim.


Sua formação escolar em Cusco foi no Colegio de Nuestra Señora de las Mercedes, que mais tarde se chamaria Escola Nacional de Educadores, onde desde cedo mostrou a sua vocação literária e jornalística. Queria ir para os Estados Unidos estudar medicina, mas seu pai não permitiu.


Sua vida foi marcada por tragédias pessoais, engajamento literário e ativismo social. Aos dez anos, perdeu a mãe e, anos depois, abandonou os estudos para cuidar da casa e dos irmãos mais novos, Ramón Segundo, Ramón Daniel e Ramón Hermenegildo Matto Usandivaras, quando seu pai assumiu um cargo político.

Em 1871, casou-se com John Turner, um médico inglês, e mudou-se para Tinta, cidade que serviria de inspiração para seu romance mais famoso, Aves sin nido (Pássaros sem ninho).


Clorinda iniciou a colaboração com jornais locais sob pseudônimos como "Lucrecia" e "Bate-Seba". Seus textos abordavam a educação e a emancipação feminina, além das condições de vida dos povos indígenas, temas que moldariam toda sua obra futura. Em 1876, com o apoio de seu pai e marido, ela fundou a revista El Recreo del Cuzco, voltada para literatura, ciência e artes.


Sua entrada no círculo literário ocorreu em 1877, quando visitou Lima e conheceu figuras como Juana Manuela Gorriti, Ricardo Palma e Mercedes Cabello de Carbonera. Esses encontros fortaleceram seu compromisso com as letras e a reforma social.


Guerra do Pacífico


A Guerra do Pacífico (1879–1883) foi um conflito entre Chile, Bolívia e Peru por territórios no Deserto do Atacama, ricos em nitrato de sódio e localizado no Chile. Apesar de tratados anteriores, a Bolívia tentou aumentar impostos sobre uma empresa chilena em 1878, provocando a ocupação de Antofagasta pelo Chile e a declaração de guerra da Bolívia, com apoio do Peru devido a uma aliança secreta.


A ocupação chilena de Antofagasta, uma comuna e cidade do norte do Chile, capital da Província de Antofagasta e capital da Região de Antofagasta, é o conjunto de fatos de natureza militar e política ocorridos durante os meses de fevereiro e março de 1879 que levaram ao controle militar e político, pelo Chile, do Departamento do Litoral, então pertencente à Bolívia. É a primeira campanha militar no âmbito da Guerra do Pacífico.


O Chile rapidamente ocupou a costa boliviana, garantiu supremacia naval após vitórias em Iquique e Angamos (1879) e invadiu o Peru, capturando Lima em 1881. O Tratado de Ancón (1883) encerrou a guerra: o Chile anexou Tarapacá e ocupou Tacna e Arica por 10 anos, com um plebiscito adiado por décadas. A Questão do Pacífico foi resolvida em 1929 com mediação dos Estados Unidos, retornando Tacna ao Peru e mantendo Arica com o Chile, além de uma indenização de US$ 6 milhões ao Peru.


A Bolívia perdeu permanentemente sua saída ao mar em 1884, formalizado em 1904, com a construção de uma ferrovia pelo Chile para compensação. A guerra devastou o Peru e causou colapso econômico e uma guerra civil. A Bolívia buscou alternativas para acesso marítimo, culminando na Guerra do Chaco contra o Paraguai (1932–1935).


Durante o conflito, Clorinda perdeu o marido e enfrentou dificuldades financeiras, mas manteve sua dedicação ao Peru, ajudando feridos e transformando sua casa em hospital. Após a guerra, mudou-se para Arequipa, onde começou a escrever sobre temas como patriotismo, educação e questões indígenas, fundamentais para o período de reconstrução do país.


Guerra Civil no Peru


Após a Guerra do Pacífico (1879–1883), houve um período de intensa instabilidade política e militar que agravou a já delicada situação do país. A derrota na guerra resultou na ocupação de Lima pelas forças chilenas, a destruição de infraestrutura e a perda territorial significativa com a assinatura do Tratado de Ancón em 1883, pelo qual o Peru cedeu Tarapacá ao Chile e ficou sob ocupação estrangeira em algumas regiões.


A Guerra Civil Peruana de 1884 a 1887 opôs o presidente Miguel Iglesias, que assinou o Tratado de Ancón reconhecendo a derrota para o Chile, a Andrés Avelino Cáceres, herói da resistência. Iglesias, apoiado pelos chilenos, enfrentou oposição por sua postura conciliatória, enquanto Cáceres liderava setores que rejeitavam o tratado e buscavam continuar a resistência. O conflito devastou o Peru, já fragilizado pela Guerra do Pacífico, e terminou com a vitória de Cáceres, que assumiu a presidência em 1886. No entanto, a instabilidade continuou, com rivalidades regionais e a economia devastada, o que levou o Peru a uma longa fase de reconstrução e fragilidade.



Carreira Literária


Matto de Turner é conhecida por abordar temas sociais em suas obras, especialmente as condições de vida dos indígenas peruanos e as desigualdades estruturais do país. Seu romance mais famoso, Aves sin nido (1889), é considerado um marco do indigenismo literário. A obra denuncia a exploração dos indígenas por autoridades locais, incluindo clérigos e políticos corruptos, expondo os abusos de poder em comunidades andinas. Essa abordagem inovadora provocou grande controvérsia, com a autora sendo alvo de ataques por parte da Igreja Católica e da elite conservadora.


Jornalismo e Defesa dos Direitos das Mulheres


Além de romancista, Clorinda foi uma das primeiras mulheres a dirigir um jornal no Peru, El Perú Ilustrado. Ela usou sua plataforma para defender a educação feminina, pois acreditava que o progresso das mulheres era essencial para o desenvolvimento do país. Também publicou ensaios e artigos que promoviam mudanças sociais e culturais.

 

Exílio e Legado


As posições progressistas de Matto de Turner enfrentaram forte resistência. Em 1895, após a ascensão de um governo conservador, Clorinda foi forçada a deixar o Peru e se exilou na Argentina. Mesmo no exílio, ela continuou escrevendo e influenciando intelectuais da América Latina.


O legado de Clorinda Matto de Turner é imenso. Ela abriu caminhos para o indigenismo literário e para a participação das mulheres na vida pública e intelectual do Peru. Sua obra continua sendo uma referência fundamental para o estudo da literatura e dos movimentos sociais latino-americanos.

 

Ativismo e Jornalismo


Além de suas obras literárias, Clorinda Matto foi uma ativista pelos direitos das mulheres e dos povos indígenas. Ela dirigiu e colaborou com publicações como El Perú Ilustrado, onde defendeu a educação como ferramenta de emancipação social e promoveu a literatura como meio de transformação.


Em 1884, publicou duas obras significativas: Elementos de Literatura, um manual voltado à educação feminina, e Perú-Tradiciones cuzqueñas, que reunia contos históricos inspirados nas tradições de Cusco. No mesmo ano, estreou sua peça Hima-Sumac que denunciava a opressão indígena na era colonial e conectava questões históricas ao nacionalismo do pós-guerra.


Clorinda se estabeleceu em Lima em 1886, onde ingressou no Círculo Literário e no Ateneo. Sob influência do reformista Manuel González Prada, sua obra começou a refletir críticas às elites eclesiásticas e às injustiças sociais. Seu romance mais famoso, Aves sin nido (1889), tornou-se um marco do indigenismo literário, ao denunciar a exploração dos indígenas pelo sistema político, judiciário e religioso. Apesar de aclamada, a obra gerou polêmicas e foi condenada pela Igreja Católica, levando à excomunhão da autora.


Nesse mesmo ano, ela assumiu a direção da revista El Perú Ilustrado, que publicava autores renomados como Rubén Darío. Em 1890, um incidente envolvendo a publicação na revista do conto Magdala, de Enrique Coelho, que sugeria um desejo de Jesus por Maria Madalena, intensificou as perseguições da Igreja contra ela. Sua excomunhão e o banimento da revista marcaram um momento de grande conflito em sua carreira.


Mesmo enfrentando oposição, ela continuou escrevendo e publicou Índole (1891), seu segundo romance, no qual aprofundava suas críticas à corrupção eclesiástica e ao conluio entre Igreja, exército e governo. Em 1892, fundou, com seu irmão, a gráfica “La Equitativa”, uma editora que empregava exclusivamente mulheres. Ali, publicou a revista quinzenal Los Andes e lançou obras suas e de outros autores, uma grande contribuição para a difusão de ideias progressistas.


Em 1894 a situação política no Peru piorou, quando o general Cáceres enfrentou Nicolás de Piérola em um golpe de Estado. Clorinda apoiou Cáceres, mas, com a vitória de Piérola em 1895, sua casa e gráfica foram saqueadas, e ela foi forçada ao exílio. Inicialmente acolhida no Chile, mudou-se para Buenos Aires, onde encontrou estabilidade. Na capital argentina, tornou-se professora em instituições femininas e traduziu livros do Antigo Testamento para o quíchua. Também colaborou com importantes jornais da época e fundou a revista Búcaro Americano, dedicada a temas sociais e literários.


Em 1902, publicou Boreales, miniaturas y porcelanas, e em 1904, Aves sin nido foi traduzido para o inglês, ampliando sua influência internacional. Uma viagem à Europa em 1908 foi seu último grande projeto, durante o qual contraiu bronquite crônica. Suas impressões da viagem foram publicadas postumamente em 1909 como Viaje recreativa.



 Obra Literária


Clorinda Matto de Turner é mais lembrada por seu romance Aves Sin Nido (1889), um dos mais importantes romances latino-americanos sobre os povos indígenas, que aborda a opressão dos povos indígenas pelos colonos e as elites locais. A história trata do romance de um homem branco com uma mulher indígena. Considerada um marco na literatura indigenista, foi revolucionária por trazer à tona temas como corrupção, exploração e desigualdade social. Apesar de sua importância, o livro gerou polêmica e foi condenado pela Igreja Católica, o que resultou na excomunhão da autora e no confisco de seus bens.


Aves Sin Nido


Publicado em 1889, Aves sin nido é um romance de Clorinda Matto de Turner e um marco do indigenismo literário na América Latina. A obra denuncia as injustiças sofridas pelos povos indígenas andinos durante os períodos colonial e republicano. Expõe a corrupção e exploração promovidas por elites locais, pela Igreja e pelo sistema político.


Ambientada na aldeia fictícia de Kíllac, a narrativa acompanha o casal Lucía e Fernando Marín, representantes da classe média instruída, que tenta ajudar Marcela e Juan Yupanqui, indígenas perseguidos por resistirem a abusos do governador e do padre locais. A história aborda temas como pobreza, tributos opressivos, trabalho forçado, violência sexual e corrupção religiosa. O título, "Aves sin nido" (Aves sem ninho), simboliza a falta de segurança e pertencimento dos indígenas em sua própria terra, que vivem como estrangeiros em um território que deveria ser o seu lar.


Temas Literários


Denúncia social Clorinda retrata com profundidade os conflitos entre os indígenas e os colonizadores e expõem as hierarquias sociais e o racismo estrutural.


Crítica à Igreja Católica – a autora critica fortemente o clero local, representado como cúmplice da exploração dos indígenas, ao mesmo tempo que sugere uma religiosidade alternativa baseada em valores éticos.


Questão de gênero – embora o foco principal seja a opressão racial e econômica, o romance também aborda o papel submisso das mulheres indígenas e questiona o machismo da sociedade andina.


Indigenismo inicial – marca um esforço pioneiro para dar voz às comunidades indígenas, mesmo que com algumas limitações da perspectiva paternalista da época.


O estilo de Clorinda é direto e didático, prioriza a mensagem social com linguagem simples e narrativa linear, para sensibilizar um público amplo sobre os problemas indígenas. Aves sin nido gerou controvérsia, levando à excomunhão da autora e à censura, mas se firmou como uma obra seminal da literatura latino-americana. Influenciou gerações de escritores e abriu um diálogo duradouro sobre desigualdades étnicas e sociais, ao marcar o início de um debate essencial na região.


Obra seminal é uma criação pioneira que lança bases para novos desenvolvimentos em um campo, influenciando profundamente ideias e práticas posteriores. O termo, deriva de "semente" e indica que a obra gera frutos ao inspirar debates, movimentos ou escolas de pensamento.


Na literatura, filosofia ou ciência, ela representa uma inovação marcante, frequentemente vista como um marco histórico. Aves sin nido, de Clorinda Matto de Turner, por exemplo, é considerada seminal no indigenismo latino-americano, pois denuncia as injustiças sofridas pelos povos indígenas. Influenciou gerações de escritores ao introduzir questões sociais e culturais que moldaram a literatura e o pensamento da região.

  

Outras obras importantes incluem:


Indole (1891): Um romance que também aborda questões sociais e culturais no Peru.

El Heraldo Cristiano: Uma coletânea de ensaios e textos religiosos que refletem seu interesse pela espiritualidade e ética.


Morte


Clorinda Matto de Turner faleceu em Buenos Aires em 25 de outubro de 1909. Em 1924 seus restos mortais foram levados para Lima em uma cerimônia de reconhecimento. Seu trabalho, marcado pelo compromisso com os direitos humanos, contribuiu para moldar o movimento indigenista e segue relevante na literatura e no ativismo social latino-americanos.


Legado


Considerada uma das precursoras do movimento indigenista na América Latina, sua obra não apenas abriu caminho para debates sobre justiça social e igualdade, mas também serviu de inspiração para futuras gerações de escritores e ativistas. Apesar da controvérsia que enfrentou em vida, seu trabalho continua sendo estudado e valorizado como parte essencial da literatura peruana e latino-americana.


Frase Marcante:


“Escribir es sembrar ideas, y sembrar ideas es sembrar cultura.”(Escrever é semear ideias, e semear ideias é semear cultura) ֍

 

֍

 

 Google

 



YouTube

 



 

 

 

 

 

 

 

35 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page