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Suki Kim - a sul-coreana disfarçada na Coreia do Norte

Atualizado: 13 de dez. de 2023





Sem você não há nós


Suki Kim é uma jornalista investigativa, romancista e ensaísta sul-coreana com cidadania americana e vivendo em Nova York. Ela viajou para Pyongyang pela primeira vez em 2002, juntando-se a um grupo leal a Kim Jong-il e escrevendo sobre isso para uma reportagem de capa da New York Review of Books. Em 2011, ela morou na Coreia do Norte disfarçada entre os futuros líderes do país durante o último ano do reinado de Kim Jong-il.


Disfarçada na Coreia do Norte


Suki Kim relatou à BBC Mundo como foi sua experiência, algo que poucos estrangeiros puderam experimentar nos últimos 70 anos de isolamento da Coreia do Norte:


 

"Meu interesse na Coreia do Norte vem de uma combinação de duas razões. Como jornalista, tinha uma frustração por não saber a verdade sobre o que ocorre naquele lugar, o que é uma enorme tragédia. A segunda é que minha família foi separada pela Guerra da Coreia, em 1950. Essa guerra e a posterior divisão da península separaram milhões de coreanos. Meu tio, irmão da minha mãe, ficou no norte, e minha avó nunca voltou a vê-lo. O mesmo ocorreu com os primos do meu pai".

 

O seu livro Without You, There's no Us: Undercover among North Korea's elite children (Sem Você, não há Nós: disfarçada entre os filhos da elite da Coreia do Norte) é uma documentação literária sem precedentes da nação Gulag mais secreta do mundo. Gulag era um sistema de campos de concentração da União Soviética onde os presos políticos sofriam violência, tortura e abusos de todos os tipos, além de serem obrigados a trabalhar em regime sub-humano. Esse sistema teve seu auge durante o governo do ditador Joseph Stalin.


Kim conseguiu um emprego na recém-inaugurada Universidade para a Ciência e Tecnologia de Pyongyang (PUST), a única universidade privada da Coreia do Norte, frequentada por filhos homens de dirigentes norte-coreanos. A PUST foi fundada por grupos evangélicos de vários países. Seus funcionários são principalmente professores americanos que estão ali como voluntários, financiados por suas igrejas. Kim foi contratada para dar aulas de inglês por um período de seis meses. A Coreia do Norte está cheia de paradoxos. Essa universidade é um deles.



Que país é esse?


A Coreia do Norte é um país com uma população de cerca de 25 milhões de pessoas, localizado no norte da Península Coreana entre o Mar do Leste (Mar do Japão) e o Mar Amarelo. É um estado comunista altamente secreto que permanece isolado da maior parte do mundo.


Em 1910, o Japão anexou formalmente a Península Coreana, que havia ocupado cinco anos após a Guerra Russo-Japonesa, entre 1904 e 1905. Durante 35 anos de domínio colonial os coreanos sofreram repressão brutal nas mãos do regime militar do Japão. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão enviou muitos coreanos para o front como soldados ou os forçou a trabalhar em fábricas de equipamentos de guerra. Milhares de jovens coreanas se tornaram "mulheres de conforto", prestando serviços sexuais a soldados japoneses.



Após a derrota do Japão, em 1945, os Estados Unidos e a União Soviética dividiram a península em duas zonas de influência ao longo do Paralelo 38, ou 38 graus de latitude norte. Em 1948, a Coreia do Sul, pró-EUA foi estabelecida em Seul, liderada pelo fortemente anticomunista Syngman Rhee. Ao final da Segunda Guerra Mundial, Kim II Sung foi escolhido por Stalin para liderar a Coreia do Norte.


 

"Os estudantes são tratados como soldados. Fazem exercício em grupo, correm em grupo, a cada hora saem para marchar em grupo para honrar o Grande Líder, e constantemente são doutrinados sobre a grandeza do Grande Líder e o ódio aos Estados Unidos. Eu cheguei a sentir um grande afeto por meu estudantes, que pareciam muito mais inocentes que outros jovens de 20 anos em outras partes do mundo. Eram adoráveis, enérgicos e curiosos. Os típicos estudantes dessa idade que fazem piadas o tempo todo. Esse aspecto humano é um enorme contraste com o estilo de vida que lhes é imposto e ao qual estão continuamente expostos".

 

A Guerra da Coreia


Em 1950, com o apoio da União Soviética e da China, as forças norte-coreanas invadiram a Coreia do Sul, dando início à Guerra da Coreia. Os Estados Unidos entraram na guerra liderando um exército de cerca de 340.000 soldados das Nações Unidas. Em julho de 1953, com mais de 2,5 milhões de baixas militares e civis, ambos os lados assinaram um armistício.


O acordo deixou as fronteiras da Coreia do Norte e do Sul essencialmente inalteradas, com uma zona desmilitarizada fortemente vigiada com cerca de 4 quilômetros de largura ao longo do Paralelo 38. Um tratado de paz formal, no entanto, nunca foi assinado.


A dinastia dos Kim




Kim Il Sung - após a Guerra da Coreia, Kim Il Sung moldou seu país de acordo com a ideologia nacionalista do Juche (autossuficiência). O Estado assumiu um controle rígido sobre a economia, coletivizou as terras agrícolas e estabeleceu a propriedade privada. A mídia, controlada pelo Estado, e as restrições a todas as viagens para dentro ou para fora do país ajudaram a preservar o véu de sigilo em torno das operações políticas e econômicas da Coreia do Norte. Com o apoio soviético, Kim transformou suas forças armadas em uma das mais fortes do mundo, mesmo com o crescimento econômico estagnado durante a década de 1980.




 

"É preciso lembrar que eles são os jovens das elites, mas que o resto da população vive sobre o mesmo controle. Houve ocasiões, aos domingos, quando nos permitiram sair em grupo e com escoltas em excursões que tinham sido previamente aprovadas, entre elas para visitar e colocar flores em edificações do Grande Líder. Às vezes, saíamos de Piongyang para visitar as Grandes Montanhas ou alguma fazenda. Fora da capital não se veem muitas coisas. As estradas estão vazias, não há carros nas ruas. As pessoas com quem tínhamos permissão de interagir, como os estudantes, pareciam com a gente. Mas as pessoas que se veem nas margens das estradas são marcadamente menores e parecem mal nutridas. Nunca nos permitiram falar com ninguém nas ruas".

 



Kim Jong-Il - a dissolução da União Soviética e do bloco oriental prejudicou a economia da Coreia do Norte e a China passou a ser seu único aliado. Em 1994, Kim Il Sung morreu de ataque cardíaco e foi sucedido por seu filho, Kim Jong-Il. O novo líder instituiu uma nova política, estabelecendo o Exército do Povo Coreano como a principal força política e econômica do país.


A nova política ampliou as desigualdades existentes entre as classes militares e de elite e a grande maioria dos cidadãos norte-coreanos comuns. Durante a década de 1990, inundações generalizadas, más políticas agrícolas e má gestão econômica levaram a um período de fome prolongada, com centenas de milhares de mortos e muitos aleijados pela desnutrição. O surgimento de um mercado negro robusto para atender a essa escassez forçaria o governo a tomar medidas para liberalizar a economia estatal.



Kim Jong Un - em dezembro de 2011, o cargo de líder supremo foi para Kim Jong Un, o segundo mais novo dos sete filhos de Kim Jong Il que morreu vítima de um ataque cardíaco. Kim Jong Un tomou medidas para consolidar o poder, ordenando a execução de seu próprio tio e outros rivais políticos e militares. O governo de Kim também continuou a trabalhar em seu arsenal nuclear, prejudicando ainda mais as relações de seu país com o Ocidente.


 

"Os lugares para onde nos levavam pareciam cenários de filmes e nunca havia pessoas nesses lugares. Só víamos os outros membros do grupo e, por toda parte, todos os lugares estavam cobertos com milhares de slogans do Grande Líder. Esta é a realidade que mostram. O controle no país é algo muito forte. Controlam cada aspecto da vida e tudo está relacionado ao Grande Líder. Depois de toda a investigação que tinha feito sobre a Coreia do Norte, nunca tinha imaginado que pudesse existir um controle tão grande. A realidade é pior do que se pode imaginar.

 

Guerra contra os Estados Unidos?


Em 2013, um terceiro teste nuclear resultou em sanções comerciais e de viagens do Conselho de Segurança da ONU, bem como um protesto formal da China, único grande aliado e principal parceiro comercial da Coreia do Norte. Em 2017, as tensões entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos atingiram um nível sem precedentes. Os norte-coreanos lançaram seu primeiro míssil balístico intercontinental com força para atingir o território continental dos Estados Unidos.


Ameaçou lançar mísseis perto do território norte-americano de Guam e testou uma bomba sete vezes maior do que as lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki. Tais ações provocaram sanções ainda mais duras do Conselho de Segurança da ONU e uma resposta agressiva do presidente dos EUA, Donald Trump, deixando a comunidade global temendo a possibilidade de uma guerra nuclear.



 

"A religião aqui não é permitida e o proselitismo (catequese, apostolado) é um crime muito sério, castigado com a morte. O único que se venera no país é o Grande Líder. Mas a comunidade evangélica fez um acordo com o governo: ela bancaria a universidade e não faria proselitismo - apesar de ser óbvio que este era o objetivo de longo prazo. Assim, grupos evangélicos fundamentalistas estão financiando a educação dos futuros líderes do país em troca de um potencial propósito missionário de longo prazo.

 



Os norte-coreanos pensam sobre o que está além de suas fronteiras?


Durante uma década Suki Kim realizou uma grande pesquisa sobre o país. Falou com quase cem desertores na China, Mongólia, Tailândia e Laos. Ela entrou na Coreia do Norte por períodos curtos, mas o que buscava era a possibilidade de poder viver ali, incógnita.


Ela assegura que os jovens nortecoreanos não têm permissão de expressar nenhuma curiosidade sobre o mundo exterior. Isso, para ela, é um tipo de abuso psicológico que condiciona os cidadãos a aceitar o que lhes rodeia sem questionamentos. Toda a rotina e o entretenimento do povo funcionam para honrar o regime e a filosofia do sistema.


 

"O governo tem de aprovar tudo o que ocorre na universidade. Eles selecionam os estudantes, que são principalmente filhos dos funcionários do partido dirigente. Na Coreia do Norte, o governo decide tudo sobre o indivíduo: a carreira que seguirá, a escola onde estudará, as atividades que fará. Quando eu estive lá, havia 270 estudantes, todos homens que viviam no campus. Eu ensinava inglês para duas classes, com cerca de 50 alunos de 19 e 20 anos cada. A universidade é vigiada pelos militares e ninguém tem permissão para sair. O governo define as escoltas que vivem com os professores no campus e seu trabalho é monitorá-los 24 horas por dia. Eu tive uma escolta me vigiando dia e noite, literalmente, já que seus integrantes dormiam no quarto abaixo do meu. Tudo o que fazíamos e ensinávamos, tinha de ser aprovado, monitorado e gravado".

 



Livros


Without You there is no Us (Sem Você não há Nós) - relato assombroso do ensino de inglês para os filhos da classe dominante da Coreia do Norte durante os últimos seis meses do reinado de Kim Jong-il. Todos os dias, três vezes ao dia, os estudantes marcham em duas linhas retas, cantando louvores a Kim Jong-il e à Coreia do Norte: Sem vocês, não há pátria. Sem você, não há nós. É uma cena arrepiante, mas aos poucos ela também aprende a melodia e, sem perceber, começa a cantarolá-la.

 

"O que eu pensava dos meus alunos? É uma pergunta bastante complexa. Para o meu livro, estava tratando de entender o que pensavam e sentiam, mas vivendo em um sistema de constante controle e vigilância ninguém sabe realmente o que as pessoas pensam ou sentem. Os estudantes também estão sob um sistema de supervisão constante. Nunca ficavam sozinhos. Eles se vigiavam e me vigiavam. Costumavam ter uma reunião semanal na qual informavam sobre os outros estudantes e sobre os professores".

 

Todas as universidades da Coreia do Norte, em 2011, estão fechadas por um ano inteiro e os alunos são enviados para campos de construção - exceto para os 270 alunos da Universidade de Ciência e Tecnologia de Pyongyang (PUST), um complexo murado onde retratos de Kim Il Sung e Kim Jong-il olham impassíveis das paredes de cada quarto.


Suki aceitou um emprego de professora de inglês e, nos próximos seis meses, ela fará três refeições por dia com seus jovens protegidos e lutará para ensiná-los a escrever, tudo sob o olhar atento do regime. O livro oferece um vislumbre comovente e incalculavelmente raro da vida no país mais desconhecido do mundo, e nos jovens privilegiados que ela chama de "soldados e escravos".


The interpreter (A intérprete) - Suzy Park é uma intérprete coreana-americana de 29 anos que trabalha para o sistema judiciário da cidade de Nova York. Ela faz uma descoberta assustadora e sinistra sobre a história de sua família que a enviará em uma busca apavorante. Cinco anos antes, seus pais, trabalhadores que perderam a felicidade pessoal para o ganho de seus filhos, foram brutalmente assassinados em um aparente roubo de sua loja. Mas o brilho de uma nova pista atrai Suzy para o perigoso submundo norte-coreano e, finalmente, revela o mistério do homicídio de seus pais.



 

"Foi sob esta constante vigilância que entendi a insuportável situação na qual vivem, o medo de estar sempre vigiando e denunciando os demais, a impossibilidade de ir a qualquer lugar ou com qualquer pessoa, e a forma como se restringe o mundo, sua imaginação. Nesta época, em 2011, os estudantes nunca tinham ouvido falar de internet, e eu era proibida de falar sobre isso. Eu tinha ordens restritas de não revelar a eles nada sobre o mundo exterior e eles não tinham nenhuma informação sobre o que ocorria fora do seu país, não sabiam do

Taj Mahal, nem da Torre Eifel, e tão pouco sabiam quem era Michael Jackson. A televisão na Coreia do Norte tem apenas um canal com programas sobre o Grande Líder. Também são transmitidos programas da China ou da Rússia, todos baseados nos "ideias socialistas". Há apenas um jornal e os artigos publicados também estão vinculados ao Grande Líder. O mesmo ocorre com os livros que leem e com todas as outras formas de educação e entretenimento."

 

Ensaios 


Um de seus ensaios mais aclamados, The Reluctant Memoirist (The New Republic, 2016) (O memorialista relutante - The New Republic, 2016), expôs o racismo e o orientalismo na publicação, bem como o enfraquecimento sistemático da experiência feminina, e trouxe a gigante editorial Penguin Random House, sua própria editora, para corrigir formalmente a rotulagem errada de seu livro. Seu Ensaio sobre o medo para Lapham’s Quarterly foi selecionado para o The Best American Essays 2018 (Houghton Mifflin Harcourt).


Reportagens


Seus artigos e ensaios foram publicados no The New York Times, Washington Post, Slate, Atlantic, New Yorker e New Republic, onde ela é editora colaboradora. A investigação de Kim sobre assédio sexual na rádio pública de Nova York WNYC para o The Cut foi eleita a "Melhor reportagem investigativa de 2017" pela Longreads, resultando na demissão de alguns de seus apresentadores de programas mais antigos e a eventual saída de sua presidente.


Em 2018, a série Best American Essays publicou seu Ensaio sobre o medo e, em 2020, para uma reportagem da New Yorker, Kim fez uma entrevista com Adrian Hong, o líder indescritível da primeira oposição norte-coreana que falou com ela enquanto fugia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.



Bolsas e prêmios


Kim recebeu as seguintes bolsas: Guggenheim, George Soros Open Society, Fulbright Senior Scholar e Nova América. Recebeu também o Prêmio de Berlim na Academia Americana, além de atuar como professora Ferris de Não-ficção Criativa na Universidade de Princeton. Sua TED Talk atraiu quase 6 milhões de espectadores. Ela foi a palestrante principal da convocação de 2020 do Barnard College, da Universidade de Columbia.


Kim tem sido destaque na mídia em todo o mundo, da CNN, BBC, MSNBC, incluindo programas como CBS This Morning, Christian Amanpour Show e The Daily Show com Jon Stewart, bolsista do Radcliffe Institute for Advanced Study 2021-2022 na Universidade de Harvard. Está trabalhando em um livro de não ficção (a ser publicado pela WW Norton), que foi finalista do Prêmio J. Anthony Lukas Work-in-Progress.

 

"Vivi o tempo todo aterrorizada. Se não estivesse escrevendo o livro, minha situação teria sido diferente, mas estava tomando notas em segredo e sabia que nunca ninguém tinha tentado fazer isso no país. Mantive minhas notas em memórias de USB e sempre as levava comigo. Todos os dias apagava tudo do meu computador e não deixava nenhum rastro do meu trabalho. A possibilidade de que a minha escolta descobrisse essas notas me dava arrepios. No meu quarto havia microfones ocultos; e todas as aulas que eu dava eram gravadas. É um sistema de medo constante. Vivi aterrorizada pensando que poderia morrer ali."

 

Seu primeiro romance, The Interpreter (Farrar, Straus & Giroux) foi o vencedor do PEN Open Book Award e finalista do PEN Hemingway Prize, e sua não-ficção apareceu no The New York Times, The New York Review of Books, Washington Post, Harper's, Atlantic, The New Yorker e The New Republic, onde é editora colaboradora.




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