Da Dominação Estrangeira ao Sentimento Nacionalista Estoniano
Lydia Emilie Florentine Jannsen, poetisa e prosadora, conhecida como Lydia Koidula, nasceu em 24 de dezembro de 1843, em Vana - Vändra, na Estônia. Seu pai, Johann Voldemar Jannsen, foi autor da letra do atual hino nacional da República da Estônia e fundador dos jornais Pärnu Postimees e Eesti Postimees.
Lydia é conhecida na história da literatura estoniana como uma poetisa lírica. Autora de várias coletâneas de poemas, atingiu seu auge artístico entre 1860 e 1880. Com seus poemas, ela buscava despertar a consciência nacional e a unidade do povo estoniano. Muitos deles se tornaram canções populares.
A Estônia é um país localizado no norte da Europa, banhado pelo Mar Báltico e limitado pelo Golfo da Finlândia. A partir do século X, os vikings da Escandinávia avançaram pela região e inauguraram um período de intensificação das ocupações estrangeiras nos países bálticos, incluindo a Estônia. O país passou pelo domínio de dinamarqueses, ordens católicas, suecos, alemães e russos.
Os alemães invadiram a Estônia no século XIII e entraram em conflitos diretos com os vikings. O domínio alemão se estendeu até o século XVI. Letônia e Estônia formavam a Confederação Livoniana. Com o fim da confederação, a Estônia foi incorporada ao Império Sueco, que passou a abranger grande parte da região do Báltico.
Enquanto uma rica cultura folclórica de canções, contos de fadas, provérbios e enigmas florescia nas aldeias, não existiam ainda uma linguagem literária e literatura estoniana. A intelectualidade urbana estava sob forte influência alemã e, posteriormente, russa. Pobreza e ignorância rondavam o campo, enquanto línguas e tradições estrangeiras tomavam conta das cidades.
Inspirados no folclore tradicional estoniano e no épico Kalevala, da Finlândia, Friedrich Reinhold Kreutzwald (1803–1882), médico e escritor estoniano, considerado o pai da literatura nacional, e Friedrich Robert Fählmann (1798–1850) passaram três décadas coletando lendas, mitos e canções antigas de sua nação. A essa altura, os intelectuais estonianos, influenciados pelo espírito do nacionalismo romântico, pediram aos estudiosos que se "dessem à nação um épico e uma história, o resto seria ganho".
De 1857 a 1861, encorajado pela Sociedade Erudita da Estônia, fundada em 1838, Kreutzwald publicou a obra épica em sua forma final de 18.993 versos sob o título Kalevipoeg (O Filho de Kalev, pai dos heróis). Poderoso e agitado, Kalevipoeg termina com a profecia de que um dia o filho de Kalev será libertado por um incêndio da rocha que o mantém prisioneiro, e os estonianos voltarão a ser um povo feliz e próspero.
Período do Despertar Nacional na Estônia
Na década de 1860, quando Koydula começou a publicar suas obras, o clima político e literário era bastante autoritário. Apesar disso, foi o momento do despertar nacional quando o povo estoniano começou a sentir o orgulho nacional e a aspirar à autodeterminação. Koidula foi a voz mais articulada dessas aspirações.
A Era do Ärkamisaeg (Despertar da Estônia) é um período da história em que os estonianos se reconhecem como uma nação que merece o direito de se autogovernar. Esse período começa na década de 1850, com maiores direitos sendo concedidos aos plebeus, e termina com a declaração da República da Estônia, em 1918. Porém, em 1940, o país foi dominado pela URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A recuperação de sua soberania só aconteceu em 1991, com o fim da URSS.
Movimento Biedermeier
Biedermeier é o termo pelo qual ficou conhecido um estilo popular na Alemanha e na Áustria, parecendo uma imitação simplificada do estilo do império francês que o precedeu. O movimento durou de 1815 a 1848. O termo tornou-se depreciativo porque designava uma arte avaliada como gosto pequeno burguês, típica da classe média germânica da primeira metade do século XIX. Todavia, para muitos alemães essa predileção era uma virtude e simbolizava a sobriedade, os sentimentos simples e domésticos.
Na literatura, o termo Biedermeier apareceu primeiro nos círculos literários na forma de um pseudônimo, Gottlieb Biedermaier, usado pelo médico rural Adolf Kussmaul e pelo advogado Ludwig Eichrodt em sua obra Fliegende Blätter (Folhas Voadoras), coleção de poemas que a dupla havia publicado em Munique.
A Poesia Patriótica
A parte mais significativa da criação de Koidula é sua poesia patriótica. O espírito nacionalista que reivindicava a cultura e a língua nativas em algumas terras sujeitas ao Império Russo, era uma questão muito espinhosa naquela época. No entanto, em 1857, durante o reinado liberal do czar Alexandre II (1855-1881), o pai de Lydia conseguiu a permissão da censura e publicou o Pärnu Postimees, primeiro jornal diário em língua estoniana que circulou até 1863. No mesmo ano ele fundou o Eesti Postimees cujo conteúdo era semelhante ao anterior. Lydia ajudou seu pai na edição dos dois jornais. Em 1865, aos 22 anos, e sob o pseudônimo "L", ela publicou seu primeiro poema intitulado Koddo (Casa), no Eesti Postimees.
Em 1850, sua família se mudou para um condado perto de Pärnu e, em 1864, para a cidade de Tartu. Talvez a nostalgia de sua terra natal tenha sido o que a inspirou a escrever sua poesia romântica. Ela constantemente se referia ao seu país e ao seu povo que durante séculos viveu em condições próximas à escravidão pelos barões germano-bálticos.
Na primeira coleção anônima de 1866, chamada Waino-Lilled (Flores do Prado), ela seguiu o estilo alemão Biedermeier de sensível poesia idílica. A maioria dos poemas são baseados em modelos e alguns deles já soam uma nota de patriotismo, que se tornaria sua missão.
Em 1867, na segunda coleção também anônima, chamada Emmajöe Öpik (O Rouxinol de Emajõgi), ela aparece como uma barda da nação, cujos versos romanticamente exultantes expressavam os sentimentos e pensamentos de uma nação que despertava para uma nova vida. Bardo, na Europa antiga, era a pessoa encarregada de transmitir histórias, mitos, lendas e poemas de forma oral, cantando as histórias do seu povo em poemas recitados.
Mais tarde, os bardos seriam chamados trovadores. As tradições musicais e literárias que transmitiram às gerações sucessivas deram origem às canções de gesta. Para tocar suas músicas, o bardo usava frequentemente um alaúde, instrumento de cordas, de origem árabe, com caixa-de-ressonância em forma de meia pera e braço comprido. Na maioria das vezes os bardos contavam uma história triste ou poemas épicos, com acompanhamento de liras ou de harpas.
A influência alemã no trabalho de Koidula era inevitável. Os alemães do Báltico detinham a hegemonia na região desde o século XIII. Durante todo o domínio alemão, polonês, sueco e russo, o alemão era a língua de instrução e da intelectualidade na Estônia do século XIX.
A Língua Como um Instrumento de Comunicação
A tradição literária estoniana iniciada por Friedrich Reinhold Kreutzwald, continuou com Koidula. Enquanto O Bardo de Viru tentou imitar as tradições folclóricas regivärss estonianas antigas, Koidula escreveu em modernos medidores de rima da Europa Ocidental, a forma dominante em meados do século XIX.
Com isso, a poesia de Koidula ficou muito mais acessível ao leitor popular. Mas sua maior importância não está tanto na forma preferida de verso e sim em seu poderoso uso da língua estoniana. O estoniano, na década de 1860, ainda estava restrito a uma província báltica da Rússia Imperial dominada pelos alemães. Era a língua do camponês oprimido.
A língua estoniana permaneceu objeto de disputas ortográficas, ainda usada principalmente para textos educacionais ou religiosos predominantemente paternalistas, conselhos práticos para agricultores ou contos populares baratos e leves.
A importância da poesia de Koidula não está no tipo de verso poético e sim no uso desenfreado e explosivo da língua estoniana, como meio de descarga emocional e poética. Ela usou, com sucesso, o vernáculo para expressar emoções que vão desde um poema afetuoso sobre o gato da família, em Meie kass (Nosso gato), em uma delicada poesia de amor, Head ööd (Boa noite) até à vingativa Mo isamaa, nad olid matnud (Meu país, eles o enterraram). Com Lydia Koidula a visão colonial de que a língua estoniana era um instrumento de comunicação subdesenvolvido foi, comprovadamente contrariada.
Pioneira na Dramaturgia Estoniana
No início do século XIX, o teatro estoniano não era apreciado e muitos escritores consideravam de pouca importância a dramaturgia e a arte teatral, mesmo tendo Kreutzwald traduzido duas tragédias em verso.
Em 1865, em Tartu, os Jannsens fundaram a Vanemuise Selts (Sociedade Vanemuine) com o objetivo de promover a cultura estoniana. Lydia foi a primeira a escrever peças originais em estoniano e a abordar os aspectos práticos da direção de palco e produção.
No final da década de 1860, tanto estonianos quanto finlandeses começaram a desenvolver trabalhos em suas línguas nativas. Koidula, escreveu e dirigiu, para a Sociedade Vanemuine, a comédia Saaremaa Onupoeg (Primo de Saaremaa) no Solstício de Verão de 1870. A peça, considerada o início do teatro de língua estoniana, foi baseada na farsa Der Vetter aus Bremen (O Primo de Bremen), de Theodor Körner, adaptada a uma situação estoniana. A caracterização era rudimentar e o enredo simples, mas popular. Por isso, Lydia Koidula é considerada a fundadora do teatro estoniano.
A relação dela com o teatro foi influenciada pelo filósofo Gotthold Ephraim Lessing (dramaturgo, filósofo e crítico de arte alemão, considerado um dos maiores representantes do Iluminismo, conhecido também por sua crítica ao antissemitismo e à defesa do livre pensamento e tolerância religiosa). Ele foi autor da peça Erziehung des Menschengeschlechts (A educação da raça humana, de 1780). Suas obras consideradas didáticas eram um veículo de educação popular.
Os recursos teatrais de Koidula eram poucos e grosseiros (atores inexperientes, amadores e mulheres interpretadas por homens), mas o que impressionava seus contemporâneos era a galeria de personagens críveis e o conhecimento de situações contemporâneas. Muito menor em escala, mas pioneiro, é o trabalho dramático criado por Koidula e suas atividades no estabelecimento do palco estoniano.
Suas peças, modestas e simples diante das circunstâncias, iniciaram uma veracidade na vida das pessoas e um pensamento idealista no palco estoniano, razão pela qual foram repetidamente encenadas em anos posteriores.
Biografia
Lydia Emilie Florentine Jannsen nasceu em 24 de dezembro de 1843 (embora algumas biografias indiquem que ela nasceu em 12 de dezembro), na cidade de Vana-Vändra, Condado de Pärnu, na antiga província da Livônia. Ela era filha do ativista político e cultural Johann Voldemar Jannsen, fundador do Pärnu Posttimees, primeiro jornal em língua estoniana, em 1857, e do Eesti Postimees, em 1863. Ele também foi autor da letra do atual hino nacional da República da Estônia: Mu isamaa, mu õnn ja rõõm (Minha terra natal, minha felicidade e alegria', 1869). A mãe dela era alemã e pouco se sabe sobre ela.
Em 1850, sua família se estabeleceu em Pärnu, onde ela estudou em uma escola alemã para meninas (1854-1861), e em 1862 ela passou com sucesso no exame da Universidade de Tartu e obteve o diploma de tutora.
Em 1863, toda a família mudou-se para Tartu (Dorpat, na época), a cidade mais liberal da Estônia. Em 1869, Johann Voldemar Jannsen foi a pessoa-chave no início da tradição do festival da canção Lalupidu. Reunindo coros de todo o país, o festival se tornou o evento cultural mais importante para os estonianos e um suporte fundamental para sua consciência como nação.
Em 1873, Lydia se casou com Edward Michelson, um estudante letão da Universidade de Tartu. Eles se mudaram para Kronstadt, onde ele trabalhou como médico militar. Em 1874, nasceu seu primeiro filho, Hans Waldemar; dois anos depois nasceu a filha, Hedwig, e em Viena, nasceu a segunda filha, Anne, em 1878. Entre 1876 e 1878, a família Michelson viajou para cidades como Breslau, Estrasburgo e Viena. Vítima de câncer, Lydia morreu em Kronstadt, perto de São Petersburgo (Rússia), em 11 de agosto de 1886֎
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