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Júlia Lopes de Almeida - Uma escritora à frente do seu tempo

campusaraujo

Atualizado: 2 de mar.


A escritora e abolicionista brasileira Júlia Lopes de Almeida integrava o grupo de escritores e intelectuais que planejou a criação da Academia Brasileira de Letras, em 1897. Seu nome constava da primeira lista dos 40 "imortais" que fundaram a instituição, elaborada pelo escritor Lúcio de Mendonça (1854-1909).


O planejamento da Academia começou logo após a Proclamação da República (1889), por iniciativa de um grupo de intelectuais. Júlia Lopes era a única mulher. Em artigo no jornal O Estado de S. Paulo, Lúcio de Mendonça considerou ser justo oferecer uma cadeira na Academia para a escritora. Isso não ocorreu porque, segundo os intelectuais que se opuseram, não havia mulheres na Académie Française de Lettres, que servia de inspiração para a Academia Brasileira. Um machismo mal disfarçado.


Renegando o protagonismo e a emancipação feminina, a ABL concedeu um lugar no grupo ao marido da escritora, Filinto de Almeida, para ocupar a cadeira número 3, que seria dela. Ele chegou a ser chamado de acadêmico consorte. Somente em 1977, 80 anos após a fundação, Rachel de Queiroz (1910-2003) foi eleita a primeira mulher para a Academia.

"Por que não hei de enganar do mesmo modo? Em consciência não há homens nem mulheres: há seres com iguais direitos naturais, mesmas fraquezas e iguais responsabilidades... Mas não há meio dos homens admitirem semelhantes verdades. Eles teceram a sociedade com malhas de dois tamanhos - grandes para eles, para que seus pecados e faltas saíam e entrem sem deixar sinais; e extremamente miudinhas para nós"

Júlia Lopes de Almeida, em "Eles e elas".

2a. ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1922, p. 137.                                                                                    

Em 2017, depois de 120 anos, a ABL homenageou Júlia Lopes, no ciclo de conferências Cadeira 21, e reconheceu a injustiça por ela sofrida.


Retrato da sociedade da época


Crítica da situação social do Brasil, em seus romances a autora costumava representar a sociedade sob várias perspectivas por meio de enredos, tramas e intrigas nos quais imprime posicionamentos políticos, ideológicos e religiosos próprios do momento retratado.


Diferindo-se dos escritores homens desse período em relação aos assuntos de destaque em sua obra e sobre a visão que aplica a eles, Júlia Lopes deixou um legado rico no sentido de retratação da sociedade desde a abolição da escravatura até a década de 1930.


Situação das mulheres na literatura


Júlia Lopes era considerada uma escritora com ideias avançadas para a sua época. Ela defendia a abolição da escravatura, a república, o divórcio, a educação formal de mulheres, a emancipação dos corpos femininos e os direitos civis. Com o texto clássico e à frente de seu tempo, ela insere em suas obras diferentes pontos de vista e representa a mulher e a diferença de tratamento a elas dado pela sociedade.

... Os povos mais fortes, mais práticos, mais ativos, e mais felizes são aqueles onde a mulher não figura como mero objeto de ornamento; em que são guiadas para as vicissitudes da vida com uma profissão que as ampare num dia de luta, em uma boa dose de noções e conhecimentos sólidos que lhe aperfeiçoem as qualidades morais. Uma mãe instruída, disciplinada, bem conhecedora de seus deveres, marcará fundo indestrutivelmente, no espírito do seu filho, o sentimento da ordem do estudo e do trabalho de que tanto carecemos.

 

Júlia Lopes de Almeida, em A Mensageira, 1897


Autora bem diversificada, ela escreveu romances, contos, crônicas, ensaios e peças de teatro durante uma época em que mulheres que aspiravam a qualquer profissão, além de cuidar do lar, eram explicitamente ignoradas — ou então, simplesmente substituídas por homens.


As mulheres, ao longo da história, criaram, atuaram, escreveram e produziram belíssimos trabalhos nas mais diversas áreas do conhecimento humano. Porém, os tempos eram ainda mais difíceis e conservadores. O protagonismo sempre acabava indo parar nas mãos de seus maridos ou professores.


Segundo o site da Editora Darkside, a abolicionista realizou inúmeras palestras ao longo de sua vida, a fim de conscientizar as mulheres sobre seus papéis de emancipação perante a sociedade misógina da época. Júlia tornou-se uma das escritoras mais publicadas durante o período da Primeira República (1889-1930). Tal sucesso lhe rendeu visibilidade e a publicação de diversos artigos e matérias que abordavam direitos iguais entre os gêneros.


Conhecer a história de Júlia Lopes de Almeida é entender e se dar conta de que vestígios de um sexismo enraizado em nossa sociedade ainda se fazem presentes na jornada de inúmeras mulheres que lutam para conquistar seus espaços.


A partir dos anos 1970, aconteceu a redescoberta de Júlia Lopes e de outras autoras esquecidas, principalmente no meio acadêmico, nos estudos e pesquisas das áreas de Letras e Ciências Sociais.

Por isto o que não quero é escrever meramente; não penso em deliciar o leitor escorrendo-lhe n'alma o mel dos sentimento, nem em dar-lhe comoções de espanto e de imprevisto. Pouco me importo de florir a frase, fazê-la cantante ou rude, recortá-la a buril ou golpeá-la a machado; o que quero é achar um engaste novo onde encrave as minhas ideias, seguras e claras como diamantes: o que quero é criar todo o meu livro, pensamento e fórmula, fazê-lo fora desta arte de escrever, já tão banalizada, onde me embaraço com raiva e não saber nada de melhor. (...) quero escrever um livro novo, arrancado do meu sangue e do meu sonho, vivo, palpitante, com todos os detalhes de céu e de inferno que sinto dentro de mim; livro rebelde sem adulações, digno de um homem.

 

Júlia Lopes de Almeida em Ânsia Eterna - 1903

Escolas literárias da época


Realismo – originário da França, o Realismo é a escola literária que analisa a realidade da época vivida pelo autor. No Brasil, ele surge depois do Romantismo e antes do Simbolismo, compreendendo os anos de 1881 a 1893 – o mesmo período em que o Naturalismo e o Parnasianismo também ocorreram. Marcado pelo objetivismo, pela veracidade e pela denúncia social, o Realismo brasileiro tem início com a obra de Machado de AssisMemórias Póstumas de Brás Cubas, publicada em 1881.


Parnasianismo – movimento literário que surgiu na mesma época do Realismo e do Naturalismo, no final do século XIX. De influência e tradição clássica, tem origem na França. É baseado no culto da forma, na impassibilidade e impessoalidade, na poesia universalista e no racionalismo. A proposta inovadora era de uma poesia de linguagem rebuscada, racional e perfeita do ponto de vista formal. Acreditavam que, se estivessem apoiados no modelo clássico poderiam contrapor os exageros e a fantasia típica do Romantismo.


Naturalismo – também surgido na França, foi um movimento artístico e cultural que se manifestou na literatura, no teatro e nas artes plásticas. Suas características principais são a objetividade, a impessoalidade e o retrato fiel da realidade. O movimento foi influenciado pelas correntes científicas e filosóficas que surgiam na Europa como o determinismo, o darwinismo e o cientificismo. Para os artistas naturalistas, tudo estava determinado e possuía uma explicação lógica pautada na ciência. Assim, surge uma arte de denúncia social, focada nos temas da pobreza, das desigualdades, da disputa de poder e das patologias sociais. No Brasil, o movimento naturalista começa em 1881 com a publicação da obra O Mulato, de Aluísio de Azevedo. Já em Portugal, o movimento surge em 1875 com o romance O crime do padre Amaro, do escritor Eça de Queiroz.


Características literárias


Júlia Lopes de Almeida é associada ao Realismo e ao Naturalismo. Portanto, a sua obra mais conhecida — A falência (1901) — é marcada pela objetividade, crítica à sociedade brasileira, temática do adultério e determinismo. É possível encontrar em suas obras as seguintes características:

֎ Objetividade - em oposição ao sentimentalismo.

 

֎ Antropocentrismo - valorização da razão.

 

֎ Crítica à sociedade brasileira.

 

֎ Valorização do momento presente.

 

֎ Presença da temática do adultério.

 

֎ Cientificismo - uso exagerado de teorias científicas na análise de personagens.

 

֎ Determinismo - influência do meio, raça e momento histórico nos personagens.

 

֎ Biologismo - o comportamento dos personagens é associado a causas biológicas.

 

֎ Zoomorfização - atribuição de características animais a seres humanos.

Pioneirismo na literatura infantil


Pioneira da literatura infantil no Brasil, seu primeiro livro, Contos Infantis (1886), foi uma reunião de 33 textos em verso e 27 em prosa destinados às crianças, escrito em parceria com sua irmã, Adelina Lopes Vieira.  

  

 Obras publicadas

Romances

 

A Família Medeiros (1892)

A Viúva Simões (1897)

Memórias de Marta (1899)

A Falência (1901)

A Intrusa (1908)

Cruel Amor (1911)

A Silveirinha (1913)

Correio da roça (1913)

A Casa Verde

Pássaro Tonto (1934)

O Funil do Diabo 1934

Novelas e contos

 

Traços e Iluminuras (1887)

Ânsia Eterna (1903)

Era Uma Vez (1917)

A Isca (1922)

A Caolha

Diversos

 

O livro das Noivas (1896)

Livros das Donas e Donzelas (1906)

Jardim Florido (1922)

Jornadas No Meu País (1920)

Eles e Elas

Oração a Santa Dorotéia (1923)

Maternidade (obra pacifista)

Brasil (conferência)

Teatro

 

A Herança (1909)

O Caminho do Céu

A Última Entrevista

A Senhora Marquesa

O Dinheiro dos Outros

Vai Raiar o Sol

Escolares

Histórias na nossa Terra (1907)

Contos Infantis (com Adelina Lopes Vieira)

A Árvore (com Afonso Lopes de Almeida)

Biografia


Júlia Lopes de Almeida nasceu em 24 de setembro de 1862, no Rio de Janeiro. Filha de portugueses ricos e cultos, quando ainda era criança, ela e sua família se mudaram para uma fazenda, em Campinas, no estado de São Paulo. Júlia recebeu uma educação liberal e, com o apoio do pai, aos 19 anos de idade, já escrevia para A Gazeta de Campinas, coisa bem incomum para as mulheres da época, monopolizadas pelos homens.

 

Em 1886, Júlia Lopes mudou-se para Lisboa. Em coautoria com a irmã, a escritora Adelina Lopes Vieira, publicou o livro Contos infantis. Em razão disso, é considerada uma das pioneiras da literatura infantil brasileira. Em Portugal ela conheceu e se casou com o poeta português Filinto de Almeida e publicou seu primeiro livro para adultos, Traços e iluminuras, escrito quando a autora tinha 24 anos ֎

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