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Emily Pauline Johnson - Identidade Indígena em uma Sociedade Colonizada no Canadá

Atualizado: há 5 dias


Emily Pauline Johnson, também conhecida como Mohawk Tekahionwake, nome de seu avô, Tekahionwake ("Duplo Wampum"), nascida em Ontário, Canadá, em 10 de março de 1862, na Six Nation Indian Reserve, condado de Brant, falecida em 7 de março de 1913, em Vancouver, Canadá. Filha de George Henry Martin Johnson, um chefe Mohawk fluente em várias línguas, e de Emily Susanna Howells, canadense nascida na Inglaterra. No final do século XIX ela se destacou como uma das artistas mais notáveis da América do Norte.


Os Mohawk são a tribo mais oriental da Haudenosaunee, ou Confederação Iroquesa. A Confederação Iroquesa ou Haudenosaunee foi uma civilização pré-colombiana e confederação tribal muito poderosa que existiu no nordeste da América do Norte. Eles eram conhecidos como Liga Iroquesa pelos franceses ou como as Cinco Nações pelos britânicos e, posteriormente, Seis Nações.  São um povo indígena de língua iroquesa da América do Norte, com comunidades no norte do Estado de Nova York e no sudeste do Canadá (Ontário), principalmente ao redor do Lago Ontário e do Rio São Lourenço.


A poesia de Emily foi publicada no Canadá, Estados Unidos e Grã-Bretanha e contribuiu para a definição da literatura canadense. Suas obras celebravam sua herança mestiça, combinando influências indígenas e inglesas. Pauline era uma talentosa escritora e oradora que viajou extensivamente, encantando o público com suas performances dramáticas.


Ela contribuiu significativamente para as culturas indígena e canadense e foi homenageada como Pessoa de Importância Histórica Nacional. Sua casa de infância é, atualmente, um Sítio Histórico Nacional. Embora sua reputação tenha diminuído após sua morte, houve um ressurgimento do interesse por sua obra a partir do final do século XX.



Histórico da Família


Seus ancestrais, da nação Mohawk, habitavam o atual estado de Nova York e faziam parte das Cinco Nações da Liga Iroquesa. Tekahionwake, bisavô de Pauline, adotou o nome Jacob Johnson e mudou-se para o Canadá onde recebeu terras da Coroa durante a Revolução Americana. Seu pai, George Henry Martin Johnson (Onwanonsyshon) (1816 –1884) foi um membro do clã Wolf e selecionado como chefe hereditário dos Mohawk das Seis Nações no Canadá.


Ele também serviu como intérprete oficial e diplomata informal entre os governos Mohawk e canadense. Sua casa em Chiefswood, construída em 1856 no Grand River, foi designada e preservada como um Sítio Histórico Nacional; é a única mansão das Primeiras Nações da era pré-Confederação Canadense.


George era também um intérprete e negociador cultural entre os Mohawk, os britânicos e o governo canadense. Ele  foi um chefe respeitado e intérprete da Coroa para mediar acordos entre indígenas e europeus. Enfrentou desafios ao tentar impedir o comércio ilegal na reserva, mesmo assim, construiu a mansão Chiefswood.

 

Infância e Educação



A educação de Pauline foi marcada pela ênfase de sua mãe no refinamento e na dignidade, o que  influenciou seu comportamento aristocrático. George incentivou os filhos a valorizar suas heranças Mohawk e inglesa. Contudo, apesar de serem legalmente considerados Mohawk, as crianças não eram reconhecidas dentro do sistema de parentesco matrilinear da tribo, o que as excluía de aspectos significativos da cultura Mohawk. As identidades indígena e europeia contribuíram para a formação de Pauline como escritora e performer na busca da conciliação de suas raízes culturais.


De saúde frágil, Pauline Johnson foi educada principalmente em casa, mergulhando em clássicos literários como Lord Byron, John Milton e William Shakespeare, além de obras sobre povos indígenas, como The Song of Hiawatha (A Canção de Hiawatha). Apesar do racismo, ela e seus irmãos foram incentivados a valorizar sua herança Mohawk, tendo como referência o avô John Smoke Johnson, um respeitado contador de histórias.



John Smoke Johnson ou Sakayengwaraton, era um líder Mohawk no Canadá. Depois que Johnson lutou pela Coroa Britânica na Guerra de 1812, ele foi homenageado por seu conselho tribal como "Pine Tree Chief" (Chefe Pinheiro), uma posição não hereditária. Ele foi influente nas comunidades Mohawk e anglófonas do Alto Canadá.


Embora compreendesse o idioma Mohawk, Emily Pauline não era fluente o bastante e lamentou por isso mais tarde. Inspirada pelo talento dramático do avô, ela se destacou em elocução e performances, utilizando artefatos herdados, o que influenciou sua produção literária e artística.


De 1856 a 1884, ela viveu em Ontario com seus três irmãos. Teve problemas de saúde na infância e, diferentemente de outras crianças indígenas, não frequentou a escola diurna na reserva. Recebeu educação anglicana de sua mãe e governantas. Em 1876, aos quatorze anos, começou a estudar no Brantford Central Collegiate e se formou em 1877.


Durante os anos 1880, envolveu-se em produções teatrais amadoras. Em 1892, destacou-se ao ler seu poema Cry from an Indian Wife (Choro de uma esposa indiana) em um evento na Toronto Art School Gallery, onde lançou sua carreira como poeta performática. Ela criou um ato de duas partes, enfatizando sua herança indígena e europeia, e viajou pela América do Norte, com muito sucesso.

 

Vida amorosa de Emily Pauline


Emily Pauline teve muitos pretendentes, teve mais de meia dúzia de propostas de casamento de euro-canadenses. Dois romances conhecidos foram com Charles R. L. Drayton em 1890 e Charles Wuerz em 1900, mas ela nunca se casou e teve relacionamentos curtos. Flertou com garotos em Grand River e escreveu poesia "intensamente erótica". Apesar de sua carreira, não estava disposta a renunciar à sua herança racial para agradar parceiros ou familiares. Ela mantinha uma forte rede de amigas fundamentais em sua vida.


“As mulheres gostam mais de mim do que os homens. Nenhuma me decepcionou e espero não ter decepcionado nenhuma delas. É um grande prazer para mim conhecer uma mulher simpática, uma que eu sinta que me entenderá e, por sua vez, me deixará espiar sua própria vida - ter confiança em mim, que é uma das coisas mais queridas entre amigos, estranhos, conhecidos ou parentes”.



Escrita e Poesia


Influenciada por sua criação, ela começou a escrever poesia na adolescência. Os temas versavam sobre vida, amor e a condição humana. Seu trabalho destacava a cultura indígena, especialmente as de mulheres e crianças. Alcançou grande sucesso ao publicar extensivamente em jornais e revistas. Em 1884, ela publicou seu primeiro poema na revista Gems of Poetry. A partir daí divulgou mais poemas em outras publicações, incluindo o The Week, de Toronto.


Em 1895, lançou sua primeira coleção de poesias, The White Wampum* (O Wampum Branco), seguida por Canadian Born (Nascida no Canadá - 1903) e Flint and Feather (Pederneira e Pena - 1912). Em 1911, publicou Legends of Vancouver (Lendas de Vancouver), baseada em histórias do chefe Squamish, Joe Capilano. Wampum é a designação dada a contas feitas de conchas de moluscos marinhos, tradicionalmente consideradas sagradas pelas tribos ameríndias da região nordeste do continente norte-americano.

 

Turnês de Palestras


Após a morte de seu pai, em 1884, com pouco mais de 20 anos, mudou-se para Brantford, Ontário, com sua mãe e irmã idosas. Enfrentou uma sociedade com rígidos papéis de gênero e vulneráveis à pobreza. Emily começou a escrever como forma de sustento e a se apresentar, utilizando suas performances para satirizar estereótipos sobre os indígenas.


Usando seu nome indígena, "Tekahionwake", ela viajou pelo Canadá, Inglaterra e Estados Unidos. Sua obra conectava suas raízes indígenas ao público canadense, destacando sua ancestralidade em performances e textos. Ficou popular por suas recitações de poemas patrióticos. Sempre começava suas performances vestindo trajes tradicionais Mohawk e depois trocava para roupas vitorianas, estratégia que impulsionou seu sucesso e ampliou sua notoriedade até 1909.



Mais tarde, ela se estabeleceu em Vancouver, onde escreveu contos em prosa baseados na vida e lendas indígenas romantizadas: Lendas de Vancouver (1911), The Shagganappi (1913) e The Moccasin Maker (1913). Seus versos foram coletados como Flint and Feather (1912). Seu poema "The Song My Paddle Sings" (A Canção Que Meu Remo Canta) é familiar a todas as crianças canadenses em idade escolar.


Pauline publicou 165 poemas e lançou três coleções de poesia, incluindo Flint and Feather (1912) e The White Wampum (1895). Como jornalista, publicou volumes de histórias como Legends of Vancouver (1911). Suas obras frequentemente abordavam as preocupações dos povos Mohawk e criticavam a desumanização dos indígenas no Canadá, embora também expressasse nacionalismo canadense e apoio ao imperialismo britânico.


Literatura Canadense


A literatura canadense retrata a origem dupla e o bilinguismo do país, ou seja,  obras escritas em inglês e francês. Os primeiros escritos eram relatos de viagem e exploração, com exploradores como Samuel Hearne e Alexander Mackenzie documentando suas experiências com povos indígenas. O primeiro romance canadense, History of Emily Montague, de Frances Brooke, foi publicado em 1769.


O primeiro florescimento literário ocorreu em Halifax e Fredericton, com a Nova-Scotia Magazine como o primeiro periódico literário, lançado em 1789. A partir de 1867, com a criação do Domínio do Canadá, a atividade literária aumentou, destacando poetas da Confederação e vozes originais como Isabella Valancy Crawford.


Samuel Hearne foi um explorador, comerciante de peles, autor e naturalista inglês. Ele foi o primeiro europeu a fazer uma excursão terrestre pelo norte do Canadá até o Oceano Ártico, especificamente ao Golfo da Coroação, através do Rio Coppermine. Sir Alexander Mackenzie foi um explorador escocês-canadense. Mackenzie nasceu em Stornoway na Ilha de Lewis em Outer Hebrides, Escócia. Em 1774 sua família se mudou para Nova York e depois para Montreal em 1776 por causa da Revolução Americana.


Carreira literária


Em 1883, Emily Pauline publicou seu primeiro poema, My Little Jean (Minha pequena Jean), e, em 1885, seu poema A Cry from an Indian Wife (Um grito de uma esposa índia) apareceu na revista The Week, fortalecendo sua reputação. Emily promovia sua identidade Mohawk, embora tivesse pouco contato direto com essa cultura. Em 1886, escreveu um poema para a inauguração de uma estátua em homenagem a Joseph Brant, defendendo a fraternidade entre nativos e canadenses.



Joseph Brant ou Thayendanegea, foi um militar indígena e líder político norte-americano. O jovem iroquês Thayendanegea atuou na guerra Franco-inglesa, ao lado dos ingleses sob comando do escocês Sir Willian Jonhson. Thayendanegea absorve muito em influências europeias.


Emily construiu sua carreira nos anos 1880, com poemas em periódicos como Globe e Saturday Night. Em 1889, dois de seus poemas foram incluídos na antologia Songs of the Great Dominion (Canções do Grande Domínio). O foco de seus primeiros trabalhos era a vida canadense com pouca ênfase em sua herança Mohawk. Em 1909, após se aposentar dos palcos ela se mudou para Vancouver, onde continuou escrevendo.


Em 1911, publicou Legends of Vancouver, em colaboração com Chief Joe Capilano, o líder Squamish que inspirou um século de ativismo. Em 1906, ele liderou uma delegação de chefes para a Inglaterra para se encontrar com o rei Edward VII e pedir justiça para os povos indígenas. Depois ele viajou pela Colúmbia Britânica, falando com outras Primeiras Nações. Deixou um legado de ativismo que durou mais de um século.


A Colúmbia Britânica, província localizada no extremo oeste do Canadá, é definida pelo seu litoral do Pacífico e por suas cadeias de montanhas. Áreas naturais como o Parque Nacional Glacier têm trilhas para caminhada e ciclismo, além de áreas de camping. O Whistler Blackcomb é uma importante estação de esqui que sediou os Jogos Olímpicos de Inverno de 2010. A Sea-to-Sky Highway liga Whistler a Vancouver, cidade conhecida por sua indústria cinematográfica, na fronteira da província com os Estados Unidos, ao sul.


Emily escreveu sobre temas de identidade mista e questões femininas em obras como The De Lisle Affair (O caso De Lisle) e "The Ballad of Yaada (A Balada de Yaada). Discutiu as pressões sociais enfrentadas por mulheres mestiças em As It Was in the Beginning (Como era no princípio). Suas coletâneas póstumas, Shagganappi e The Moccasin Maker (O fabricante de mocassins  - 1913), tratam de temas sentimentais e biográficos. Sua obra foi compilada em Paddling Her Own Canoe (Remando sua própria canoa  - 2000).



 Recepção da Sua Obra


Pauline teve sua obra distribuída em periódicos e isso dificultou a preservação. Seus principais volumes, The White Wampum (1895) e Canadian Born (1903), foram reunidos em Flint and Feather (1912), um dos livros de poesia mais vendidos do Canadá, mas erroneamente subtitulado como "poemas completos" desde 1917. Em 2002, Carole Gerson e Veronica Strong-Boag publicaram Tekahionwake: Collected Poems and Selected Prose (Tekahionwake: Poemas coletados e prosas selecionadas) com todas as suas obras conhecidas.


Embora aclamada em vida, sua reputação literária declinou após sua morte até ser redescoberta em 1961. Críticos feministas e pós-coloniais reavaliaram sua obra no final do século XX, destacando sua relevância em questões de raça, gênero e direitos nativos. No século XXI, debates sobre o racismo em suas letras reacenderam discussões sobre sua complexa posição entre patriotismo canadense e defesa dos direitos indígenas.


Influências e Críticas Literárias


O estilo de escrita e performance de Pauline Johnson refletia o nacionalismo anglo-canadense pós-Confederação. Ela foi uma das primeiras poetisas a escrever sobre a vida ao ar livre, com alguns de seus poemas incluídos na antologia Songs of the Great Dominion (Canções do Grande Domínio  - 1889). A identidade mestiça e feminina influenciou sua obra, pois surgia em um período de políticas restritivas para povos indígenas.


Embora tivesse sucesso literário, Emily enfrentou pobreza e precariedade como mulher solteira e racializada. Em sociologia, racialização ou etnização é o processo de atribuir identidades raciais ou étnicas a um relacionamento, prática social ou grupo que não se identificou como tal.


Alguns historiadores sugerem que ela comercializou sua ascendência indígena para sobreviver, apesar de sua desconexão com a cultura Mohawk e seu público branco, que mantinha concepções racistas sobre os indígenas. Ela usava tropos criticados, como a "Princesa Índia" e o "Nobre Selvagem", embora também humanizasse os povos indígenas e criticasse os estereótipos em obras como A Red Girl’s Reasoning (O raciocínio de uma garota vermelha).


Segundo esses críticos, ela romantizou as interações entre indígenas e não indígenas, mas abordou temas como racismo, pobreza e violência enfrentados pelos nativos. Ela também criticou o impacto do cristianismo sobre os indígenas, equilibrando uma crítica à imposição religiosa com respeito pela autoridade da igreja, o que revela sua complexidade como escritora.



Tropo, é uma figura de linguagem ou da retórica onde ocorre uma mudança de significado, seja interna ou externa. No primeiro caso, quando ocorre apenas uma associação de ideias, dá-se o nome de perífrase; se a associação de ideias é de caráter comparativo, produz-se uma metáfora, que é o tropo por excelência.


Morte


Emily Pauline faleceu de câncer de mama em 7 de março de 1913, em Vancouver. Seu funeral foi o maior da história da cidade, com bandeiras a meio mastro e escritórios fechados em sua homenagem. A cerimônia memorial, organizada pelo Women's Canadian Club, ocorreu na catedral anglicana e contou com a presença de pessoas de Squamish, no Canadá. Suas cinzas foram colocadas no Stanley Park, perto de Siwash Rock, com a ajuda do governador-geral. Parte dos royalties de Legends of Vancouver foi destinada à Primeira Guerra Mundial.


Honras Póstumas


Em 1922, embora desejasse uma sepultura sem identificação, um monumento em sua homenagem foi erguido no Stanley Park, em Vancouver. Em 1945, ela foi designada Pessoa de Importância Histórica Nacional. Em 1953, sua casa de infância, Chiefswood, foi preservada como museu. Em 1961, no centenário de seu nascimento, foi criado um selo comemorativo como a primeira mulher e indígena canadense a ser homenageada dessa forma. Entre 1967 e 2004, diversas escolas foram nomeadas em sua homenagem.


Em 2010, o ator Donald Sutherland leu um dos poemas de Emily durante a abertura das Olimpíadas de Inverno em Vancouver. A partir de 2014, foi apresentada a Ópera Pauline, sobre sua vida.  Em 2015, foi criada a adaptação de cinco poemas por Timothy Corlis . Em 2016, seu nome foi finalista para homenagens em notas de banco canadenses.


Legado


Em 1997, a pesquisa de Hartmut Lutz destacou a importância da década de 1960 para a literatura indígena canadense, especialmente com o lançamento de Son of Raven (Filho de Raven), Son of Deer de George Clutesi, artista, ator e escritor Tseshaht, além de especialista e embaixador de toda a cultura canadense das Primeiras Nações.


O Tseshaht First Nation é uma amálgama de muitas tribos acima e abaixo da Alberni Inlet e no Vale Alberni da ilha central de Vancouver, na província canadense de British Columbia. Eles são membros do Conselho Tribal Nuu-chah-nulth, que inclui todos os outros povos Nuu-chah-nulth-aht, exceto a Primeira Nação Pacheedaht. 


Figura central na literatura indígena, ela continua a influenciar escritoras nativas. Beth Brant destacou que Emily Pauline "limpou o mato" para as futuras gerações. Sua influência é visível em obras de Joan Crate, Jeannette Armstrong, e Shelley Niro, e seu impacto ecoa em artistas contemporâneos como Rosanna Deerchild.


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