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Déwé Gorodé - Escritora e ativista pela independência Kalak na Nova Caledônia


  

Déwé Gorodé, uma das figuras literárias mais proeminentes da Nova Caledônia, foi uma poeta, escritora e política Kanak, povo indígena da região. Sua obra inclui poesia, contos e romances, frequentemente abordando a cultura Kanak e a luta pela autonomia. Entre suas obras destacam-se L'Épave ( O pavimento) e Par les temps qui courent (Nos dias de hoje). A Nova Caledônia não é um país independente e sim um território francês localizado no sudoeste do Oceano Pacífico. Possui alto grau de autonomia, mas ainda é parte da França. O governo tem realizado referendos sobre a independência, o mais recente dos quais foi realizado em 2021, e a maioria dos votantes optou por permanecer como parte da França.


A literatura da Nova Caledônia reflete a rica diversidade cultural e histórica do seu território francês no Pacífico Sul. Composta por uma mistura de tradições orais indígenas e influências coloniais europeias, a literatura da Nova Caledônia aborda temas como identidade, colonização, resistência cultural e questões sociais contemporâneas. Autores como Jean Mariotti, Déwé Gorodé e Paul Wamo são conhecidos por explorar esses temas em suas obras, oferecendo perspectivas únicas sobre a história e a vida contemporânea na ilha. A literatura local continua a evoluir, incorporando novas vozes e narrativas que refletem a complexidade e a riqueza cultural da região.



Déwé Gorodé foi uma líder na defesa dos direitos das mulheres e na luta pela autodeterminação dos povos indígenas. Ela desempenhou um papel crucial na Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista (FLNKS) no território francês da Nova Caledônia. Sua morte, em 14 de agosto de 2022, aos 73 anos, marcou o fim de uma vida dedicada à coragem e ao ativismo.


Ativa na luta pela independência da França, na década de 1970, Gorodé publicou poesia, contos e romances. A partir de 1999, ela foi membro do governo da Nova Caledônia, representando o Pró-iIdependência Kanak e a Frente Socialista de Libertação Nacional. De abril de 2001 a junho de 2009, atuou quase continuamente como vice-presidente do governo da Nova Caledônia.


História da Nova Caledonia


A história da Nova Caledônia é marcada pela interação entre culturas indígenas, colonização europeia e desenvolvimentos políticos modernos. Inicialmente habitada pelos Kanaks há cerca de 3.000 anos, a sociedade indígena se desenvolveu graças à agricultura e à pesca. O explorador britânico James Cook foi o primeiro europeu a chegar à Nova Caledônia, em 1774, mais de 2 mil anos após o povoamento inicial do arquipélago.


Na época, cerca de 60 mil Kanaks, a maior etnia local, viviam na ilha. Cook batizou a ilha, cujo cenário montanhoso o fez lembrar da Caledônia, um nome histórico e poético para a região que hoje corresponde aproximadamente à Escócia. Não é uma cidade, mas sim uma área geográfica. Os romanos usavam o termo "Caledônia" para se referir ao território ao norte da Muralha de Adriano, onde viviam as tribos chamadas de caledônios. Hoje, o nome é utilizado de forma literária ou nostálgica para se referir à Escócia.


No século XIX, a França reivindicou a ilha devido à sua riqueza em minerais, especialmente níquel, trazendo trabalhadores e administradores europeus que alteraram a sociedade local. Em 1853, Napoleão III formalizou a posse francesa. Durante o período colonial, a ilha serviu como colônia penal, recebendo prisioneiros políticos e criminosos comuns, impactando a demografia e a cultura do território.


A descoberta de níquel impulsionou a mineração. Em 1887, o Code de l'indigénat (Código de status nativo) foi aplicado, submetendo as populações indígenas a regras rígidas e privando-os de direitos civis. Muitos Kanaks foram escravizados e forçados a trabalhar. Após várias tentativas fracassadas de se libertar do domínio colonial, a Nova Caledônia tornou-se um território ultramarino francês após a Segunda Guerra Mundial. Os Kanaks receberam cidadania francesa e gradualmente o direito de voto.


Na década de 1970, surgiu um movimento pela independência liderado pelos Kanaks, resultando em conflitos significativos, como os Eventos de Ouvéa, em 1988, marcados por violência e tensões étnicas. Para resolver os conflitos, foram firmados o Acordo de Matignon (1988) e o Acordo de Nouméa (1998), estabelecendo um caminho para maior autonomia da Nova Caledônia, com referendos sobre a independência em 2018 e 2020. Hoje, os Kanaks representam cerca de 40% da população de 270 mil habitantes e os europeus 24%. A moeda é atrelada ao euro, e os cidadãos podem votar em eleições francesas e para o Parlamento Europeu.



Demandas Contínuas por Independência


Em 1986, as Nações Unidas reinscreveram o território como "não autônomo". Em 1988, a França concedeu mais autonomia. No entanto, a maioria da população, especialmente descendentes de colonialistas franceses, prefere permanecer com a França, principalmente por razões econômicas: em 2020, a Nova Caledônia recebeu 1,5 bilhão de euros da França, representando cerca de 20% da produção econômica do território. Nos referendos de 2018 e 2020, apenas 43,6% e 46,7% votaram pela independência, respectivamente.


Em 2021, um referendo boicotado pelos partidos independentistas resultou em quase 97% contra a independência. A recente indignação dos defensores da independência surgiu após uma reforma constitucional que estendeu o direito de voto nas eleições regionais a franceses que vivem há mais de dez anos no arquipélago. Até então, esse direito era reservado à população originária e imigrantes que já viviam no território antes de 1998. A nova lei, ainda não assinada pelo presidente Emmanuel Macron, é vista pelos pró-independência como uma tentativa de diluir seu peso político, beneficiando políticos pró-França e marginalizando os Kanaks, que historicamente sofreram com políticas segregacionistas e discriminação.


Protestos Ocorridos em Maio de 2024


Os protestos de 2024 na Nova Caledônia começaram após uma reforma eleitoral controversa, que tentou aliviar restrições de votação impostas pelo Acordo de Nouméa. O acordo limitava o eleitorado aos residentes anteriores a 1998 e seus descendentes, excluindo migrantes de outras partes da França. Embora, em 2005, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tenha considerado isso aceitável , o sistema foi considerado obsoleto após os referendos de 2018, 2020 e 2021, que rejeitaram a independência. Defensores da independência rejeitaram a reforma para um requisito de residência contínua de dez anos, alegando que diluiria a voz política dos Kanaks. 



Violência


Supermercados e concessionárias de automóveis foram saqueados, veículos e empresas incendiados em Numeá, Dumbéa e Le Mont-Dore. Um toque de recolher foi implementado, e reuniões públicas foram proibidas por dois dias. O ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, enviou reforços policiais. Trinta e seis manifestantes foram detidos após confrontos que resultaram na morte de três manifestantes Kanak e um gendarme. O primeiro-ministro Gabriel Attal mobilizou o exército para proteger portos e aeroportos, e proibiu o TikTok, usado para organizar os tumultos.


Vítimas e impacto


Entre 13 e 18 de maio, confrontos violentos na Nova Caledônia resultaram na morte de seis pessoas, incluindo dois gendarmes, e deixaram 64 policiais feridos. Cinco ativistas independentistas foram colocados em prisão domiciliar por envolvimento em violência, que incluiu tiroteios. Os distúrbios resultaram na morte de um homem caldoche em Kaala-Gomen e ferimentos em dois manifestantes kanaks durante um bloqueio de estrada.


Os prejuízos foram significativos, com danos estimados em mais de 200 milhões de euros, a destruição de mais de 150 empresas e a perda de cerca de 1.750 empregos. O Aeroporto Internacional de La Tontouta fechou para voos comerciais, e a rede de distribuição de alimentos sofreu sérios impactos, segundo o presidente da Câmara de Comércio e Indústria. Em resposta, o Revezamento da Tocha Olímpica dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 foi cancelado na Nova Caledônia, e o serviço de ônibus em Numeá foi suspenso por motivos de segurança a partir de 14 de maio.



A vida de Déwé Gorodé


Nascida em 1º de junho de 1949, na tribo Pwârâïriwâ do povo Kanak, Eperi Déwé Gorodé cresceu na tribo Kanak Tribu de l’Embouchure, perto de Ponerihouen, na costa leste da ilha principal da Nova Caledônia. Déwé Gorodé recebeu educação primária em Houaïlou e na capital Nouméa depois frequentou a Lapérouse High School em Nouméa, onde obteve o bacharelado em filosofia.


Gorodé foi uma das primeiras mulheres Kanak a estudar na universidade. Em 1973, formou-se em literatura, em Montpellier, cidade localizada no sul da França, conhecida por sua rica história, universidades prestigiadas e uma vibrante cena cultural. Como escritora e professora, ela trabalhou incansavelmente para seu povo,  por isso é lembrada por sua dedicação à educação e à cultura Kanak, bem como por seu papel significativo no movimento de independência da Nova Caledônia. Em 1974, Gorodé retornou à Nova Caledônia, casou-se, teve três filhos e trabalhou como professora de francês em uma escola católica nos subúrbios de Nouméa.


Ativismo político de Déwé Gorodé


Déwé Gorodé foi profundamente influenciada por movimentos políticos globais como o movimento aborígene na Austrália, o poder negro nos Estados Unidos, os protestos contra a Guerra do Vietnã e os eventos de Maio de 1968 na França. Tudo isso despertou seu engajamento político, levando-a a se juntar ao movimento juvenil radical Foulards Rouges e co-fundar o Groupe 1878, em 1974. Ela foi presa em setembro do mesmo ano por protestar contra a comemoração da colonização da Nova Caledônia, período durante o qual escreveu poesia e refletiu sobre o papel das mulheres no movimento de independência.


Em 1976, Gorodé ajudou a fundar o Parti de Libération Kanak (Palika), um dos principais partidos políticos da região. Ela também apoiou o movimento por um Pacífico Livre e Independente de Energia Nuclear (NFIP), participando de reuniões de movimentos de independência em Pohnpei, ao lado de figuras influentes como Oscar Temaru, Gary Foley, Bernard Narokobi e Padre Walter Lini. Seu ativismo foi moldado por intensas lutas sociais e o desejo de autodeterminação para seu povo na Nova Caledônia e no Pacífico Sul.


Juntamente com Susanna Ounei, fundou o Groupe de Femmes Kanak Exploitées en Lutte (GFKEL), que se integrou à Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista (FLNKS), em 1984.



Em 1999, Déwé Gorodé e Léonie Tidjite Varnier foram as primeiras mulheres eleitas para o Congresso da Nova Caledônia, representando a Província do Norte. Sob o governo de Jean Lèques, Gorodé ocupou os cargos de Cultura, Juventude e Desporto. Após as eleições provinciais de março de 2001, Pierre Frogier sucedeu Lèques como presidente do Congresso, e Gorodé, representando a FLNKS, tornou-se vice-presidente do Governo. Ela manteve a pasta de Cultura, Juventude e Esportes até junho de 2004, quando foi reeleita vice-presidente e nomeada responsável pela Cultura, Situação da Mulher e Cidadania.

 

De 2004 a 2007, Gorodé foi vice-presidente do Congresso, enquanto Marie-Noëlle Thémereau assumiu a presidência pelo L'Avenir Ensemble. Nas eleições de 2007, houve um apoio crescente à permanência na França. Harold Martin tornou-se presidente do Congresso e Gorodé continuou como vice-presidente, mantendo um clima político de acomodação entre os partidos, apesar do RPCR novamente ganhar influência. Em 2009, Martin foi reeleito presidente do Congresso, com Pierre Ngaiohni da FLNKS eleito vice-presidente após um breve atraso. A trajetória política de Déwé Gorodé reflete seu compromisso com a cultura, os direitos das mulheres e a colaboração política na Nova Caledônia.


Educação e poesia


Déwé Gorodé abandonou o sistema educacional formal em 1985 para liderar o movimento Ecoles Populaires Kanak (EPK), estabelecendo escolas comunitárias que ensinavam história, cultura e línguas indígenas às crianças. Após um congresso da FLNKS em Hienghène, foi impedida de retornar a Noumea pela polícia francesa, encontrando refúgio localmente. Durante o conflito armado, ela publicou seu primeiro livro de poesia, Sous les cendres des conques (Sob as cinzas das conchas - 1985), e continuou a escrever em francês, inglês e Païci, contribuindo significativamente para o renascimento cultural Kanak.


Durante os anos 1990, Déwé Gorodé produziu várias obras, incluindo coletâneas de contos como Utê Mûrûnûu (1994) e L'Agenda (A agenda - 1996), e coleções de poesia como Par les temps qui Courent (Nos tempos corrente - 1996) e Dire le vrai (Diga a verdade - 1999). Seus romances posteriores, como "L’épave" (O pavimento - 2005) e Graines de pin colonnaire (Sementes de pinheiro colunares - 2007), refletem sua dedicação à literatura indígena e feminista, buscando inspirar a nova geração.



Reconhecida na França e no Pacífico, Déwé afirmou: não escrevo para mim mesma. Escrevo para as crianças, para as gerações vindouras. Sua obra continua a ser uma voz influente no contexto cultural e político da Nova Caledônia, destacando-se pela sua visão progressista e compromisso com a preservação da identidade Kanak.


Professora e autora


Déwé Gorodé, ex-professora de francês no Colégio Protestante Do-Néva, Houaïlou, deixou o ensino em 1984 após a ocorrência de eventos em Hienghène. Ela se juntou à Escola Popular Kanak (EPK) em Ponérihouen, ensinando Paicî até 1988. Publicou seu primeiro livro de poesia, Sous les Ashes des conques (Sob as cinzas das conchas – 1985), expondo a cultura tradicional e as questões políticas.


Reconhecida regionalmente, Déwé participou de missões no Mali, liderada por Marie-Claude Tjibaou, e trabalhou na Agência de Desenvolvimento Cultural Kanak, de 1994 a 1995. Lecionou história da literatura do Pacífico na Universidade da Nova Caledônia (1999-2001) e participou do Salon du livre insulaire (Feira do Livro da Ilha), em 2002. Em 2009, recebeu a distinção Chevalier des Arts et des Lettres (Cavaleiro das Artes e Letras).


Estilo da escrita de Déwé Gorodé

 

Déwé Gorodé é conhecida por um estilo de escrita que mistura poesia, prosa e ensaios, frequentemente explorando temas ligados à identidade Kanak, à colonização, à luta pela independência e ao papel das mulheres na sociedade. Seu estilo pode ser descrito como:

 

Lírico e Poético – a escrita de Gorodé é frequentemente poética, com um uso intenso de imagens e simbolismos que evocam a paisagem, a cultura e as tradições Kanak.

 

Engajado e Político – seus textos são profundamente engajados politicamente, refletindo suas experiências pessoais e coletivas de resistência contra a colonização e sua defesa pelos direitos das mulheres e dos povos indígenas.

 

Narrativo e Reflexivo – ela combina narrativas pessoais com reflexões sobre a história e a sociedade, criando um diálogo entre o passado e o presente.

 

Culturalmente Enraizado – sua escrita é fortemente ancorada na cultura Kanak. Ela utiliza mitos, histórias tradicionais e a língua local para enriquecer suas obras e dar voz à sua comunidade.

 

Autobiográfico – muitos de seus escritos têm um caráter autobiográfico, pois relata as suas próprias experiências e lutas dentro do contexto maior da história da Nova Caledônia.

 

Obras

 

Sob as cinzas das conchas


Sob as cinzas das conchas é um mergulho na cultura Kanak e na luta pela independência na Nova Caledônia. Com uma linguagem lírica e poética, Gorodé narra histórias que examinam a identidade, a resistência e a capacidade de superação do povo Kanak.


O livro aborda temas como colonização, opressão, luta pela liberdade e o papel das mulheres na sociedade. A narrativa é rica em simbolismos e imagens evocativas que refletem a cultura da Nova Caledônia. Os personagens são representações da força e da resistência Kanak, cujas vidas são entrelaçadas por tradições e pela busca por justiça e dignidade.


Déwé Gorodé habilmente incorpora elementos da oralidade e mitologia Kanak, interligando o passado e o presente. As lendas e mitos entrelaçados com a realidade contemporânea enriquecem a narrativa e preservam a herança cultural Kanak.


Sob as cinzas das conchas é essencial para quem se interessa por literatura pós-colonial, estudos de gênero e história indígena. A obra oferece uma visão profunda da luta Kanak e propõe aos leitores a reflexão sobre questões universais de liberdade e perseverança.


O Voo da Palavra

 

O Voo da Palavra (La fuite de la parole), de Déwé Gorodé, é uma coletânea de contos que revela a profundidade e a complexidade da cultura Kanak, além de expor as tensões sociais e políticas na Nova Caledônia. Sua escrita poética e evocativa dá voz às experiências, lutas e aspirações de seu povo.

 

Os contos são permeados de uma rica oralidade e mitologia Kanak, que transporta os leitores a um mundo onde passado e presente se entrelaçam. Gorodé utiliza a narrativa para apresentar temas como a identidade cultural, a resistência contra a colonização, a opressão de gênero e a busca por justiça e autonomia.

 

Morte

 

Afetada por problemas de saúde nos seus últimos anos, continuou como Ministra da Cultura, Cidadania e Mulheres, procurando a reconciliação pós-conflito necessária para criar um “destino comum” para a Nova Caledónia. A sua morte em agosto de 2022 pôs fim a uma vida corajosa como defensora dos direitos dos povos indígenas e do estatuto das mulheres em toda a região.


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