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Djamila Ribeiro e o combate ao racismo estrutural

Atualizado: 14 de nov. de 2023



Djamila Ribeiro, filósofa, ativista social, professora e escritora, foi a vencedora do Prêmio Jabuti 2020 na categoria Ciências Humanas com o livro Pequeno Manual Antirracista. Em onze breves lições ela mostra como compreender as origens do racismo e como combatê-lo.


Não importa se você é branco, negro, indígena, asiático, árabe ou o que for porque racismo só se combate com envolvimento de toda a sociedade. Por isso, todos nós temos muito a ver com o racismo estrutural e com o Manual Antirracista.


Reconhecer as raízes e o impacto do racismo pode ser paralisante. Afinal, como enfrentar um monstro desse tamanho? Djamila Ribeiro argumenta que a prática antirracista é urgente e se dá nas atitudes mais cotidianas. E mais ainda: é uma luta de todas e todos.



Racismo estrutural, origens e perpetuamento


Há muitos anos se solidifica a percepção de que o racismo está arraigado em nossa sociedade, criando desigualdades e abismos sociais. É um sistema de opressão que nega direitos, e não um simples ato de vontade de um sujeito.

O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão. Isso quer dizer que, durante 130 anos, homens e mulheres negros foram traficados e mantidos em condições subumanas de trabalho não remunerado.

Porém, quando a classe dominante percebe que a escravidão não se sustenta mais como modelo econômico, começa a tomar uma série de medidas, inclusive legislativas para possibilitar a marginalização de homens e mulheres, negros e negras.

A escravidão foi abolida em 1888, mas só no papel, porque nenhum direito foi garantido aos escravos libertos. Esses homens e mulheres não tiveram nenhum acesso à terra, muito menos a qualquer tipo de indenização ou reparo por tanto tempo de trabalho forçado.



Muitos deles continuaram nas fazendas em que trabalharam forçosamente, antes da alforria. Outros buscaram o trabalho pesado e informal, tendo pouca diferença de como eram tratados antes da abolição. Esses homens e mulheres passaram então a ser vistos como preguiçosos, vagabundos e vadios.


Pequeno manual Antirracista

Antirracismo é a ideologia contrária ao racismo, que se opõe a qualquer prática racista, de discriminação e de segregação racial. É uma forma de ação contra o ódio, preconceito

racial, racismo sistêmico e a opressão estrutural de grupos marginalizados racial e etnicamente.


Em onze capítulos curtos e contundentes, a autora apresenta caminhos de reflexão para aqueles que queiram aprofundar sua percepção sobre discriminações racistas estruturais e assumir a responsabilidade pela transformação do estado das coisas. São eles:

Informe-se sobre o racismo – reconhecer o racismo é a melhor forma de

combatê-lo. Não tenha medo das palavras “branco”, “negro”, “racismo”, “racista”. Dizer que determinada atitude foi racista é apenas uma forma de caracterizá-la e definir seu sentido e suas implicações. A palavra não pode ser um tabu, pois o racismo está em nós e nas pessoas que amamos — mais grave é não reconhecer e não combater a opressão.

Enxergue a negritude – “não me descobri negra, fui acusada de sê-la.” Joice Berth. O início da vida escolar foi para mim o divisor de águas. O mundo apresentado na escola era o dos brancos, no qual as culturas europeias eram vistas como superiores, o ideal a ser seguido. Eu reparava que minhas colegas brancas não precisavam pensar o lugar social da branquitude, pois eram vistas como normais: a errada era eu. Crianças negras não podem ignorar as violências cotidianas, enquanto as brancas, ao enxergarem o mundo a partir de seus lugares sociais — que é um lugar de privilégio — acabam acreditando que esse é o único mundo possível.

Reconheça os privilégios da branquitude – Pessoas brancas não costumam pensar sobre o que significa pertencer a esse grupo, pois o debate racial é sempre focado na negritude. A ausência ou a baixa incidência de pessoas negras em espaços de poder não costuma causar incômodo ou surpresa em pessoas brancas. Para desnaturalizar isso, todos devem questionar a ausência de pessoas negras em posições de gerência, autores negros em antologias, pensadores negros na bibliografia de cursos universitários, protagonistas negros no audiovisual. E, para além disso, é preciso pensar em ações que mudem essa realidade.


Perceba o racismo internalizado em você – a maioria das pessoas admite haver racismo no Brasil, mas quase ninguém se assume como racista. Pelo contrário, o primeiro impulso de muita gente é recusar enfaticamente a hipótese de ter um comportamento racista: “Claro que não, afinal tenho amigos negros”, “Como eu seria racista, se empreguei uma pessoa negra?”, “Racista, eu, que nunca xinguei uma pessoa negra?”. A partir do momento em que se compreende o racismo como um sistema que estrutura a sociedade, essas respostas se mostram vazias. É impossível não ser racista tendo sido criado numa sociedade racista. É algo que está em nós e contra o que devemos lutar sempre.

Apoie políticas educacionais afirmativas – por causa do racismo estrutural, a população negra tem menos condições de acesso a uma educação de qualidade. Geralmente, quem passa em vestibulares concorridos para os principais cursos nas melhores universidades públicas são pessoas que estudaram em escolas particulares de elite, falam outros idiomas e fizeram intercâmbio. E é justamente o racismo estrutural que facilita o acesso desse grupo. Esse debate não é sobre capacidade, mas sobre oportunidades — e essa é a distinção que os defensores da meritocracia parecem não fazer.

Transforme seu ambiente de trabalho – se você tem ou trabalha numa empresa, algumas questões que você deve colocar são: Qual a proporção de pessoas negras e brancas em sua empresa? E como fica essa proporção no caso dos cargos mais altos? Como a questão racial é tratada durante a contratação de pessoal? Ou ela simplesmente não é tratada, porque esse processo deve ser “daltônico”? Há, na sua empresa, algum comitê de diversidade ou um projeto para melhorar esses números? Há espaço para um humor hostil a grupos vulneráveis? Perguntas desse tipo podem servir de guia para uma reavaliação do racismo nos ambientes de trabalho. Como diz a pesquisadora Joice Berth, a questão, para além de representatividade, é de proporcionalidade.

Leia autores negros – a importância de estudar autores negros não se baseia numa visão essencialista, ou seja, na crença de que devem ser lidos apenas por serem negros. A questão é que é irrealista que numa sociedade como a nossa, de maioria negra, somente um grupo domine a formulação do saber. É possível acreditar que pessoas negras não elaborem o mundo? O privilégio social resulta no privilégio epistêmico, que deve ser confrontado para que a história não seja contada apenas pelo ponto de vista do poder. É danoso que, numa sociedade, as pessoas não conheçam a história dos povos que a construíram.

Questione a cultura que você consome – o debate sobre racismo se mostra urgente quando falamos de mídia e de acesso a recursos para produções audiovisuais. No documentário A negação do Brasil, o diretor Joel Zito Araújo analisa a influência das telenovelas no imaginário coletivo nacional, enquanto faz uma denúncia contra o racismo televisivo e o papel estereotipado destinado a atores negros e atrizes negras, como na novela A cabana do Pai Tomás, de 1969, na qual o ator Sérgio Cardoso se pintou de preto para interpretar o papel do protagonista, o escravizado Tomás.

Conheça seus desejos e afetos – as mulheres negras são ultrassexualizadas desde o período colonial. No imaginário coletivo brasileiro, propaga-se a imagem de que são “lascivas”, “fáceis” e “naturalmente sensuais”. Essa ideia serve, inclusive, para justificar abusos: mulheres negras são as maiores vítimas de violência sexual no país. as mulheres negras são ultrassexualizadas desde o período colonial. No imaginário coletivo brasileiro, propaga-se a imagem de que são “lascivas”, “fáceis” e “naturalmente sensuais”. Essa ideia serve, inclusive, para justificar abusos: mulheres negras são as maiores vítimas de violência sexual no país. Essa sexualização retira a humanidade das mulheres, pois deixamos de ser vistas com toda a complexidade do ser humano. Somos muitas vezes importunadas, tocadas, invadidas sem a nossa permissão. Muitas vezes temos nossos nomes ignorados, sendo chamadas de “nega”. São atitudes que parecem inofensivas, mas que para mulheres negras são recorrentes e violentas.

Combata a violência racial – o Atlas da Violência de 2018, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou que a população negra está mais exposta à violência no Brasil. Os negros representam 55,8% da população brasileira e são 71,5% das pessoas assassinadas. Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de indivíduos não negros (brancos, amarelos e indígenas) diminuiu 6,8%, enquanto no mesmo período a taxa de homicídios da população negra aumentou 23,1%. Segundo dados da Anistia Internacional, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil, o que evidencia que está em curso o genocídio da população negra, sobretudo jovens.

Sejamos todos antirracistas - acordar para os privilégios que certos grupos sociais têm e praticar pequenos exercícios de percepção pode transformar situações de violência que antes do processo de conscientização não seriam questionadas. Pessoas brancas devem se responsabilizar criticamente pelo sistema de opressão que as privilegia historicamente, produzindo desigualdades, e pessoas negras podem se conscientizar dos processos históricos para não os reproduzir. Este livro é uma pequena contribuição para estimular o autoconhecimento e a construção de práticas antirracistas.



Quem é Djamila Ribeiro


Nascida em Santos, São Paulo, no dia 1 de agosto de 1980, Djamila Taís Ribeiro dos Santos é uma importante voz contemporânea em defesa dos negros e das mulheres. Corajosamente ela denuncia a violência e a desigualdade social - principalmente contra negros e mulheres – tão características da sociedade brasileira.




Formada em filosofia, com mestrado na mesma área, pela Universidade Federal de São Paulo, Djamila chegou a ser secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo em 2016.


Atualmente, ela é colunista da Folha de São Paulo e da Elle Brasil, além de atuar como professora convidada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Djamila traz à tona o racismo estrutural, que é herança dos tempos da escravidão e que, até hoje, condena, a população negra a um determinado lugar social, com os piores índices de desenvolvimento humano e fora dos espaços de poder.

A ativista fala sobre um sistema social onde o Poder Judiciário, ao invés de se manter isento, está profundamente relacionado com a polícia, muitas vezes favorecendo os militares e condenando jovens negros sem as devidas provas. Ela desafia a repensarmos enquanto sociedade as formações que são dadas aos policiais militares.

Para a escritora, a miscigenação no Brasil foi romanceada, o que levou muitos ingenuamente a acreditarem que não havia racismo no Brasil. O seu desafio é justamente mostrar o preconceito racial que se encontra entranhado na sociedade brasileira e ajudar, de alguma forma, a combatê-lo, dando ferramentas para o grande público (re)pensar a sua postura social.


Premiações

2016 - O livro O que é lugar de fala? Foi finalista do Prêmio Jabuti na categoria Humanidades.

2019 - Prêmio Prince Claus na categoria Filosofia, oferecido pelo Ministério das Relações Exteriores da Holanda, por reconhecimento da sua luta ativista.

2020 - Prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas pelo livro Pequeno manual antirracista.


Livros publicados



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