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Da Guerra do Vietnã ao gene da felicidade

Atualizado: 14 de nov. de 2023



Kim Thúy Ly Thanh é uma premiada romancista e contista vietnamita. Ela e sua família estavam entre os milhares de refugiados de barco após a queda de Saigon. Em 1979, eles foram muito bem recebidos no Canadá, primeiro em Granby, cidade localizada na província de Quebec e, por último, em Montreal.

A dura realidade da Guerra do Vietnã


A Guerra do Vietnã foi um conflito entre o Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul, no período de 1959 a 1975. Esse conflito foi motivado por questões ideológicas e contou com a intensa participação do exército americano de 1965 a 1973. Estima-se que entre 1,5 milhão e 3 milhões de pessoas tenham morrido durante a guerra.


Em 30 de abril de 1975, Saigon, até então capital do Vietnã do Sul, foi derrubada diante da entrada das forças comunistas do norte, marcando o fim de uma intervenção militar americana de quase duas décadas no país asiático. Foi um momento humilhante para o país mais poderoso do mundo. Após a saída dos EUA, o norte invadiu o sul e unificou o país. Em homenagem a Ho Chi Minh, que já havia morrido antes do final da guerra, o governo mudou o nome de Saigon para Cidade de Ho Chi Minh, em 1975.


Do boat people ao gene da felicidade


Na primavera de 1975, a guerra no Vietnã terminou com a queda de Saigon, seguida de um êxodo por mar de de um milhão de vietnamitas refugiados que mais tarde foram chamados de “boat people”. Para escapar do repressivo regime comunista, seus pais, ela e mais dois irmãos, fugiram de barco quando ela estava com dez anos.



Depois de uma estadia na Malásia eles passaram quatro meses em um campo administrado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, antes que uma delegação canadense selecionasse seus pais para o status de refugiado por conta de sua proficiência na língua francesa. No final de 1979, Thúy e sua família chegaram a Granby, cidade localizada na província de Quebec.


Pouco depois seu pai recebeu uma oferta de emprego como gerente do Castel Hotel. Este primeiro gesto de boas-vindas e o apoio incondicional de seus pais influenciaram muito a vida de Kim Thúy. Seu pai lhe transmitiu o “gene da felicidade” e sua mãe a ensinou a superar seus medos, dando-lhe as ferramentas certas que a transformaram na mulher forte, comprometida e apaixonada que é hoje.


Educação e início de carreira


Em 1990, ela obteve o diploma de bacharel em linguística e tradução pela Université de Montréal. Em 1993, na mesma universidade, ela se formou em direito. Foi também costureira, caixa, tradutora, intérprete, comentarista gastronômica e restaurateur (pessoa que abre e gerencia profissionalmente restaurantes). Trabalhando como advogada no escritório Stikeman Elliott ela foi designada para ajudar em um projeto no Vietnã. Ela retornou ao seu país como parte de um grupo de especialistas canadenses no aconselhamento para a liderança comunista a caminho do capitalismo.



De volta a Montreal, Thúy abriu um restaurante chamado Ru de Nam, especializado em culinária vietnamita moderna. Ela trabalhou como restaurateur por cinco anos. Graças a um ex-patrocinador do seu restaurante, ela conseguiu um contrato de publicação de Ru, seu primeiro livro. Publicado em 2009, a obra recebeu elogios imediatos da crítica e vários prêmios de prestígio.


A Beleza vai salvar o mundo


A missão de vida de Kim Thúy é desacelerar a vida das pessoas para que elas vejam toda a beleza que as cerca. Como ela diz tão bem: se pararmos um pouco, é aqui que o extraordinário emerge e se revela. Quando Kim se vê falando em público, o mundo externo não existe mais para ela. Nesses momentos íntimos, ela e seu público formam um casulo, uma bolha; o tempo para e daí emerge a riqueza e a beleza. Um de seus lemas é uma famosa frase de Dostoiévski: A beleza salvará o mundo. Para Kim, a capacidade de ver a beleza deste mundo é nossa única arma de resistência contra todas as formas de ameaças e incertezas.

Obras literárias

Ru (Em, no francês) - em francês, ru significa pequeno riacho e em vietnamita, berço e balançar. No meio da guerra, um milagre comum: um bebê abandonado cuidado carinhosamente por um menino que vive nas ruas de Saigon. O menino é Louis, filho de um soldado americano há muito desaparecido. Louis chama o bebê de Hồng, que significa “irmãzinha” ou “amada”. Mesmo que seu berço não seja nada mais do que uma caixa de papelão, a vida de em Hồng tem todas as possibilidades.


Por meio dos destinos ligados de uma família, o romance se inspira em eventos históricos, incluindo a Operação Babylift, que evacuou milhares de órfãos birraciais de Saigon em abril de 1975, e o notável crescimento da indústria de salões de unhas, dominada por expatriados vietnamitas espalhados pelo mundo. Das plantações de borracha da Indochina ao massacre em My Lai, Kim Thúy vasculha as camadas de dor e trauma em histórias que pensávamos conhecer, revelando momentos transcendentes de graça e a invencibilidade do espírito humano.



À toi (Para você - 2011) - em um evento literário em Mônaco, ela conheceu o autor franco-eslovaco-suíço Pascal Janovjak. O encontro deu origem a uma correspondência que mais tarde se tornou livro. A obra conta a história por meio de memórias e anedotas, de duas crianças em exílio e numa vida nômade.


Mãn (Libre Expression, 2013) - Mãn tem três mães: a mãe biológica em tempos de guerra, a freira que a arranca de uma horta e sua amada Maman, que se torna espiã para sobreviver. Buscando segurança para sua filha crescida, Maman encontra um marido para Mãn – um solitário dono de restaurante vietnamita que mora em Montreal.


Lançada em um novo mundo, Mãn descobre seu talento natural como chef. Graciosamente ela pratica sua arte, tendo a comida como seu meio. Ela cria pratos que são muito mais do que sustento para o corpo: eles evocam memória e emoção, tempo e lugar, e até levam seus clientes às lágrimas.


Vi (Libre Expression, 2016) - caçula de quatro filhos e única menina, Vi recebeu um nome que significa "preciosa, pequenina", destinada a ser mimada e protegida, o pequeno tesouro da família. Filha de uma mãe empreendedora e um pai rico e mimado que nunca teve que crescer, a Guerra do Vietnã destrói a vida que eles conheceram. Vi, junto com sua mãe e irmãos, consegue escapar – mas seu pai fica para trás, deixando um vazio doloroso enquanto o resto da família deve buscar uma nova vida no Canadá.


Enquanto sua família cria raízes, a vida tem planos diferentes para Vi. Quando jovem, ela encontra o mundo se abrindo para ela. Colocada sob as asas de , uma amiga da família mundana, e seu amante diplomata, Vi testa os limites pessoais e cruza os internacionais, deixando os ventos da vida baterem nela.


De Saigon a Montreal, de Suzhou a Boston até a queda do Muro de Berlim, ela é testemunha da imensidão do mundo, do intrincado tecido da humanidade, da complexidade do amor e das infinitas possibilidades diante dela. Sempre a observadora quieta, de alguma forma ela deve encontrar uma maneira de finalmente ocupar seu lugar no mundo.


Le secret des Vietnamiennes (Montréal: Trécarré, 2017) - livro de receitas contendo mais de 50 receitas vietnamitas, muitas vezes acompanhadas de um pequeno texto, um trecho de livro ou uma anedota, permitindo ao leitor uma visão do universo único da autora. Ela demonstra um talento inegável para contar histórias do coração com sutileza, humor e verdade. Ganhador do ouro/ou prêmio Taste Canada 2018 dans la catégorie Langue française: Livres de cuisine régionale et culturelle.



Em 2019, o livro foi publicado em inglês como Secrets from My Vietnamese Kitchen: Simple Recipes from My Many Mothers (Segredos da minha cozinha vietnamita: receitas simples de minhas muitas mães. Appetite by Random House).


Autismo explicado aos não autistas - Em 2017, escrevendo como mãe de uma criança autista, ela foi colaboradora do livro L'Autisme expliqué aux non-autistes (“Autism Explained to Non-Autistic Persons” - Trécarré) de Brigitte Harrisson e Lise St-Charles, fundadoras do método de comunicação Saccade. Kim finalmente conseguiu entender e ser compreendida por seu filho Valmond. O livro é uma colaboração entre Kim Thúy e as duas especialistas (a própria Brigitte é autista). O objetivo do livro é compartilhar com outras famílias os benefícios desse método para uma melhor compreensão desse transtorno e suas implicações.


Em agosto de 2016, Thúy substituiu o contador de histórias Fred Pellerin como representante de Quebec para os dicionários Le Robert (Le Petit Robert, entre outros).


Prêmios e honrarias


Como membro do conselho do CALQ - Conseil des arts et des letter du Québec, Kim Thúy recebeu o Prêmio Paul Gérin-Lajoie Tolerance. Ela foi nomeada Cavaleiro da Ordre national du Québec e recebeu a Médaille d'honneur da Assemblée nationale du Québec. Ela também é porta-voz da Petit-Robert desde 2016 e seu nome aparece na edição de 2018 do Robert Illustré.



Para Kim Thuy, receber um prêmio é mais do que um reconhecimento; é uma oportunidade para ela falar sobre o lugar de onde veio, a cultura que a criou, as pessoas que a apoiaram, mas acima de tudo, é uma chance para ela dar voz aos sem voz. O público muitas vezes lhe faz perguntas sobre refugiados e imigrantes, assuntos sobre os quais ela está sempre motivada a falar.


Na maioria das vezes, refugiados e imigrantes não têm voz, nem rosto, nem história, nem vida. Kim traz para si a responsabilidade de humanizá-los; uma responsabilidade que ela considera maior do que sua escrita e maior do que ela mesma. Em novembro de 2013, Thúy foi a convidada de honra do Montreal Salon du livre e, em fevereiro de 2014, tornou-se a presidente honorária do Outaouais Salon du livre.

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