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Buchi Emecheta - a busca pela dignidade feminina

Atualizado: 15 de nov. de 2023



Florence Onyebuchi “Buchi” Emecheta comprometeu-se em corrigir os estereótipos da mulher nigeriana e africana, expondo sua realidade diária e a opressão das normas sociais.


Sua obra questiona, entre outros temas, a educação da mulher, a valorização da maternidade como única preocupação possível, a violência degradante do colonialismo e a cultura que deslegitima sua autonomia.



Buchi nasceu em 1944, na cidade Yoruba de Lagos e passou boa parte da infância em Ibuza, terra de seus pais, Alice Ogbanje Emecheta e Jeremy Nwabudike Emecheta que foram buscar trabalho em Lagos, mas faziam questão de cultivar nos dois filhos as raízes Igbo.


Povo Iorubá


Iorubá é o nome de uma das maiores etnias populacionais do continente africano. Na verdade, o termo é aplicado a uma coleção de diversas populações ligadas entre si por uma língua comum de mesmo nome, histórias e cultura. Os grupos étnicos que vivem próximos aos Iorubás são os Fon, Ibo, Igala e Idoma.


A maior parte dos Iorubás vive na região sudoeste da Nigéria. Há também importantes comunidades presentes em Benim, Gana, Togo e Costa do Marfim. Devido ao tráfico de escravos, bastante ativo na área entre os séculos XV e XIX, muitos traços da cultura, língua, música e demais costumes foram disseminados por extensas regiões do continente americano, com destaque para Brasil, Cuba, Trinidad e Tobago e Haiti. Boa parte da população negra no Brasil veio de terras Iorubás.


A história recente dos Iorubás é marcada pelo surgimento do Império de Oyo no final do século XV, que se ergueu com o auxílio dos portugueses interessados no comércio local. Lagos, aliás, a mais importante e populosa cidade da Nigéria, localizada em terras Iorubás, recebeu seu atual nome do entreposto construído pelos portugueses, uma referência à cidade do sul de Portugal.



No início do século XIX a invasão dos Fulani empurrou os Iorubás para o sul, onde as cidades de Ibadan e Abeokuta foram fundadas. A maior parte das áreas Iorubá são oficialmente colonizadas pelos britânicos a partir de 1901, sob um sistema de governo indireto que imitava as estruturas tradicionais.


Na Nigéria atual, os Iorubás são uma importante etnia, representando cerca de um sexto da população. São, na sua maioria católicos, mas uma parte segue também o islamismo e o culto tradicional. Cerca de 75% dos homens são agricultores que vivem daquilo que cultivam. As mulheres geralmente são encarregadas de vender parte do excedente nos mercados populares das cidades. Alguns indivíduos possuem grandes fazendas de cacau cujo trabalho é realizado por mão de obra contratada.


Além das autoridades formais, nas cidades, os Iorubás respeitam o “Oba”, líder temporal, que conquista sua posição de formas diferentes, incluindo herança, casamentos, ou por seleção pessoal do Oba no poder. Cada Oba é considerado um descendente direto do Oba fundador de cada cidade, geralmente auxiliado por um conselho de chefes.


Os trajes elaborados, feitos tradicionalmente de algodão, são um destaque da cultura Iorubá. O mais básico é a Aso-Oke, de várias cores e padrões diferentes. O agbada é um dos trajes masculinos típicos, cujo nome no Brasil virou sinônimo de uma espécie de uniforme de um determinado bloco de carnaval.


Povos Igbos


Os Igbos (pronuncia-se ibos) são um dos maiores grupos étnicos africanos. A maioria da população Igbo está concentrada na Nigéria, dominando parte do sul e oeste, com cerca de 25 milhões de habitantes. Encontram-se também em Camarões, Guiné Equatorial, Gana, Serra Leoa, Costa do Marfim, Gabão, Libéria e Senegal. Atualmente, milhares deles residem nos Estados Unidos. A tradição oral mais antiga afirma que sua presença, na chamada Terra dos Igbos, remonta há mais de 1500 anos.


As cidades soberanas dos Igbos

Muitas culturas da Nigéria não se transformaram em monarquias centralizadas. Dessas, os Igbos são provavelmente os mais notáveis devido ao tamanho do seu território e à densidade da sua população. As sociedades Igbo eram organizadas em aldeias autossuficientes, ou federações de comunidades de aldeias, com uma sociedade de anciãos e associações de grupos da mesma faixa etária que desempenhavam várias funções governamentais.


Em 1967, apoiados pela multinacional francesa Elf-Aquitaine, declaram a independência da região leste da Nigéria, formando a República de Biafra. Houve fome generalizada na região e guerra civil que levou à derrota dos Igbos.


Guerra de Biafra

A Nigéria se tornou independente em 1960 e foi formada pela reunião do povo Igbo com o povo Hausa. Os Igbos eram provenientes da província de Biafra, a leste do país, e formavam a elite da Nigéria. De uma forma geral eram os que tinham os melhores empregos e os melhores salários. Num golpe de Estado, em 1966, um grupo de oficiais do exército da etnia Igbo tomou o poder. No entanto, o novo governo foi derrubado por um contragolpe e os Igbos passaram a ser caçados e massacrados em todo o país.



Os que conseguiram escapar fugiram para a sua província de origem e se declararam independentes. A Guerra de Biafra durou entre 1967 e 1970, com um total de 2 milhões de civis mortos, além de 4,5 milhões deslocados de suas próprias casas. No fim, Biafra não conseguiu a separação e foi reintegrada à Nigéria.


Pelé parou a guerra. Mito ou realidade?


Em 1969, o Santos viajou para uma excursão pelo continente africano. Na época, a Nigéria passava por uma guerra civil, com a região de Biafra tentando a independência.


Os guerrilheiros de Biafra já tinham tomado Benin, mas a cidade foi recuperada por tropas do governo e passou a ser protegida por grande aparato militar para que o Santos pudesse jogar lá em segurança. O governador do Estado de Bendel decretou feriado, o Coronel Samuel Ogbemudia liberou a ponte sobre o Rio Sapele, livrando o acesso para Benin e a população pôde apreciar Pelé e os outros astros negros dos Santos em suas imaculadas camisas brancas vencerem a seleção do meio-oeste por 2 a 1. A história do jogo do Santos, porém, nunca foi confirmada oficialmente.


Colonização da Nigéria


Os primeiros colonizadores que chegaram ao país foram os portugueses, por volta de 1470, sendo seguidos por outros países europeus. Ao longo do tempo, o predomínio da ocupação da Nigéria ficou a cargo dos ingleses, que assumiram o controle da maior parte da região, criando uma única colônia.


No contexto de uma sociedade de classes, era prática comum dos colonialistas angariar o apoio da burguesia e da classe média local, tratando-os como iguais. O assimilado era, portanto, o colonizado que rejeitava sua própria cultura em prol de uma cultura superior, em que ele, diferente dos demais compatriotas, pretensamente fazia parte.



Infância e juventude


Quando menina, uma das suas paixões era ouvir histórias dos mais velhos. As contadoras, seguindo a tradição local, eram sempre mães de alguém. Ela cresceu ouvindo a tia, a quem chamava de Grande Mãe. Buchi costumava sentar “por horas a seus pés, hipnotizada pela sua voz de transe”, deleitando-se com as proezas de seus ancestrais. As visitas a Ibuza, aliadas ao prazer e ao conhecimento, obtidos com as narrativas, trouxeram a Emecheta a certeza de que ela também seria uma contadora de histórias.


Durante a infância, seu irmão, privilegiado por ser menino, foi para a escola, enquanto Buchi ficou em casa. Mais tarde, após diversos e insistentes pedidos, ela foi matriculada em uma escola missionária para meninas, onde aprendeu línguas nativas e o inglês – seu quarto idioma.


Buchi Emecheta viveu uma infância dura. No entanto, a pobreza e a subnutrição em seus anos de juventude, somadas à perda precoce de seu pai quando ela tinha apenas oito anos, não lhe diminuíram a vontade de viver, um desejo intenso que nunca a abandonaria.



Em 1954, Buchi recebeu uma bolsa de estudos em uma escola de elite, em Lagos. Nessa época, sua mãe faleceu e ela foi passada de um a outro parente distante. Nas férias escolares, enquanto suas colegas voltavam para as confortáveis casas das famílias, ela permanecia no dormitório da escola, encontrando abrigo nos livros e na imaginação. A volta das férias era seu momento de brilhar, deixando maravilhadas as colegas com histórias sobre supostas aventuras.


Casamento infeliz, abusivo e violento


Aos 11 anos, ela conheceu e se tornou noiva do estudante Sylvester Onwordi e, aos dezesseis, já estavam casados. Logo nos primeiros anos, nasceram dois dos cinco filhos. A família mudou-se para Londres e Onwordi foi para a universidade local.


Emecheta viveu um casamento infeliz e, não raro, abusivo e violento. Em seu tempo livre, ela começou a escrever e até já tinha desenvolvido o rascunho de um romance, que acabou sendo queimado pelo marido. Ele estava consumido por um absurdo sentimento de posse e se achava ameaçado pela força de vontade da esposa que sonhava conquistar uma graduação e tornar-se escritora.



Buchi obteve o divórcio em 1966, aos vinte e dois anos. O ex-marido, porém, não reconheceu a paternidade dos filhos. Sem dinheiro, com cinco filhos para cuidar e em um país estranho a ela, manteve-se com obstinação. Trabalhou na Biblioteca de Londres, enquanto estudava à noite e começou a carreira de escritora conjugando a educação dos cinco filhos e os estudos na Universidade de Londres, onde obteve o diploma de bacharelado em Sociologia (1974), o mestrado (1976) e o doutorado em Educação (1991).


Emecheta trabalhou também no Museu Britânico na década de 1960, e atuou como jovem trabalhadora para a Inner London Education Authority nos anos 1970. Depois que os seus livros se tornaram bem-sucedidos ela deu aulas em diversos lugares, inclusive na Universidade do Estado da Pensilvânia, na Universidade de Rutgers e na Universidade da Califórnia, na Universidade de Los Angeles e de Illinois, entre outras. Ela foi premiada com a Ordem do Império Britânico em 2005.


Vontade de escrever e aprimorar seu inglês


A graduação e os pequenos trabalhos eram movidos, desde o início, pela vontade de escrever, aprimorar seu inglês e sua comunicação com o resto do mundo. Após diversas rejeições, recebeu uma oportunidade como colunista no periódico inglês New statesman e ali começou a escrever sobre experiências pessoais. Os textos tornaram-se a base do primeiro livro, In the ditch (Na vala - 1972). Dois anos depois, publicou Second-class citizen (Cidadã de segunda classe).



Enquanto seus dois primeiros romances têm caráter autobiográfico com alguns elementos ficcionais, as obras subsequentes apresentam um tom de resgate histórico, tendo como cenário a Nigéria Igbo colonial do início do século XX. A África que sua mãe conheceu.


As alegrias da maternidade


Em textos diversos, Emecheta manifestava a necessidade de se comunicar e de atenuar as angústias por meio da escrita. É, portanto, natural imaginar sua reação ao descobrir que uma de suas filhas iria morar com o pai. Devastada, ela escreveu em seguida seu livro de maior repercussão e recepção positiva ao redor do mundo: As alegrias da maternidade (1979), título abertamente irônico, que recebeu sua primeira tradução para o português na edição da TAG enviada aos associados do clube em outubro de 2017. Foi a primeira obra de Emecheta editada no Brasil.


Tendo como cenário a mesma Nigéria colonial da primeira metade do século XX, a obra narra a trajetória de Nnu Ego, uma jovem Igbo, cujas escolhas serão guiadas pelo que é esperado de uma mulher em seu contexto social, ou seja, ser mãe. Depois de casada, Nnu Ego percebe que não consegue gerar filhos, uma das maiores decepções e desgraças para uma mulher de sua cultura. Seus sofrimentos pareciam intermináveis até ela finalmente dar à luz, no entanto, as condições para sustentar os filhos eram cada vez mais precárias.



A vida em Lagos, sua nova e urbanizada terra de moradia, impõe-lhe uma adaptação para a qual não se sentia preparada. Sua vida foi diretamente atingida pelas influências da cultura do colonizador inglês, transformando os valores tradicionais de sua terra de origem.


Os percalços vividos por Nnu Ego refletem uma cultura de violenta opressão patriarcal e colonial. Buchi Emecheta revela em sua obra a prisão em que vive a mulher da Nigéria e sua clara posição de subordinação ao homem, tanto o nigeriano quanto o europeu, com relações de poder diferentes, mas sempre colocando a mulher em posição inferior na sociedade.


Com seu título irônico, As alegrias da maternidade costuma ser utilizado como material de apoio para discutir na escola o peso das expectativas da tradição sobre as mulheres e as mudanças introduzidas pelo colonialismo.


Temas da escrita de Buchi


A maioria de seus trabalhos de ficção focam a discriminação sexual e o preconceito racial baseados nas próprias experiências como mãe solteira e mulher negra residente no Reino Unido. Sua escrita autobiográfica revela um panorama histórico das mazelas sofridas pelas mulheres durante o neocolonialismo ocorrido nos países africanos entre os séculos XIX e XX.



Os temas relacionados a escravidão infantil, maternidade, independência feminina e liberdade por meio da educação ganharam reconhecimento de críticos e diversas homenagens. Ela classificou suas narrativas como "histórias do mundo, onde as mulheres enfrentam os problemas universais de pobreza e opressão e, quanto mais tempo permanecem, não importa de onde tenham vindo originalmente, mais os problemas se tornam idênticos". Suas obras exploram a tensão entre tradição e modernidade. Ela foi declarada como a primeira romancista negra de sucesso que viveu na Grã-Bretanha depois de 1948.


Algumas das obras publicadas


Romances


Na Vala (In the ditch - 1972) - narra as lutas da jovem nigeriana Adah (o alter ego de Emecheta), na criação dos filhos nas favelas de Londres e seu casamento com um homem londrino. Seu marido decide voltar para a Nigéria, mas ela se recusa. O homem então parte assim mesmo, abandonando sua esposa e cinco filhos. Adah passa então a depender do bem-estar do Estado e de empregos duplos para sobreviver e criar os filhos.


Cidadã de Segunda Classe (Second Class Citizen - 1974) - Na Nigéria dos anos 1960, Adah precisa lutar contra todo tipo de opressão cultural que recai sobre as mulheres. Nesse cenário, a estratégia para conquistar uma vida mais independente para si e seus filhos é a imigração para Londres. O que ela não esperava era encontrar, em um país visto por muitos nigerianos como uma espécie de terra prometida, novos obstáculos tão desafiadores quanto os da terra natal. Além do racismo e da xenofobia que Adah até então não sabia existir, ela se depara com uma recepção nada acolhedora de seus próprios compatriotas, enfrenta a dominação do marido e a violência doméstica e aprende que, dos cidadãos de segunda classe, espera-se apenas submissão.



O Preço da Noiva (The bride price- 1976) - Aku-nna é uma jovem Igbo que vê a vida ruir após a morte do pai. Ela precisa deixar Lagos, junto com a mãe e o irmão, e retornar ao povoado rural de Ibuza, onde vai enfrentar as angústias da adolescência e as rígidas tradições patriarcais do seu povo. Lá, ela se apaixona por Chike, filho de uma família próspera, mas descendente de escravos. Esse amor é considerado uma afronta à cultura dos Igbos. Só que o casal está disposto a tudo para ficar juntos, mesmo sabendo que esse caminho pode ser trágico.


A pequena escrava (The slave girl - 1977) - vencedor do Prêmio Jock Campbell de 1978 do New Statesman, é uma denúncia à opressão patriarcal sobre as mulheres e seus corpos, tendo como protagonista Ogbanje Ojebeta, uma menina órfã vendida pelos irmãos para um parente distante, depois que doenças e tragédias a deixaram órfã quando criança. Seus companheiros escravos tornam-se, para ela, uma família substituta. Ao se tornar mulher, ela sente a necessidade de um lar, de família, de liberdade e identidade e só então percebe que para isso deve escolher seu próprio destino.


Destino Biafra (Destination Biafra 1982) - o primeiro a apresentar a perspectiva de uma mulher sobre a Guerra Civil Nigeriana.


Obras autobiográficas


Cabeça acima da água (1984; 1986) - quanto à minha sobrevivência nos últimos vinte anos na Inglaterra, diz ela, desde quando eu tinha pouco mais de vinte anos, arrastando quatro bebês frios e grávida do quinto - foi um milagre. E se por algum motivo você não acreditar em milagres, por favor, comece a acreditar, porque tive de manter minha cabeça acima da água nesta sociedade indiferente.


Kehinde (1994) - o enredo gira em torno de uma mulher que, depois de morar em Londres por dezesseis anos, é obrigada a voltar à Nigéria acompanhando o marido. Os conflitos daí resultantes em suas vidas refletem as experiências de muitas mulheres da diáspora africana moderna.


Muitos de seus romances revisitam os mesmos temas e inspiram-se em sua vida. Talvez não haja outro escritor africano em cujas obras sua própria biografia esteja tão centrada quanto na dela. Seu trabalho ilumina sua vida enquanto sua vida confirma seu trabalho.


Livros para crianças e jovens


Buchi escreveu também para o universo infanto-juvenil, em projetos para televisão e em uma autobiografia – que inclui, entre outras histórias, as origens de As alegrias da maternidade. Titch the Cat (Arrume o gato - ilustrado por Thomas Joseph ; 1979). Nowhere to Play (Nenhum lugar para brincar, ilustrado por Peter Archer - 1980).


Sua vida e ficção se alimentam na medida em que seus romances são muitas vezes referidos como relatos “ficcionalizados” de sua vida. Embora Emecheta fosse um símbolo da mulher africana moderna, ela rejeitou ser chamada de feminista. Se fosse, teria de ser chamada feminista com uma letra minúscula 'f'.


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