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Foto do escritorPaulo Pereira de Araujo

Grandes obras literárias, seus autores nem tanto

Atualizado: 20 de set.

cabeçalho Paulodrama Conexões

Quais conexões podem ser feitas com Aristóteles e inteligência artificial; mitologia grega e Albert Camus; John Lennon e o poeta Ezra Pound? Provavelmente você nunca tenha pensado nisso. Eu já. Gosto de conectar ideias aparentemente opostas, sem relação nenhuma entre elas, distantes no tempo e aparentemente desconexas. Por isso criei o Drama Conexões. Neste artigo inaugural abordo a seguinte questão:


É Possível Separar o Autor de Sua Obra?


O poeta Ezra Pound (1885-1972) apoiava o fascismo italiano e admirava Mussolini. Martin Heidegger (1889-1976) foi membro do Partido Nazista e nunca se distanciou dessas associações. Knut Hamsun (1859-1952), Nobel de 1920, arruinou sua reputação ao apoiar o nazismo. Gabriele D'Annunzio (1863-1938), poeta e dramaturgo italiano, também foi fascista. A cineasta alemã Leni Riefenstahl (1902-2003) fez propaganda para Hitler e o Partido Nazista.


Gabriele D'Annunzio, Leni Riefenstahl, Gertrude Stein, Friedrich Nietzsche, Ayin Rand e Richard Wagner
Autores que tiveram ou foram acusados propagadores de ideologias ditatoriais

Gertrude Stein (1874-1946), escritora estadunidense, foi acusada de colaborar com os nazistas durante o regime de Vichy. Friedrich Nietzsche (1844-1900) teve suas obras manipuladas pela irmã Elisabeth Förster-Nietzsche que apoiou o nazismo. Como poderia Nietzsche ser nazista se ele morreu quase cinquenta anos antes do do regime nazista. Richard Wagner (1813-1883) expressou visões antissemitas, apropriadas pelo nazismo que ele também não conheceu, embora não tenha sido um santo. Ayn Rand (1905-1982) defendeu o objetivismo, criticado por insensibilidade às desigualdades sociais.


Contexto Histórico e Cultural de Alguns Desses Autores


Em 1945, Ezra Pound enfrentou polêmica pública ao ser preso em uma gaiola ao ar livre numa base militar dos Estados Unidos, acusado de traição por suas transmissões de rádio pró-fascistas e antissemitas em Roma, criticando a participação dos Estados Unidos na guerra. Pound foi um dos principais defensores do imagismo, movimento que enfatizava a precisão da linguagem e a clareza da expressão poética. Ele teve um papel crucial na promoção de outros escritores modernistas, editando e publicando obras importantes. Depois se perdeu.


Ezra Pound e suas obras

Martin Heidegger, filósofo alemão mais conhecido por sua obra Ser e Tempo (1927), na qual analisa a ontologia e introduz o conceito de "Dasein" (ser-aí), que se refere à experiência concreta do ser humano no mundo, enfatizando a importância da temporalidade e da consciência da mortalidade na compreensão do ser. Ele criticava a metafísica tradicional e defendia uma abordagem fenomenológica e existencial. Sua influência na filosofia continental é vasta.


Porém, em 1933,  após a nomeação de Adolf Hitler como chanceler, as universidades alemãs foram pressionadas a apoiar o regime nazista. Heidegger foi eleito reitor da Universidade de Freiburg e tornou-se membro do Partido Nazista, implementando programas educacionais nazistas e apoiando suas políticas. Foi proibido de lecionar de 1945 a 1950 por seu apoio ao nazismo. Mesmo assim ele nunca repudiou seu passado.


Martin Heidegger e suas obras

O escritor Knut Hamsun é amplamente reconhecido como um dos mais importantes escritores da Noruega. Sua obra influenciou profundamente a literatura moderna. Frequentemente abordam temas como a psicologia humana, a natureza e a condição existencial do indivíduo. Hamsun não só apoiou a ocupação nazista da Noruega como escreveu artigos favoráveis aos nazistas. Chegou ao ponto de doar sua medalha do Prêmio Nobel de Literatura de 1920 a Joseph Goebbels, o ministro da propaganda nazista.


O livro intitulado Fome (Sult - 1890), considerado o primeiro grande romance de Knut Hamsun e um marco na literatura moderna, é um mergulho profundo na psicologia do personagem principal, sua angústia existencial e a luta pela sobrevivência. Hamsun utiliza uma narrativa introspectiva e um estilo fragmentado que antecipa técnicas modernistas, influenciando escritores como Franz Kafka e James Joyce.


Knut Hamson e suas obras

É Possível Dissociar o Autor de Sua Obra?


Tendo o caso de Ezra Pound como exemplo, vou tentar achar uma resposta a essa indagação que parece não ter fim. Ezra Pound foi um poeta e crítico literário estadunidense  considerado figura-chave no movimento modernista. Nascido em Hailey, Idaho, ele se destacou por sua influência na literatura do século XX, tanto por sua própria poesia quanto por seu papel de mentor de outros escritores, como T.S. Eliot, James Joyce e Ernest Hemingway.


Apesar de suas contribuições literárias significativas, a vida de Ezra Pound foi marcada por controvérsias graves, principalmente devido às suas posições políticas e ações durante a Segunda Guerra Mundial, tais como:


Apoio Ao Fascismo – Pound era um admirador fervoroso de Benito Mussolini e do regime fascista italiano pois acreditava que o fascismo poderia resolver os problemas econômicos e sociais que ele percebia no mundo ocidental. Admirar o fascismo também queria dizer admirar o nazismo.

 

Transmissões de Rádio – durante a Segunda Guerra Mundial, Ezra Pound fez transmissões de rádio em Roma nas quais expressava apoio ao fascismo e ao antissemitismo, além de criticar os Estados Unidos e os Aliados, o que levou a acusações de traição contra ele no pós-guerra.


Consequências Legais – em 1945, Ezra Pound foi preso pelas forças americanas na Itália e internado em um campo de prisioneiros de guerra. Julgado em Washington, ele escapou da pena de morte apenas por ter impetrado um recurso alegando insanidade. Foi mantido no Saint Elizabeth’s Hospital, manicômio judiciário, pelos doze anos seguintes.


John Lennon

Apesar disso, Ezra Pound conseguiu criar alguns de seus melhores poemas dentro do manicômio. The Pisan Cantos, publicado em 1948, foi saudado por muitos como sua melhor obra até então e laureado com o prestigioso Prêmio Bollingen, apesar de protestos públicos contra a escolha. Você daria este prêmio a um amante do fascismo?


Debate Sobre a Separação da Obra e do Autor


Ezra Pound é um exemplo a dificuldade de separar a obra do autor. Seus poemas são aclamados por sua inovação e impacto literário, mas suas crenças políticas e ações durante a guerra levantam questões éticas sobre como devemos ler e interpretar sua obra.


Argumentos a favor da separação – a riqueza e a inovação de sua poesia podem ser apreciadas independentemente de suas opiniões políticas ligadas ao fascismo. Sua influência no modernismo literário é inegável e merece reconhecimento por suas contribuições estéticas.


Argumentos contra a separação – as ideias fascistas e antissemitas de Ezra Pound estão presentes em alguns de seus escritos, o que pode afetar a interpretação de sua obra. Apoiadores da visão crítica argumentam que consumir sua obra sem reconhecer o contexto pode perpetuar ideologias prejudiciais.


Charles Bukowski

 A Pergunta Central Dissecada por uma Socióloga


Em seu livro Peut-on dissocier l’œuvre de l’auteur? (Podemos dissociar a obra do autor?) A socióloga francesa Gisèle Sapiro não dá a resposta, mas analisa a pergunta. O livro é um estudo abrangente que avalia a complexa e atual questão da separação entre a obra de um autor e sua vida pessoal. A discussão ganha relevância à luz dos recentes movimentos sociais e revelações sobre a conduta de várias figuras públicas.

 

A pergunta: é possível dissociar a obra do autor? é o fio condutor do livro. Sapiro aborda essa questão a partir de múltiplas perspectivas, examinando contextos históricos, filosóficos e sociológicos. O objetivo principal é entender se e como a percepção pública de um autor pode e deve influenciar a recepção e interpretação de sua obra.


Contextos Históricos

 

Sapiro traça uma linha do tempo que remonta à Antiguidade, onde a vida e a obra dos autores eram frequentemente vistas como inseparáveis. No entanto, durante a era moderna, especialmente com o advento do Romantismo, começou-se a valorizar a originalidade e a individualidade dos artistas, o que levou a uma maior ênfase na biografia do autor.

 

O século XX, particularmente com a ascensão do estruturalismo e do pós-estruturalismo, trouxe a ideia de a morte do autor" (proposta por Roland Barthes), que argumenta pela independência da obra em relação ao seu criador.


Gisèle Sapiro

 

Abordagens Filosóficas e Sociológicas

 

A socióloga francesa lança mão das teorias de filósofos como Michel Foucault, que questiona o papel do autor como uma função social, e Jacques Derrida, que desconstrói a ideia de autoria. Sapiro também investiga a sociologia da literatura, observando como as dinâmicas de poder, mercado e instituições literárias moldam a percepção da obra e do autor.

 

O livro não se furta a analisar casos contemporâneos de autores cujas vidas pessoais causaram controvérsia, como as acusações de assédio sexual contra figuras proeminentes. Gisèle Sapiro discute como essas revelações afetam a leitura e a valorização das obras desses autores. Ela questiona se é possível apreciar uma obra literária ou artística sem considerar o comportamento ético de seu criador.

 

Conclusão


Gisèle Sapiro investiga duas questões principais: podemos separar a obra do autor? A resposta é ambígua: sim e não. Essa dualidade leva à próxima questão: podemos suprimir autor e/ou obra? A resposta é não, desde que se distinga entre apologia e representação. O cerceamento não deve anular o debate público, que é impulsionado por movimentos feministas, antirracistas e contra discriminações e incitações ao ódio.


Esses movimentos ajudam a revelar problemáticas ocultas e promovem a tolerância ao longo do tempo. Para entender as polêmicas atuais, devemos refletir sobre nossa resposta: censuramos autores e suas obras, suprimimos suas criações ou as discutimos e responsabilizamos os autores? O debate sobre como lidar com essas questões é essencial e contínuo. Material para iniciar essa discussão não falta.


E você, o que pensa a respeito dessas questões? É a favor ou contrário à separação da obra do autor? Quer fazer algum comentário ou acrescentar algo que não foi abordado? Sinta-se em casa.

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