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Rosana Paulino - A Artista que Costura a Memória Negra no Brasil

  • Foto do escritor: Paulo Pereira de Araujo
    Paulo Pereira de Araujo
  • há 3 horas
  • 3 min de leitura


Rosana Paulino, a artista que costura a história que o Brasil tentou rasgar, devolvendo voz, corpo e memória à mulher negra.
Rosana Paulino, a artista que costura a história que o Brasil tentou rasgar, devolvendo voz, corpo e memória à mulher negra.

Arte, Memória e Resistência no Século XXI


Rosana Paulino, minha cara leitora e meu caro leitor, é daquelas presenças que a gente não “descobre”, a gente leva um tapa. Um tapa necessário, desses que acordam mais do que café forte. Uma artista cuja obra, memória, corpo, mulher negra, racismo estrutural, diáspora africana, não quer agrado; quer verdade. E, como todo velho teimoso, eu respeito profundamente quem não pede licença pra existir.


Nascida em São Paulo, em 1967, Rosana poderia muito bem ter seguido por caminhos mais suaves, mas preferiu enfiar a agulha onde o Brasil finge que não dói. Formou-se e doutorou-se na ECA-USP, especializou-se em Londres, e desde cedo entendeu que arte contemporânea não é enfeite de sala: é bisturi.


Sua obra atravessa fotografia, desenho, vídeo, instalação e, sobretudo, aquilo que sempre me comove: a costura. Agulha como caneta, linha como cicatriz.

Penso sempre em Parede da Memória, aquela instalação de 1994. Paulino pega fotos familiares, rostos negros que o país tentou apagar e as costura como quem recompõe uma história rasgada.


Ali, percebi pela primeira vez que a costura pode ser mais violenta que o corte. Cada ponto revela o que foi rompido antes. Em Assentamento, o mesmo gesto reaparece, mas agora como arqueologia íntima, pedaços de vidas negras mantidas num fio frágil, porém obstinado. Já em Atlântico Vermelho, ela encara de frente aquele oceano que não separa continentes, mas une tragédias.


A Costura como Política, o Método Singular da Artista


Rosana Paulino não trabalha pra construir ídolos. Ela desmonta, recolhe e rearruma. É uma artista consciente de que o Brasil gosta de filtros históricos, deixa a escravidão na sombra, esconde o genocídio negro sob estatísticas e transforma sofrimento em exotismo. Paulino devolve essas violências à luz. Não pra torturar e sim pra descolonizar o olhar, essa palavra que os modernos adoram, mas que nela ganha peso real.


Obras de Rosana Paulino, artista que transforma memória ferida em potência visual.
Obras de Rosana Paulino, artista que transforma memória ferida em potência visual.

Sua presença em instituições nacionais e internacionais como Pinacoteca, MASP-Museu de Arte de São Paulo, MAM-Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu AfroBrasil- São Paulo, Brooklyn Museum, não é prêmio, é consequência. Em 2018, tornou-se a primeira artista negra brasileira a fazer uma individual na Pinacoteca. Um marco tardio, que diz menos sobre ela e mais sobre o país que demorou demais pra percebê-la.


Uma vez, ouvindo Paulino no Descriarte Podcast, achei belíssima a maneira como ela falou de suas séries “Búfala”, “Senhora das Plantas” e “As Jatobás”. Não há ali só denúncia: há espiritualidade, um diálogo com forças ancestrais que meu velho ceticismo até tenta resistir, mas acaba respeitando.


Ela fala de psicologia da mulher negra, essa que a história oficial simplesmente ignorou. E, num momento que me arrancou um sorriso, comentou ser filha de Ogum com Iansã. Dois santos de guerra. Ah, isso explica tudo: é preciso muito Ogum pra enfrentar este país e muita Iansã pra soprar vida naquilo que tentaram sufocar.


Rosana pertence à chamada “Geração Noventa”, essa turma que chutou o marasmo artístico brasileiro e trouxe a urgência pro centro da sala. Mas a verdade é que ela não pertence a geração nenhuma. Ela é um capítulo à parte. Sua obra articula memória, herança africana, violência de gênero, corpo negro, identidade, arquivo, reparação simbólica e, por mais que ela própria duvide da ideia de reparação, uma espécie de reconstrução possível.


Costumo dizer que alguns artistas pintam o mundo; outros o descosturam. Rosana Paulino faz as duas coisas. Rasga o que é preciso rasgar e recompõe o que merece cuidado. Não busca conforto; busca consciência. Talvez por isso seu trabalho seja tão fundamental num país que ainda prefere mitos à realidade, selfies à história, e tapar os olhos ao invés de encarar o espelho.


Se você quer entender o Brasil, o Brasil real, não o folclórico, comece por Rosana Paulino. Ela não promete consolo, promete lucidez. E, nesta idade em que já perdi o gosto por ilusões, nada me parece mais belo do que isso.



 
 
 

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