Leonardo Boff: Teólogo, Ativista e a Voz da Casa Comum
- Paulo Pereira de Araujo

- há 5 dias
- 3 min de leitura

Eu tava aqui com Botox ressonando aos meus pés, quando me caiu nas mãos um livro do Leonardo Boff. Não me lembro qual. A velhice tem dessas coisas: as lombadas se embaralham, as ideias se misturam, só a voz permanece. E a voz do Leonardo Boff… ah, essa nunca se perdeu!
Porque ele é desses sujeitos raros que conseguem irritar conservadores, hierarquias religiosas, militantes muito sérios e até ateus convictos, tudo ao mesmo tempo. E irritar tanta gente diferente é, pra mim, uma excelente carta de apresentação. Significa que não jogou pra arquibancada de ninguém. Significa que pensou.
E, mais do que isso, que ousou dizer o que pensou, mesmo quando isso o empurrou pra fora da instituição religiosa que o formou. Eu invejo essa coragem. Eu, que passei a vida tentando parecer sábio sem ser excomungado de nenhum círculo social, olhando por cima dos óculos pra esconder o medo.
Leonardo Boff nasceu em 1938, em Concórdia, Santa Catarina, nome apropriado pra alguém que passou décadas tentando reconciliar fé, justiça social e cuidado com a Terra, e que só encontrou mesmo a discórdia com Roma. Foi franciscano, professor, teólogo, filósofo, ativista e escritor de dezenas de livros que misturam espiritualidade com crítica social.
Um sujeito que falava de Jesus como quem fala de um amigo que ainda tá sentado ao lado, com os pés sujos de poeira e a roupa simples. E isso, veja você, já foi motivo suficiente pra ser visto como ameaça.
Eu sempre achei curiosa essa insegurança institucional: uma Igreja com dois mil anos de história, catedrais monumentais e um Estado próprio ainda treme diante de um homem sentado em Petrópolis com uma caneta na mão. Talvez porque a caneta era mais afiada que muitos sermões. Ou talvez porque Boff lembrou, como poucos, que o cristianismo era menos sobre punir pecadores e mais sobre aliviar sofrimentos.
Quando ele publicou Igreja: Carisma e Poder, em 1981, acertou em cheio a estrutura rígida que tentava controlar as experiências espirituais como se fossem propriedade privada. Resultado: foi silenciado durante um ano.
Silêncio Obsequioso Imposto Pela Igreja
“Silêncio obsequioso”. Até hoje considero essa expressão uma das coisas mais cômicas já produzidas pela burocracia religiosa. Obsequioso pra quem? Pra Deus? Pro Papa? Ou pra própria ilusão de ordem? O fato é que Boff não nasceu pro silêncio. Em 1992, ele preferiu sair da ordem franciscana a trair a própria consciência.
E então começou o “Boff sem batina”, que pra mim é o mais interessante. Não porque tenha deixado a Igreja, mas porque libertou sua teologia de qualquer amarra, expandindo-a pro cuidado ecológico, a dignidade humana e o que ele chamava de “Casa Comum”.
Quando li essa expressão pela primeira vez, fechei o livro e cocei a barba: Mas esse homem me obriga a pensar! E um velho, quando pensa demais, perde o sono e eu prezo meu sono mais do que prezo qualquer doutrina.
Mas devo reconhecer, a sensibilidade ecológica dele me tocou. Talvez porque, vivendo com Botox, eu aprendi a observar o mundo como um cachorro observa: atento ao cheiro, ao vento e ao som que passa. Um animal sabe que o planeta tá doente antes mesmo que os humanos percebam. Boff dizia que cuidar da Terra era cuidar dos pobres, e cuidar dos pobres era cuidar da Terra. Parece simples, mas só parece. O simples, no fundo, é sempre o mais revolucionário.
Ele recebeu prêmios, títulos, honrarias, mas acho que o maior mérito de Leonardo Boff não cabe em medalhas. Seu maior mérito foi manter acesa a chama da compaixão num tempo em que compaixão virou sinônimo de ingenuidade. E, sinceramente, já tô velho demais pra acreditar que cinismo é sinal de inteligência.
Se você me perguntar quem é Leonardo Boff, eu diria assim: um homem que desobedeceu pra continuar ouvindo. E, no mundo de hoje, meu amigo, ouvir é o mais raro dos milagres.
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