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Foto do escritorPaulo Pereira de Araujo

Arte, Filosofia e Carnaval. De Platão a Joãosinho Trinta

Atualizado: 20 de set.


Como surgiu o Carnaval no Brasil?


Por volta de 1641, os portugueses trouxeram para o Brasil o Entrudo, uma festa de rua praticada pelos escravos que envolvia jogar lama, urina e fezes nas pessoas. Proibido em 1841 devido à violência, o Entrudo foi adaptado e evoluído até chegar ao Carnaval atual. A palavra “carnaval” vem do latim “carnis levale” e significa “retirar a carne”. O Carnaval é uma celebração de subversão temporária da ordem. Em 1855, o Rio de Janeiro sediou o primeiro desfile oficial de Carnaval no Campo de Santana, organizado por sociedades carnavalescas. Em 1917, foi gravado "Pelo Telefone", o primeiro samba brasileiro. O primeiro desfile de escolas de samba ocorreu em 1935, também no Campo de Santana. Para considerar se o Carnaval é uma manifestação artística, é necessário examinar o conceito de arte.


Platão - a Arte é uma Imitação Negativa da Realidade


Para Platão (427 a.C. - 347 a.C.), a arte é uma imitação (mimesis) do mundo sensível, que já é uma cópia imperfeita do mundo das ideias ou formas perfeitas. Ele via a arte com desconfiança, acreditando que ela desvia as pessoas da verdade, que só pode ser alcançada pela razão e pela filosofia. Para Platão, a arte é três vezes removida da verdade: o artista imita objetos do mundo físico, que são imitações das formas ideais. Platão dividia a realidade em dois universos — o inteligível e o sensível — e via a arte como um simulacro que afasta ainda mais do real. Ele preferia a filosofia (razão) à poesia (emoção).


Aristóteles - a Arte Revela Verdades Universais e Proporciona Catarse


Diferente de Platão, Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) via a arte, especialmente a tragédia, de forma positiva. Ele valorizava a imitação por revelar verdades universais e promover a purificação das emoções (catarse). A arte educa e refina as emoções, e ajuda a compreender a condição humana. A imitação, ao promover identificação e despertar sentimentos, aproxima do real e prepara para a vida em comunidade. Para Aristóteles, as ações mais nobres, como a contemplação, são verdadeiramente belas. A arte deve educar para os valores do homem livre e ensinar a apreciar a contemplação, mais do que as habilidades do artista. Aristóteles valorizava o ócio e as atividades realizadas por si mesmas, considerando-as mais importantes para uma vida feliz e plena.


Platão e Aristóteles - Pinterest


Tomás de Aquino – a Arte é uma Atividade Humana que Imita a Natureza e a Criação Divina


Influenciado por Aristóteles, Tomás de Aquino (1225 - 1274) integra suas ideias à teologia cristã, vendo a arte como uma imitação da natureza e da criação divina. Para ele, a beleza é uma manifestação de Deus e a arte, ao refletir a ordem e a harmonia do mundo criado, pode elevar a alma humana e aproximá-la de Deus. Aquino valorizava a arte com propósito moral e espiritual, ajudando a contemplar a beleza divina. Ele acreditava que os sentidos da vista e da audição percebem o belo, enquanto outros sentidos não o fazem. O belo está ligado ao conceito do Bem, que é o que todos desejam.


Spinoza – a Arte é a Expressão da Capacidade Humana de criar e Compreender o Mundo


Baruch Spinoza, um racionalista do século XVII, desenvolveu uma visão sistemática da realidade em sua obra "Ética", na qual ele apresenta a natureza ou Deus como uma substância única com infinitos atributos, de que tudo ocorre como uma expressão das leis naturais.


Na visão de Spinoza (1632 - 1677), a arte é uma expressão da capacidade humana de criar e compreender o mundo. Embora ele valorize a razão e o conhecimento, a arte serve para examinar e expressar a compreensão humana da natureza e da existência. A arte pode influenciar o estado emocional e espiritual das pessoas, ajudando-as a compreender melhor a si mesmas e ao mundo. A beleza pode ser vista como uma expressão da ordem e harmonia natural refletida pela arte. Spinoza acreditava que as emoções resultam da interação entre os desejos humanos e o mundo externo.


Tomás de Aquino e Spinoza  - Pinterest


Akira Kurosawa – a Arte Reflete a Complexidade Humana em Busca de Significados


Akira Kurosawa (1910 - 1998) foi um renomado cineasta japonês, famoso por seu estilo visual inovador e narrativas profundas em gêneros como dramas históricos e filmes de samurais. Ele moldou o cinema japonês e global, criando experiências que ressoam em diversas culturas. Para Kurosawa, a arte é uma expressão da experiência que reflete a complexidade da condição humana e sua busca por significado. Ele via o cinema não apenas como entretenimento, mas como uma forma de investigar a natureza humana e seus conflitos para oferecer uma visão profunda e universal da vida.


Joãosinho Trinta – a Arte é uma Forma de Expressão Cultural e Social Acessível a Todos 


Joãosinho Trinta (1933 - 2011), renomado carnavalesco brasileiro, tinha uma visão única da arte, especialmente no Carnaval. Ele desafiou preconceitos e redefiniu a arte popular no Brasil ao reinventar os desfiles de escolas de samba. Trinta inovou com grandes carros alegóricos, brilho excessivo e o uso de material reciclado para fantasias e carros, além de incentivar projetos comunitários como o Mutirão.


Com nove títulos no Grupo Especial e conhecido pelo desfile "Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia", em 1989, Joãozinho Trinta, via a arte como profundamente ligada à cultura popular e inclusão social. Para ele, o Carnaval eleva o espírito, proporciona alegria e celebra a identidade cultural. Joãosinho Trinta acreditava na democratização da arte, tornando-a acessível a milhões de pessoas. Sua frase célebre, “Quem gosta de pobreza é intelectual, o povo gosta do luxo”, reflete seu espírito carnavalesco.


Akira Kurosawa e Joãosinho Trinta  - Pinterest


Clóvis de Barros Filho - a Arte é uma Expressão Ética que Pode Desafiar Normas e Inspirar Mudanças


Clóvis de Barros Filho (19650), filósofo contemporâneo, vê a arte como uma expressão ética que desafia normas e inspira mudanças. Ele acredita que a arte proporciona transcendência, elevação e enriquece a vida com beleza e reflexão. Para ele, a arte revela verdades profundas sobre a condição humana. A autenticidade e a honestidade são essenciais para seu impacto transformador.


E se Clóvis de Barros Filho comentasse as definições de arte propostas por esses pensadores?


Façamos agora um exercício de imaginação para responder por, Clóvis de Barros Filho, como seriam analisadas as contribuições de Platão, Aristóteles, Spinoza, Akira Kurosawa e Joãozinho Trinta à luz de seus próprios princípios sobre a autenticidade, transformação e impacto da arte na vida humana.


Clóvis de Barro Filho  - Pinterest


Platão Clóvis reconheceria a crítica de Platão sobre a arte como uma imitação distante da verdade e das Formas Ideais. No entanto, ele argumentaria que a arte, mesmo quando é uma imitação, tem o potencial de questionar e refletir a realidade, desafiar normas e inspirar uma transformação social e pessoal. A definição de Platão representaria uma advertência sobre a superficialidade, mas Clóvis também valorizaria a capacidade que arte tem de provocar uma reflexão crítica sobre a condição humana.

 

Aristóteles – a visão de Aristóteles sobre a arte como um meio de provocar catarse seria apreciada por Clóvis de Barros. Ele veria a abordagem aristotélica como um reconhecimento do poder da arte de transformar e enriquecer a experiência humana, proporcionando uma profunda experiência estética e emocional. A capacidade da arte de tocar e influenciar as emoções seria um reflexo de sua importância na busca por uma vida plena e significativa.

 

Tomás de Aquino – Clóvis de Barros Filho reconheceria a importância de Tomás de Aquino na busca pela ordem e harmonia na arte, mas criticaria sua visão por ser excessivamente rígida e normatizadora. Ele argumentaria que a arte deve transcender a mera reflexão de uma ordem moral preestabelecida, priorizando a autenticidade e a expressão pessoal. Enquanto aprecia a função moral da arte segundo Aquino, Clóvis defenderia que ela deve também promover transformação e reflexão profunda, capturando a complexidade da experiência humana e não se limitando a valores e normas rígidos.

 

Spinoza – a perspectiva de Spinoza sobre a arte como uma expressão das emoções e uma conexão com a ordem natural seria bem-vista por Clóvis como extremamente relevante. Ele valorizaria a visão de Spinoza de que a arte pode ajudar a compreender e melhorar a condição humana por meio da expressão e da reflexão sobre as emoções. Concordaria que a arte tem o poder de revelar verdades profundas e promover um maior entendimento da vida e da natureza.

 

Akira Kurosawa Clóvis de Barros admiraria a abordagem de Kurosawa, que via a arte como uma forma de analisar a condição humana e transcender barreiras culturais. A arte de Kurosawa seria um exemplo de como a expressão artística pode oferecer uma visão mais profunda da experiência humana, desafiar e enriquecer a compreensão cultural e pessoal. Clóvis valorizaria a autenticidade e a capacidade de Kurosawa de provocar um raciocínio significativo sobre a vida e a existência.

 

Joãozinho Trinta – Clóvis prezaria a forma como a arte do Carnaval pode provocar análises e questionamentos dos valores sociais. JoãosinhoTrinta transformou a Beija-Flor e o Carnaval carioca, valorizou a cultura popular e desafiou as normas estabelecidas. Ele sabia combinar elementos dramáticos e simbólicos, exemplo de como a arte pode enriquecer a vida e oferecer uma nova perspectiva sobre a condição humana.

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