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  • Foto do escritorPaulo Pereira de Araujo

Elogio da Loucura, de Dom Quixote a Viramundo

Atualizado: 20 de set.


O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino


O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino, narra a vida de Geraldo Viramundo, um sonhador de Minas Gerais com uma imaginação fértil e um senso de justiça distorcido. Autodenominado O Grande Mentecapto, Geraldo abandona sua cidade natal em busca de aventuras heroicas para corrigir injustiças. Suas tentativas incluem combater a corrupção, liderar uma revolta de lavradores, resgatar uma jovem de um bordel e fundar uma cidade utópica, todas fracassadas por falta de planejamento e resistência.


Dado como morto, Geraldo ressurge mais determinado a continuar sua missão interminável. A obra é uma sátira social e política recheada de temas como loucura, ingenuidade e a busca pelo sentido da vida, utilizando humor e crítica.




Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdã


Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdã, é um ensaio satírico de 1509, publicado em 1511. A personagem principal é a Loucura, que faz um discurso elogiando a si mesma e apontando os defeitos da sociedade, especialmente da Igreja e dos intelectuais. Estruturada como um monólogo, a Loucura celebra suas virtudes e os benefícios que traz, argumentando que a vida seria insuportável sem as ilusões e autoenganos que proporciona. Erasmo utiliza ironia e humor para criticar a sabedoria convencional, práticas corruptas da Igreja Católica, acadêmicos pedantes e políticos corruptos, mantendo um tom leve e espirituoso. A obra é essencial do Renascimento, pois reflete o espírito humanista e desafia o leitor a reavaliar crenças e comportamentos e a reconhecer a irracionalidade presente na vida.



Dom Quixote de La Mancha


Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, publicado em 1605 e 1615, é uma das obras mais influentes da literatura ocidental. A história segue Alonso Quijano, um nobre rural que enlouquece após ler muitos romances de cavalaria. Ele adota o nome Dom Quixote e se torna um cavaleiro andante em busca de aventuras para reviver a cavalaria e defender os oprimidos, acompanhado por seu fiel escudeiro, Sancho Pança. Dom Quixote frequentemente confunde fantasia com realidade, resultando em situações cômicas e patéticas.


Dom Quixote é uma figura tragicômica cuja visão romântica e heroica é admirável, mas suas ações resultam em fiascos devido à sua incapacidade de reconhecer a realidade. Sancho Pança, com sua visão pragmática, oferece humor e sabedoria popular. A primeira parte da obra critica os romances de cavalaria e a sociedade e mostra a a tensão entre idealismo e realidade.



Crime e Castigo, de Dostoiévski


Em Crime e castigo, Rodion Raskólnikov, um ex-estudante pobre que vive em São Petersburgo, concebe uma teoria segundo a qual homens extraordinários têm o direito de cometer crimes, se isso for necessário para alcançar um bem maior. Para provar sua teoria, ele decide matar Aliona Ivanovna, uma velha agiota desprezível, justificando que o mundo estaria melhor sem ela. No entanto, durante o assassinato, ele é forçado a matar também Lizaveta, a meia-irmã de Aliona, que chega inesperadamente.


Após o crime, Raskólnikov é consumido por uma culpa avassaladora e paranoia. Ele tenta justificar suas ações a si mesmo e aos outros, mas sua consciência e medo de ser pego o levam a um estado de confusão mental e física. O investigador de polícia, Porfiry Petrovich, começa a suspeitar de Raskólnikov, e um jogo psicológico intenso se desenrola entre os dois.



Figura do Anti-Herói e a Loucura nas Quatro Obras


Alonso Quijano, transformado em Dom Quixote, é um cavaleiro andante que vê o mundo com as lentes da cavalaria e embarca em aventuras absurdas conduzido pela sua loucura. Geraldo Viramundo é um personagem quixotesco que vive em busca de justiça e sonhos, muitas vezes de maneira irracional e cômica. A Loucura personificada faz um discurso satírico, mostrando como ela própria é uma parte intrínseca e essencial da vida humana.

 

Crítica Social e Satírica

 

Miguel de Cervantes critica a sociedade da sua época, especialmente a obsessão com romances de cavalaria e a incapacidade de distinguir realidade e fantasia. Fernando Sabino utiliza Geraldo Viramundo para satirizar aspectos da sociedade brasileira, incluindo a burocracia, a política e as injustiças sociais. Erasmo de Roterdã critica a Igreja, os intelectuais e as convenções sociais, usando a loucura como veículo para expor as hipocrisias e os absurdos da sociedade.

 

Metanarrativa e Reflexão Sobre a Realidade

 

Dom Quixote é uma reflexão sobre a linha tênue entre realidade e fantasia, verdade e ilusão. O ensaio Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdã é uma metanarrativa que utiliza a Loucura para refletir sobre a própria condição humana e a percepção da realidade. Embora menos explícito, Fernando Sabino também joga com a percepção da realidade por meio das aventuras surreais e, às vezes, absurdas de Geraldo Viramundo.

 

Uso do Humor

 

Em Dom Quixote, Cervantes utiliza o humor e a comédia para destacar as falhas e as loucuras de Dom Quixote, tornando suas aventuras tanto cômicas quanto trágicas. Em O Grande Mentecapto, Sabino utiliza o humor para tratar de temas sérios, o que transforma as desventuras de Geraldo em uma crítica social leve e divertida. Erasmo de Roterdã usa a ironia e o humor para fazer uma crítica mordaz e bem-humorada às instituições e práticas da sua época.

 

Investigação da Condição Humana

 

Na obra Dom Quixote, Miguel de Cervantes utiliza temas universais como o idealismo, a desilusão, a amizade e a busca de significado na vida. A jornada de Geraldo Viramundo, em O Grande Mentecapto, é uma busca por justiça, sonhos e a natureza humana, com suas contradições e aspirações. O Elogio da Loucura é uma meditação sobre a irracionalidade inerente à condição humana. A obra sugere que a loucura é essencial para a felicidade e o bem-estar. Essas conexões mostram como as quatro obras, cada uma à sua maneira, abordam temas universais e atemporais, utilizando a figura do anti-herói, a crítica social e o humor para compreender a complexidade da natureza humana.


Como Freud analisaria essas obras e seus personagens?


Para Freud, a loucura resulta de conflitos inconscientes não resolvidos, relacionados a desejos reprimidos e traumas passados. Esses conflitos podem se manifestar como neuroses, psicoses ou outros distúrbios mentais. A loucura é vista como uma falha ou forma extrema de mecanismos de defesa, como repressão, negação ou projeção, que normalmente protegem o ego de ansiedades intoleráveis. Quando o ego não consegue mediar entre o id (impulsos primitivos) e o superego (normas e valores internalizados), podem ocorrer perturbações mentais que levam à loucura.


Sigmund Freud, ao analisar obras como Dom Quixote de La Mancha e O Grande Mentecapto, destacaria a loucura e o comportamento excêntrico dos personagens como manifestações de conflitos internos, desejos reprimidos e tentativas de lidar com insatisfação e frustração. Ele enfatizaria a importância de reconhecer e integrar esses aspectos inconscientes para uma compreensão mais completa da condição humana.


Freud veria em Dom Quixote um exemplo de sublimação, onde desejos reprimidos e conflitos internos são transformados em ações socialmente aceitáveis. Dom Quixote transforma suas fantasias de cavalaria e desejos inconscientes em uma missão "nobre", usando a loucura como defesa contra uma realidade insatisfatória. Dom Quixote tenta viver de acordo com um ideal de cavalaria, refletindo um conflito entre o ego e o superego, com Sancho Pança representando o princípio da realidade.


No caso de O Grande Mentecapto, Freud interpretaria a loucura de Geraldo Viramundo como uma expressão de desejos reprimidos de grandeza e reconhecimento. Suas ações e aventuras seriam tentativas de realizar fantasias de poder e heroísmo, compensando sentimentos de inadequação. Como Dom Quixote, Viramundo vive em um conflito entre seu ego idealizado e a realidade objetiva, manifestando um ego inflado que molda a realidade para se adequar aos desejos internos.


Em Elogio da Loucura, Freud poderia interpretar a personificação da Loucura como a representação das forças do inconsciente que desafiam a racionalidade. A Loucura dá voz aos desejos e impulsos normalmente reprimidos pelo ego, expondo hipocrisias e irracionalidades sociais. Freud veria isso como uma crítica à repressão e à moralidade excessiva, sugerindo que aceitar e integrar os aspectos irracionais da psique é essencial para uma vida plena



Em Crime e Castigo, o cerne de romance é a luta interna de Raskólnikov com sua culpa e a busca pela redenção em sua  jornada de autodescoberta. A história questiona a justiça e a moralidade e se os fins realmente justificam os meios. Raskólnikov se isola cada vez mais e a narrativa mostra como isso afeta sua sanidade. Sua conexão com a família e com Sônia, uma jovem prostituta, é crucial para sua redenção. Dostoiévski critica a sociedade russa da época, abordando questões de pobreza, desigualdade e a condição humana.


Os personagens de Dostoiévski muitas vezes enfrentam crises de fé, dilemas éticos e a luta entre o bem e o mal, que os levam a estados de angústia mental. A Loucura nos personagens de Dostoiévski frequentemente é associada a obsessões, culpa e a um senso esmagador de responsabilidade moral. Raskólnikov experimenta uma profunda loucura moral e psicológica decorrente de seu sentimento de culpa pelo assassinato.


Por que Freud na Literatura?


A literatura é um terreno fértil para a exploração das complexidades da mente humana, especialmente no que diz respeito à loucura. Sendo a loucura um enorme campo de estudo da psicanálise, nada melhor do que buscar em Sigmund Freud as conexões da loucura nessas obras literárias. Don Quixote, O grande Mentecapto, Crime e Castigo e Elogio da Loucura fornecem ricas perspectivas sobre a loucura e a psicologia humana, que as torna valiosas para uma análise freudiana.


Cada uma delas estão relacionadas a diferentes aspectos da psique humana - culpa, dualidade, conflitos edipianos e alienação - que são centrais para a psicanálise. Ao examinar essas obras na perspectiva freudiana, podemos obter uma compreensão mais profunda dos complexos mecanismos internos que contribuem para a experiência da loucura e do sofrimento psicológico.


E você, o que pensa sobre a loucura e à presença dela na literatura? Cada um de nós teria uma parcela de loucura neste mundo moderno?


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