A Roma de A Doce Vida, de Federico Fellini
A Doce Vida (1960), dirigido por Federico Fellini (1920 - 1993), é um clássico do cinema italiano e uma forte crítica à alta sociedade romana da época. Durante uma semana, Marcello Rubini (Marcello Mastroianni), um escritor e jornalista de tabloide, busca por algum propósito em meio à decadente elite de Roma enquanto tenta flagrar celebridades em situações comprometedoras ou embaraçosas, especialmente quando são mulheres bonitas.
Marcello se envolve amorosamente com Maddalena (Anouk Aimee) e a atriz superstar sueca Sylvia (Anita Ekberg) apesar de estar noivo de Emma (Yvonne Furneaux), uma mulher pegajosa, insegura e melodramática. A narrativa, fragmentada em episódios, reflete a desorientação e o vazio existencial de Marcello. A cena icônica de Sylvia na Fontana di Trevi simboliza desejo e inatingibilidade.
A Doce Vida ganhou a Palma de Ouro em Cannes, popularizou um estilo de vida e deu origem ao termo "paparazzo," inspirado no sobrenome de um fotógrafo amigo do protagonista Marcello. O filme aborda temas como a busca pela felicidade, o vazio espiritual, a superficialidade da fama e a decadência moral. Combina realismo e surrealismo, com destaque para a fotografia de Otello Martelli e a trilha sonora de Nino Rota.
Roma foi fundada em 753 a.C. por Rômulo e governada por uma série de sete reis durante a monarquia. Em 509 a.C., Roma se tornou uma república. Em 27 a.C., Otaviano Augusto inaugurou o Império Romano. Pensar em Império Romano é pensar em Nero, o último imperador da Dinastia Júlio-Claudiana.
Nero, o Imperador Cruel, Tirânico e Incendiário. Será?
Nero, imperador de Roma de 54 a 68, é frequentemente lembrado como tirano, cruel e assassino, acusado de matar Agripina, sua mãe, e suas esposas Cláudia Otávia e Popeia Sabina. No entanto, uma reportagem da BBC de 2021, sobre a exposição Nero: The Man Behind the Myth no British Museum, desafia essa visão negativa de Nero. Baseada em documentos inéditos e correspondências, a exposição apresenta uma imagem de Nero bem mais complexa do que a que chegou até nós.
Nero assumiu o poder aos dezesseis anos, fez reformas populares, melhorou o abastecimento de alimentos e ficou com a popularidade em alta. Entretanto, suas políticas e extravagancias artísticas irritaram a elite. Segundo a curadora da exposição, historiadores como Tácito, Cassius Dio e Suetônio, opositores políticos de Nero, ao distorcer a imagem do imperador, contribuíram para a construção de sua reputação negativa. Já Federico Fellini teve sua reputação positiva tremendamente aumentada depois de A Doce Vida, o que não quer dizer que o mundo era cor-de-rosa para os produtores.
A Doce Vida, Não tão Doce
A Doce Vida é amplamente reconhecido como um dos filmes mais amados da história do cinema; porém raramente se considera a perspectiva do produtor, figura essencial para a realização de qualquer filme. No centenário do nascimento de Fellini, o documentário A verdade sobre A Doce Vida revela, pela primeira vez, a história dos bastidores do filme, ancorado em documentos inéditos, como a correspondência entre Fellini e os produtores Giuseppe Amato e Angelo Rizzoli.
A reconstrução detalhada de cenas e depoimentos, possibilita investigação da gênese e dos desafios para a produção de uma das maiores obras-primas do cinema. O documentário conta a história de uma paixão cinematográfica e o empenho do produtor Giuseppe Amato que arriscou quase tudo para realizar seu sonho de transformar um filme inicialmente desacreditado em um ícone eterno da sétima arte. A verdade sobre A Doce Vida está para o filme de Fellini assim como a Exposição no British Museum está para Nero.
A Amarga Vida de Nero
Nero foi o primeiro imperador romano a se apresentar publicamente no palco. Organizava espetáculos para aumentar sua popularidade, o que gerou críticas da elite. Sua mãe, Agripina, teve grande influência no governo, mas as tensões entre eles levaram à morte de Agripina, atribuída a Nero. Cláudia Otávia, sua primeira esposa, foi executada por adultério, e sua segunda esposa, Popeia Sabina, morreu durante a gravidez, com Nero novamente suspeito de assassinato.
Um dos maiores mitos sobre Nero é sua suposta responsabilidade pelo Grande Incêndio de Roma no ano 64, mas pesquisas mostram que ele estava fora da cidade quando o fogo começou e retornou a Roma para ajudar no combate ao fogo. Nero acusou os cristãos pelo incêndio e iniciou a perseguição aos primeiros seguidores de Cristo. Ele foi forçado ao suicídio em 68, encerrando assim a Dinastia Júlio-Claudiana. Com essas novas informações, quem sabe a definição de Nero como um tirano possa ser reconsiderada. Por enquanto tudo ainda é mistério e mistério leva a Alfred Hitchcock.
Doce Suspense e Doce Mistério de Alfred Hitchcock
Alfred Hitchcock (1899-1980) foi um cineasta britânico, reconhecido como mestre do suspense e thriller psicológico. Ele começou sua carreira no cinema britânico e depois se destacou em Hollywood. Seus filmes, como Psicose (1960), Janela Indiscreta (1954), Os Pássaros (1963) e Um Corpo que Cai (1958), são conhecidos por criar tensão com enredos complexos e personagens ambíguos.
O estilo cinematográfico de Hitchcock é marcado por técnicas visuais e narrativas que criam e evoluem um suspense até seu desfecho. Hitchcock inovou com ângulos e movimentos de câmera, como em Psicose e Os Pássaros, onde sombras e cores intensificam o clima. Hitchcock construía tensão ao fornecer mais informações ao público do que aos personagens e usava o "MacGuffin" para mover a trama.
Conceito popularizado por Alfred Hitchcock, o MacGuffin é um termo usado no cinema e na literatura para descrever um objeto, evento ou objetivo que serve como motivação para os personagens e impulsiona a trama, mas que pode ter pouca ou nenhuma importância real para a história. Seus personagens complexos e temas como culpa e paranoia, combinados com suas aparições em filmes, deixaram um impacto duradouro no cinema de suspense.
O Doce Estilo Surrealista e Fantasioso de Federico Fellini
Já Fellini era conhecido por seu estilo surrealista e fantasioso, com narrativas fragmentadas que exploram a condição humana, a vaidade e a decadência social. Fellini usava cores exuberantes e composições visuais inventivas para criar atmosferas surreais. Seus filmes refletem o fluxo de consciência e apresentam personagens arquétipos exagerados para representar temas universais de forma caricatural.
Fellini impactou o cinema moderno com seu estilo visual único e abordagens narrativas inovadoras. Com uma carreira de quase cinquenta anos, Fellini ganhou a Palma de Ouro por La Dolce Vita, foi indicado a doze prêmios Óscar e ganhou quatro na categoria de melhor filme em língua estrangeira.
Como Hitchcock Analisaria A Doce Vida?
Aqui, a imaginação entra em campo. Se fosse possível hoje a Alfred Hitchcock analisar A Doce Vida, suas observações poderiam refletir seu estilo cinematográfico. Adepto de narrativas bem estruturadas e focadas no suspense, Hitchcock poderia criticar a natureza fragmentada e episódica de A Doce Vida. Provavelmente ele acharia que a ausência de uma trama central coesa enfraquece o impacto emocional e o envolvimento do público. Quem sabe, Hitchcock sugeriria uma narrativa mais linear e focada para aumentar a tensão e o engajamento no filme.
Como Hitchcock era mestre no desenvolvimento da psicologia dos personagens, consideraria Marcello Rubini ambíguo e bem propenso ao seu estudo psicológico na caracterização do personagem. Quanto à superficialidade dos personagens secundários, Hitchcock poderia considerá-los mais arquétipos do que figuras complexas, preferindo um desenvolvimento mais profundo e motivador.
Em algumas cenas a estética visual de Fellini poderia parecer a Hitchcock falta de precisão técnica. O estilo onírico e surrealista de Fellini talvez fosse visto por Hitchcock como desorganizado em comparação com o seu estilo mais contido e voltado para a construção de tensão. Hitchcock poderia achar interessante a crítica de Fellini à superficialidade e ao hedonismo, mas questionaria se a abordagem utilizada no filme é de fato eficaz. Uma narrativa mais coesa poderia ser mais impactante na crítica à superficialidade e ao hedonismo da sociedade romana.
Como Federico Fellini Analisaria Psicose?
Ao analisar Psicose, Federico Fellini provavelmente destacaria aspectos distintos da obra de Hitchcock. Fellini poderia admirar a maneira como Hitchcock cria uma atmosfera de suspense e tensão com uma abordagem mais contida e meticulosa. Acharia interessante como Hitchcock usa a iluminação e a fotografia para construir uma sensação de desconforto e expectativa.
Fellini poderia considerar engenhosa e inovadora a narrativa de Psicose pela sua estrutura não convencional e pela reviravolta inesperada. Embora Fellini usasse frequentemente narrativas fragmentadas e oníricas, ele poderia reconhecer e respeitar a forma como Hitchcock manipula a trama para manter o público intrigado e surpreso.
A profundidade psicológica dos personagens, especialmente Norman Bates, poderia ser vista por Fellini como uma representação fascinante da complexidade humana, com uma sutileza que contrasta com os arquetípicos e exagerados personagens de Fellini.
O simbolismo em Psicose, poderia ser analisado como a conexão entre o personagem de Norman Bates e o de sua mãe e como isso refletiria temas universais de identidade e repressão. Fellini encontraria paralelos com seus próprios temas sobre a condição humana e a dualidade, embora expressos de maneira diferente.
Fellini poderia achar a abordagem de Hitchcock ao suspense e ao medo psicológico tanto intrigante quanto restritiva. Reconheceria o domínio de Hitchcock na criação de tensão, mas também consideraria que o estilo de Hitchcock é mais linear e contido em comparação com suas próprias abordagens mais expansivas e visuais. Tudo isso, porém, são hipóteses. Hipóteses não são certeza de nada e sim um campo fértil para a criatividade. Doce ou amarga, a vida é para ser vivida֎
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