Bate-Papo de Aeroporto Entre Bob Dylan e Eduardo Bueno
Dando continuidade ao que não iniciamos, trazemos a este palco inexistente duas figuras lendárias deste mundo sem lembranças, Eduardo Bueno, conhecido escritor e historiador brasileiro, grande admirador da cultura pop e da música, e Bob Dylan, cantor americano que dispensa apresentações e por isso não vamos apresentá-lo.
Embora não haja uma ligação direta e pessoal entre os dois, Eduardo Bueno menciona e, com frequência, faz referências a Bob Dylan em suas obras e entrevistas. Eduardo destaca a importância de Dylan, um símbolo da contracultura e um dos maiores compositores do século XX.
Eduardo Bueno é fã de música, especialmente do rock e da música folk dos anos 1960 e 1970, períodos em que Bob Dylan foi protagonista da música estadunidense. Para Eduardo Bueno, Dylan é um cronista de seu tempo, assim como ele próprio, que se dedica a contar a história do Brasil que muita gente não conhece. A admiração de Bueno por Bob também reflete seu interesse por figuras que desafiaram o status quo cultural e político, algo que Dylan fez consistentemente em sua carreira. Mas deixemos de muita conversa e vamos ao que interessa: um diálogo entre os dois que desafia a realidade.
Eduardo Bueno: Bob, é um prazer falar com você. Cara, cresci ouvindo suas músicas. Por isso me sinto à vontade pra chamar você de Bob. Blowing' in the Wind me tocou profundamente, me fez pensar em como a música pode ser uma ferramenta poderosa de contestação. Concorda?
Bob Dylan: claro, a música vai aonde tem que ir, não é mesmo? As respostas estão por aí, no vento, como eu disse nessa canção. Não há um caminho certo, um único caminho e sim o que a gente sente que precisa ser dito.
Eduardo Bueno: exatamente! Apesar de ser um jornalista e não historiador, sempre vi a história como algo vivo, que dialoga com o presente, assim como suas canções que falam da falta de liberdade, de injustiça. No Brasil, passamos por tantas lutas, e sua música me acompanhou nessas jornadas.
Bob Dylan: a luta nunca a caba. Eu sempre escrevi sobre o que estava no meu coração, o que eu via e sentia ao meu redor. Não dá pra escapar disso.
Eduardo Bueno: e a maneira como você faz isso é tão única. Eu sou um cara que conta histórias sobre o Brasil e tento fazer algo parecido, resgatar o passado pra entender o presente. A diferença é que eu uso palavras impressas em páginas de livros enquanto você usa música, outra forma genuína de expressão. Acho que ambos somos cronistas de uma certa forma, você não acha?
Bob Dylan: sim, todos somos contadores de histórias. O formato pouco importa. O que vale é o impacto, a mensagem. E às vezes, a gente nem sabe o impacto que está tendo, não é verdade? É como jogar uma pedra na água e ver as ondulações se espalharem.
Eduardo Bueno: perfeito. No Brasil, usamos o termo "cabeça de vento" para alguém que não presta atenção nas coisas, mas eu sempre penso que ser como o vento, sem direção fixa, também é uma força em si. Afinal, o vento carrega as mudanças, assim como suas canções.
Bob Dylan: Isso é bonito, cara. Talvez seja isso. A gente não precisa saber de tudo, só precisa continuar se movendo, sentindo o que está por vir, e deixando que as coisas se desenrolem.
Eduardo Bueno: Isso mesmo, Bob. É como diz o Zeca Pagodinho: deixa a vida me levar...
Bob Dylan: Zeca Pagodinho? Ah, sim, aquele brasileiro que canta samba. Sim, lógico, ele está cheio de razão. Não é a gente querer levar a vida, isso não é possível, não é a vida que tem de se ajustar a você, é você que tem de se ajustar à vida, mas da sua maneira. É você que tem de encontrar seus caminhos.
Eduardo Bueno: e suas músicas continuam desenrolando histórias pra mim e pra tantos outros. É como voltar no tempo e ao mesmo tempo, olhar pro futuro.
Bob Dylan: tenho uma pergunta que estou ansioso pra fazer. Como foi pra você traduzir On The Road?
Eduardo Bueno: Cara, traduzir On The Road foi uma viagem, literalmente! Eu já era fã do livro, então quando me convidaram pra fazer a tradução, eu sabia que seria uma baita responsabilidade. O Jack Kerouac é único, não é? O ritmo dele, as repetições, a maneira como ele usa as palavras pra criar um fluxo... quase como uma jam session de jazz. Não dava pra simplesmente pegar o texto e traduzir ao pé da letra, porque você perde o ritmo, o espírito da coisa, sabe.
Bob Dylan: eu imagino. Kerouac tinha essa pegada meio solta, né? Como se estivesse improvisando. E a língua é cheia de nuances. Como você fez pra manter essa essência?
Eduardo Bueno: a maior dificuldade foi capturar esse fluxo. O Kerouac escrevia com uma intensidade que era quase física, visceral. Eu tinha que tentar entrar na mente dele e pensar em como ele escolheria palavras em português. E foi desafiador, porque a gíria americana dos anos 1950, o jeito meio "beatnik" de falar, nem sempre tem equivalente direto em português. Tive que adaptar algumas coisas, criar soluções que mantivessem o espírito da obra sem trair o texto original.
Bob Dylan: acho que você encontrou o ritmo da estrada em português.
Eduardo Bueno: Tentei, Bob! O lance é que On The Road é uma obra de movimento. A história é sobre estar em constante deslocamento, não só fisicamente, mas mentalmente. E eu, como tradutor, tinha que transmitir esse movimento, esse frenesi. Foi uma aventura, de certo modo, porque a tradução também é uma forma de viagem. Ao final, senti que tinha cruzado os Estados Unidos junto com o Sal Paradise e o Dean Moriarty.
Bob Dylan: parece que você fez exatamente o que Kerouac teria desejado. A tradução também é uma forma de liberdade, certo? Ajustar as palavras ao ritmo e à estrada.
Eduardo Bueno: sim, acho que a liberdade é a palavra-chave. No final, a tradução foi sobre recriar o espírito rebelde e inquietante da obra. E foi incrível poder contribuir com isso, trazer Kerouac para os leitores brasileiros.
Bob Dylan: fico feliz em saber que você conseguiu vencer esse desafio. Pena que eu não sei português pra desfrutar desse seu trabalho.
Eduardo Bueno: Bob, você é um dos meus ídolos, cara, aliás, o maior ídolo; mas não posso deixar de mencionar algo que me incomoda. Lá nos anos 60, você era o porta-voz de uma geração que queria mudar o mundo. Suas canções de protesto deram voz a tantas lutas, mas de repente você simplesmente se afastou disso. Foi como se você tivesse abandonado aquele espírito de contestação. Muitos de nós sentimos isso.
Bob Dylan: é engraçado, Eduardo. Eu nunca pedi pra ser o porta-voz de nada. As pessoas me colocaram nesse pedestal, mas eu sempre fui um compositor. Escrevia sobre o que via e sentia no momento. O tempo muda, as pessoas mudam. Eu também mudei. Se eu continuasse a fazer o que as pessoas queriam que eu fizesse, estaria traindo a mim mesmo.
Eduardo Bueno: sim, eu entendo. Você tem o direito de mudar e de seguir novos caminhos. Mas pra nós que vimos em você uma figura de resistência, foi como se, quando o mundo mais precisasse de alguém como você, você tivesse dado as costas. Como historiador, eu vejo figuras que influenciam momentos chave, e você era essa figura. Suas canções tinham o poder de mover montanhas...
Bob Dylan: eu não sou um político, Eduardo. Sou um artista. E a arte... ela não deve ser amarrada a uma causa específica ou a um momento. Eu escrevia sobre o que eu acreditava na época, e quando não fazia mais sentido, segui em frente. Às vezes, seguir em frente é a maior forma de liberdade.
Eduardo Bueno: é, tem razão... Eu vejo a arte como um ato de liberdade, mas acho que as pessoas criaram uma expectativa de que você continuasse a ser aquela voz que as inspirava. Talvez esperassem mais de você, e quando você decidiu não ser mais o líder da "rebeldia", foi um choque.
Bob Dylan: a vida é cheia de choques, não é? As pessoas se apegam à ideia de um herói, mas eu nunca quis ser herói de ninguém. A única coisa que eu posso fazer é ser honesto comigo mesmo, e foi o que sempre tentei fazer. Nem sempre consegui; na verdade é mesmo impossível ser totalmente coerente ao longo da vida. O que a gente tenta é ser coerente o máximo possível. Bom, Eduardo, chega de falar de mim. Quero saber mais de você. Me conta sobre os seus livros e essa sua jornada, de uma vida hippie e agitada até o que você é hoje. E, claro, esse jeito debochado que você tem de lidar com as coisas, me parece interessante.
Eduardo Bueno: minha vida foi uma jornada maluca e intensa. Nos anos 70, vivi o espírito hippie ao máximo, viajando pela América do Sul como mochileiro e imerso na contracultura. Conheci todo tipo de gente, escrevi, busquei entender o mundo em meio ao caos, essas porras todas. Com o tempo, encontrei na escrita e na história do Brasil uma forma de canalizar minha energia e inquietação. Meus livros misturam essa paixão pela história com irreverência. Ainda mantenho esse espírito debochado, rindo até das dificuldades, o que me ajudou a atravessar a estrada. Minha vida foi uma longa viagem, cheia de altos e baixos, mas sempre com bom humor.
Bob Dylan: ah, então é isso... o jeito brasileiro de ser?
Eduardo Bueno: é, Bob! Acho que pode chamar assim. A gente aqui no Brasil tem essa coisa de rir da própria desgraça, sabe? Encarar os problemas com leveza, porque se levar tudo a ferro e fogo, a vida fica pesada demais. Esse jeito debochado é quase um mecanismo de defesa, mas também pode ser uma filosofia de vida. No final, a gente vai improvisando, como num samba ou numa roda de conversa, tentando encontrar alegria mesmo nas coisas mais complicadas.
Bob Dylan: Isso soa como música, como improviso. Acho que tem algo aí. Talvez seja o que mantém o espírito livre, sabe? Não se apegar tanto às coisas, deixar que a vida flua. Parece que você está bem consigo mesmo.
Eduardo Bueno: sim, eu continuo escrevendo meus livros, tocando o Buenas Histórias no YouTube e o podcast Nós na História, três malucos gaúchos falando sobre livros e outras cositas más.
Bob Dylan: E por que esse apelido de "Peninha"?
Eduardo Bueno: Eu ganhei esse apelido quando iniciei a vida profissional como repórter, aos dezessete anos, no jornal gaúcho Zero Hora. "Peninha" é o mesmo nome do personagem da Walt Disney Productions que trabalha no jornal A Patada.
Atenção Senhor Boby Dylan, Comparecer à sala VIP, Seu Embarque às 22 horas
Eduardo Bueno: Olha só, o tempo passa e a gente nem percebe quando está numa boa conversa. Você tem de pegar o voo e eu não vou ficar aqui te segurando. Foi um prazer passar esses minutos com você, but It's time to say goodbye.
Bob Dylan: sim, tenho de ir. Foi maravilhoso ter essa conversa e estar aqui no Brasil. Até mais, meu amigo. Espero você em Nova York, certo?
Eduardo Bueno: Sim, estarei lá com certeza. É sempre uma alegria muito grande conversar com você. Goodby, man!
֍
Comments